O mundo do futebol experimenta uma escalada racista. No Brasil, uma torcedora gremista, durante a última partida disputada contra o Santos, atacou a dignidade e o decoro do goleiro visitante. Xingou-o de macaco. Em defesa da torcedora, e a culpar o goleiro santista, Aranha, saiu o vice-presidente do Grêmio, que perdeu a oportunidade de ficar calado ante a fúria racista mostrada ao vivo e em cores. Não bastasse, parte da torcida gremista entoou uma canção tirada do fundo do baú, de menosprezo a negros, criada para atacar os rivais torcedores do Internacional.

No exterior, nem a presença da atuante rede Football Against Racism in Europe (Fare), nascida em 1999 e composta de 150 organizações internacionais empenhadas em sensibilizar e tomar posições firmes contra toda forma de discriminação nos campos futebolísticos e entre torcedores, conseguiu inibir Carlo Tavecchio, o cartola-chefe do calcio italiano.

Tavecchio externou posição racista ao sustentar que os jogadores negros estrangeiros, antes de atuar em times italianos, comiam bananas. Como recurso de oratória, vestiu uma virtual camisa da esquadra da Lazio em um jogador negro de fictício nome Optì Poba. Para rematar, disse que o inventado Poba, antes de chegar à Itália para atuar como titular da Lazio, comia bananas. A Uefa, associação europeia de futebol, instaurou um procedimento apuratório contra Tavecchio. Apesar dessa manifestação racista, o dirigente foi, uma semana após a vergonhosa pisada de bola, conduzido para o comando da federação italiana por 63% dos votos.

No Brasil, o repúdio ao racismo foi colocado na Constituição e considerado crime imprescritível e inafiançável. Quando o ofendido em sua honra subjetiva é pessoa certa, identificada como no caso do goleiro Aranha, que se disse ferido na sua autoestima, o enquadramento legal se dá pelo Código Penal e com subsunção da conduta da torcedora gremista ao tipo conhecido por “injúria racial” (art. 140, p. 3º). A pena é branda, não passa de três anos, e enseja ao primário regime aberto, na modalidade de prisão albergue domiciliar. No que toca aos cantores racistas, o nomem juris dado às suas condutas é “crime de racismo”: a tipificação dá-se por legislação especial de 1989 (art. 20). Nessa hipótese, não se tem por vítima uma pessoa certa (como sucedeu no caso da torcedora que ofendeu o goleiro Aranha) ou pessoas determinadas. Agrediu-se, com o canto no estádio, um número indeterminado de indivíduos, com menosprezo à cor de pele. Para o crime de racismo não se admite a prescrição, não cabe fiança nem liberdade provisória.

Diante da prevalência da ofensa à sociedade sobre o particular ofendido, melhor seria, no caso da legislação, extinguir a distinção entre injúria racista e crime de racismo. Lógico, permaneceria apenas o crime de racismo para fim de enquadramento legal. A injúria racista, à luz da legislação em vigor, dependerá, no tocante à ação penal, do consentimento do ofendido, ao passo que no crime de racismo a ação criminal é pública (competência do Ministério Público) e incondicionada.

Para enfrentar o racismo, apenas a repressão não basta. É necessária a prevenção e a educação para a legalidade democrática, tudo sem esquecer poder um campo de futebol lotado servir muitas vezes como amplificador do pensamento de parte da sociedade. O racismo também já restou notado entre atletas e técnicos de futebol. Segundo muitos especialistas, a discriminação nasce da não tomada de consciência do medo ao diferente e, assim, campanhas podem ser empregadas com sucesso e estimular a consciência igualitária.

Tomo a liberdade de lembrar, como vítima de racismo que fui, dois fatos acontecidos em 1960 e 1999. Na final do supercampeonato paulista de 1959 (disputado em 1960), torcedores do Palestra-Palmeiras, saídos do italianíssimo bairro do Bom Retiro em direção ao Estádio do Pacaembu, foram chamados de “carcamanos” pela elite paulistana. A propósito, “carcamano” era o pejorativo usado, em São Paulo, para ofender os imigrantes italianos dados como pobretões e perdedores da Segunda Guerra Mundial. Dizia-se que calcavam a mão no prato da balança para “roubar” no peso da mercadoria oferecida à venda. O segundo fato deu-se em um estádio italiano, onde uma faixa gigante, com destinatários negros e judeus, anunciava: “Auschwitz, a sua pátria e as suas casas”.

Pano rápido: este colunista, Fanganiello Maierovitch, é carcamano-palestrino e, desde sempre, reside e come bananas em Auschwitz.