Não tenho nada contra os imigrantes, mas esse é um grave problema aqui”, declarou ao Guardian o vienense Rudolf. Morador dos distritos da cidade em que outrora vicejaram aspirações socialistas, o ex-operário lamentou: “Os velhos partidos já não têm respostas. A social-democracia vai perder”. Heinz-Christian Strache, líder do Freedom, facção de extrema-direita, esfrega as mãos diante do colapso de credibilidade que afeta os partidos políticos tradicionais, social-democratas ou conservadores.

Às vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, a extrema-direita monta seus palanques para proclamar consignas hostis à União Europeia e aos imigrantes. Essas palavras de ordem ganham adeptos em todos os cantos do Velho Continente. Na França, crescem para além dos 25% as intenções de voto para a Frente Nacional de Marine Le Penn. Na Inglaterra, as pesquisas mostram que 30% dos eleitores pretendem escolher o United Kingdom Independent Party de Nigel Farage. Farage não economiza palavras para profligar os imigrantes, sobretudo os que vêm do Leste Europeu. Ainda recentemente, meteu-se em confusão ao perguntar aos ingleses se, por acaso, estariam seguros com um vizinho romeno.

Philippe Legrain, ex-assessor da presidência da Comissão Europeia, em seu livro mais recente, Primavera Europeia: Porque nossa economia e nossa política são uma desgraça, pintou com tintas amargas o futuro das novas gerações. “Elas terão uma vida pior do que tiveram seus pais. A Europa está um desgraça. Nossas economias falham clamorosamente em seu dever de proporcionar padrões de vida decentes para a maioria de seus cidadãos e muitos deles perderam a fé na capacidade dos políticos em proporcionar um futuro melhor. Por isso cresce o apoio aos extremistas.”

Não por acaso, a rejeição às instituições da União Europeia sediadas em Bruxelas vem acompanhada de aversão generalizada pela política e pelos políticos. As pesquisas de opinião registram a emergência de sentimentos negativos apontados para os Parlamentos nacionais. O coeficiente de aprovação dos ditos representantes do povo não passa de 25%.

O filósofo alemão Jurgen Habermas escreveu na edição de maio da revista francesa Esprit: o modelo europeu de sociedade é baseado na interconexão entre o Estado do Bem-Estar Social e a democracia. Essa conexão será rompida “se não for revertida a tendência de aumento da desigualdade social observada nas últimas duas décadas, empiricamente bem documentada nos países industrializados”.

Não é necessário partilhar crenças marxistas, continua Habermas, para identificar as causas da perda de fé dos eleitores em seus representantes. As razões estão abrigadas nas barbaridades perpetradas pelo capital financeiro descontrolado (unleashed financial capitalism).  A finança contemporânea, inflada em seus movimentos virtuais, está desconectada das necessidades reais dos homens e mulheres da Europa. Habermas acusa: “Os bancos deveriam estar submetidos a uma forte regulamentação conjunta dos países da Europa, providência que vem sendo obstada pelo governo alemão”.

Nas regiões ditas desenvolvidas, no crepúsculo dos anos 90, era possível ouvir os clamores das manifestações contra as desigualdades engendradas no ventre da globalização. A toada subiu muitos decibéis na posteridade da crise iniciada em 2008. Hoje, os ideólogos do status quo observam o descontentamento dos “perdedores” se alastrar mundo afora. Agora já são muitos e a mídia global cuida de discernir se os manifestantes carregam o “anticapitalismo” (sic) nos ossos ou apenas nas mochilas que levam às costas.

Nos círculos bem pensantes há desconforto com o mau humor dos cidadãos que não só rejeitam as consequências da crise, mas, sobretudo, contestam o modelo social e econômico que conduziu o planeta à beira de uma (outra) Grande Depressão. Os perdedores sofrem as agruras da estagnação dos rendimentos familiares nos últimos 30 anos, as dores das ocupações precárias, as penúrias do desemprego de longo prazo, do aumento da pobreza e do desamparo na doença.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de “duas naturezas”: 1. A enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças. 2. As limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem-estar e a autonomia individual a todos os encantados com suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.


Fonte: revista CartaCapital