A chamada “década perdida” foi marcada por duras restrições de balanço de pagamentos. Isso suscitou a queda pronunciada da relação importações/ PIB, que chegou à incrível cifra de 3%, um fechamento forçado da economia. Nesse ambiente de caos econômico, o Brasil deixou de incorporar os novos setores e, portanto, as novas tecnologias da chamada Terceira Revolução Industrial.

A estabilização do nível geral de preços levada a cabo em meados dos anos 90 livrou a economia brasileira da hiperinflação, mas não teve forças para eliminar a herança dos malfadados anos 80. As condições em que foi realizada a estabilização custou ao Brasil uma combinação perversa entre câmbio valorizado e juros estratosféricos, com graves prejuízos para o crescimento e para a diversificação da indústria.

Medidas defensivas adotadas foram importantes para impedir a deterioração da indústria

O “afastamento” das transformações manufatureiras globais nos legou insuficiências em vários setores: telecomunicações móveis, PCs, computadores portáteis, TVs plasma e LCD, câmeras digitais, componentes eletrônicos, para não falar da robótica, dos novos materiais e da nanotecnologia. No plano dito “microeconômico”, a organização empresarial brasileira distanciou-se das novas formações empresariais que surgem no âmbito da formação das cadeias produtivas globais.

A reconfiguração do espaço global foi acolhida com eficientes respostas estratégicas nas economias asiáticas, sob a égide de agressivas políticas industriais e de exportação de manufaturados. Em meio às rápidas e profundas transformações da economia industrial e dos padrões de concorrência no âmbito internacional, a indústria brasileira seguiu com a estrutura dos anos 70 com avanços microeconômicos aqui e acolá. Este é o caso, por exemplo, da indústria extrativa mineral, da indústria de petróleo e derivados e da indústria aeronáutica.

A escalada industrial da China tornou nossa situação industrial ainda mais desvantajosa. A estratégia chinesa apoiou-se numa agressiva exportação de manufaturados que atinge seu ápice na segunda metade dos anos 2000.

Isso, combinado com a mudança favorável nos termos de troca, acentuou as tendências que afligiram a economia industrial brasileira nos últimos 30 anos. Depois dos efeitos nefastos da “crise da dívida”, a economia conviveu com a continuada valorização cambial, razão maior dos bloqueios à diversificação da estrutura industrial e da permanência de uma organização empresarial defensiva e frágil.

As medidas defensivas adotadas depois da crise de 2008, tais como a desoneração, o crédito favorecido, a exigência de conteúdo nacional e medidas de defesa comercial – malgrado as críticas que sofreram e ainda sofrem – foram importantes para impedir uma deterioração ainda mais profunda da indústria de transformação.

A literatura relevante sobre processos de industrialização ou de (re) industrialização assinala a importância da ação do Estado na promoção das formas de financiamento, na educação, na criação de sistemas de inovação e nas políticas comerciais, leia-se, na abertura de oportunidades a serem capturadas pelas iniciativas do setor privado. Não é preciso lembrar ao leitor que essa foi a experiência de Alemanha, Japão, Coreia, China e, “last but not least”, dos Estados Unidos.

A política industrial não pode reproduzir as orientações do período dito nacional desenvolvimentista e muito menos promover uma abertura comercial sem estratégia, ou seja, desamparada de uma política industrial e financeira ajustada aos tempos de hoje. A premissa maior de uma nova política é a adoção de um câmbio competitivo, o que significa, nas condições atuais, buscar a elevação das importações como ingrediente do crescimento das exportações.

A manutenção do câmbio real competitivo é condição necessária, porém não suficiente, para a constituição da nova política, mas deve ser complementada por um conjunto de ações governamentais executadas simultaneamente.

A escolha das cadeias prioritárias é de suma importância. Malgrado os tropeços, é reconhecido o potencial de inovação e da disposição para suportar riscos de alguns segmentos da vida empresarial brasileira. Falamos do agronegócio e das sinergias que podem nascer das parcerias público-privadas nas áreas de infraestrutura e de petróleo e gás. Essas políticas possuem características que permitem a concertação de ações voltadas para a qualificação das cadeias industriais e sua integração na manufatura global.

O sucesso desses empreendimentos depende crucialmente de uma reforma radical dos métodos e das instituições. Primeiro, a criação junto ao gabinete da presidência dos Grupos Executivos, à semelhança do governo Juscelino Kubitschek: pouca gente, muito qualificada, administrando um sistema de coordenação público-privada. Segundo, os programas de financiamento e de incentivos ao investimento devem, sim, contemplar cláusulas de conteúdo nacional, com metas e contrapartidas rigorosamente cobradas dos beneficiários privados. Terceiro, a eliminação do imbróglio administrativo, não apenas com a redução do número de Ministérios e Secretarias, mas também com a supressão, à moda chinesa, de procedimentos e interdições.

PS: Falar vaga e abstratamente de elevação da Produtividade Total dos Fatores pertence à sabedoria do Conselheiro Acácio: contra a doença e a favor da saúde. Até mesmo meu cachorrinho Maynard sabe que os ganhos de produtividade dependem crucialmente da elevação da taxa de investimento, sobretudo com o avanço do gasto em capital fixo, com incorporação das “novas gerações” de métodos e equipamentos produtivos.

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Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

Fonte: Valor Econômico