Há mais abutres sobrevoando nossas cabeças do que cada um de nós imagina.

Quem acha que esse é um problema exclusivo da Argentina não sabe, da missa, a metade.

Se pensamos que suas garras apenas cobiçam moribundos, é sinal de que estamos pouco informados, ou, o que é mais comum, sendo mal informados por uma mídia corporativa que tem abutres entre seus sócios principais.

Por que será que a mídia que informa os agentes econômicos adora ter carniceiros entre seus comentaristas econômicos?

É bom lembrar que as famílias e os governos são os dois principais agentes econômicos de qualquer país, mais do que empresários e banqueiros.

Em qualquer país, a política econômica e os investimentos governamentais – em conjunto com a decisão de compra ou de poupança das famílias – supera, em muito, o poder de empresários e banqueiros de decidir os rumos da economia.

Somos costumeiramente levados a pensar o contrário: que empresários e banqueiros comandam o sucesso ou o fracasso da economia.

Mas, voltemos aos abutres, antes que eles e os tucanos biquem nossas cabeças.

Os abutres são especuladores de plantão que lucram sobre expectativas negativas. Eles espalham ou se aproveitam de boatos que quebram empresas. Eles promovem ou incentivam a guerra de contrainformação que produz oscilações bruscas e artificiais nas bolsas de valores.

E eles estão em todos os lugares. Não existe recanto, na face da terra, livre do olhar atento, do voo sorrateiro e do ataque silencioso dos abutres.

O que a Argentina fez, ao rechaçar suas investidas, foi apenas gritar e chamar a atenção para um fato corriqueiro, tido como normal na maioria das situações: quem não se importa com abutres não questiona dívida e devedores – paga-se, não importa o preço, não importa o custo, não importa o dano.

Os abutres não são uma invenção recente. O espírito do capitalismo, desde sempre, foi povoado pelo espírito dos abutres. Eles tornaram o capitalismo aquilo que ele hoje é.

Os abutres são todos aqueles que, desde a mais remota das eras, se ocupavam do setor financeiro da economia e se interessavam por um negócio extremamente lucrativo: a insolvência, a falência, o fracasso.

O desastre econômico, a dívida impagável, o negócio que entrou em decadência, os depósitos abarrotados de mercadorias que ninguém quer ou pode comprar, os países que fizeram escolhas erradas, todos eles são alvos dos que querem esfolar eternamente quem lhes puder fornecer um último naco de carne fresca ou mesmo podre.

Os bons abutres são implacáveis em seu esforço medonho por amaldiçoar os que desejam devorar.

O principal dos fundos abutres da dívida argentina, o Elliott Associates, além de liderar um lobby para que se boicote a carne dos argentinos nos Estados Unidos, esteve por trás da campanha que dizia que a presidenta Cristina Kirchner tinha um “pacto com o diabo”.

A “evidência”  seria o fato de Cristina Kirchner nunca ter tratado o Irã como país do eixo do mal, nem o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad como um natural inimigo.

Curiosamente, um dos maiores fundos abutres dos Estados Unidos é o Cerberus. O nome homenageia Cérbero, o cão de muitas cabeças que, na mitologia grega, guardava o inferno de Hades.

A besta impedia que os vivos entrassem para resgatar quem quer que fosse e evitava que os mortos fugissem do inferno. O nome é mais que perfeito para a tarefa da qual se incumbem os fundos dessa estirpe.

Nos Estados Unidos, o Cerberus está também intimamente associado à indústria da morte. Desde que comprou a antiga Remington, se tornou um dos grandes fornecedores de armas domésticas e para o Exército norte-americano.

Está também ligado à indústria farmacêutica e ao setor hospitalar, tendo sido um dos grandes inimigos da reforma do sistema de saúde, promovida pelo Governo Obama.

O Cerberus, como a maioria dos abutres, tem como política agir decididamente e não aparecer publicamente, para não chamar a atenção para o que fazem e nem deixar claro o que querem.

Seu fundador, Stephen Feinberg, em uma reunião interna, deixou isso claro aos seus diretores:

“Se alguém da Cerberus tiver sua foto publicada em um jornal, ou aparecer com a foto de seu apartamento em um jornal, nós faremos mais do que demitir essa pessoa. Nós vamos matá-la. A setença de prisão certamente valerá a pena” (matéria do jornal Huffington Post http://www.huffingtonpost.com/john-rosenthal/cerberus-capital-profitin_b_4072807.html ).

Os fundos abutres, lá nos Estados, na Argentina e, obviamente, aqui também, estão no lucrativo negócio do financiamento de campanha.

Seus candidatos prediletos tratam os abutres obsequiosamente, não como animais de estimação, mas como sócios majoritários de uma mesma empreitada – usar a política como mais um dos negócios do qual se tira o máximo proveito.

Isso ocorre, principalmente, por meio de bancos privados. São eles que gerem carteiras de investimentos que recebem dinheiro de fundos abutres para fazer investimentos em setores promissores – promissores para eles, abutres, e não para a economia como um todo.

Os bancos financiam seus candidatos de olho em políticas públicas que lhes permitam extrair lucros que paguem seu investimento político.

O objetivo comum dos abutres e de outras aves de rapina, na política e na economia, é especular, patrocinando o pior dos mundos.

Para isso, se faz necessário piorar expectativas, criar cenários catastróficos, desmoralizar autoridades econômicas cuja política econômica não lhes presta reverência, e também demonizar quem se coloca como adversário em seu caminho.

Meu apreço por Arno Augustin, Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – que não conheço pessoalmente – cresce toda vez que vejo, no jornalismo abutre, o ódio que é destilado contra sua pessoa.

Como diria Mário de Andrade, às avessas, é

“Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão!”.

Ódio de abutre é elogio e deveria constar do currículo de toda autoridade econômica que se preze – sinal de ficha limpa na relação com o mercado financeiro.

Qualquer semelhança entre o mau humor dos abutres e os cenários atuais traçados para a economia brasileira não terá sido mera coincidência – é sonho de consumo de quem quer as rédeas do País.

Há mais abutres sobre nossas cabeças do que imaginamos. Eles são mais comuns e importantes do que os aviões de carreira que sobrevoam os telhados dos brasileiros.

Sua índole sorrateira e matreira, infelizmente, nos mantém muito desatentos quanto àquilo do que são capazes.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

Publicado em Carta Maior