Berlim – Há alguns dias, o presidente do Peterson Institute of Internacional Studies, Adam Posen, em artigo publicado no jornal britânico Financial Times, intitulado “Equivocado o modelo econômico da Alemanha”, observava que este país constitui um Estado rico que segue modelo de economia em desenvolvimento, e previa que a dependência do capitalismo alemão aos baixos salários será comprovada receita de fracasso catastrófico.

No mesmo período, Jörg Asmussen, o todo poderoso do Banco Central Europeu (BCE) constatava – de seu próprio ponto de vista – que “nos próximos cinco a dez anos a Alemanha voltará a ser o doente europeu”, a exemplo de como aconteceu em meados da década passada.

Previsões estranhas para todos aqueles que têm uma imagem da Alemanha como economia toda poderosa, rica, sadia e, principalmente, excepcionalmente, produtiva. Mas qual é a realidade?

Os desempenhos da economia alemã mostram-se, realmente, impressionantes nos setores de exportações e ocupação. Aliás, várias vezes, as evoluções positivas nestes setores apresentam-se fortemente ligadas entre si: O sucesso exportador das empresas alemãs explica, também, as “boas novas” no que diz respeito à ocupação total.

Realmente, com seu superávit comercial representando 6% do Produto Interno Bruto (PIB), a Alemanha é o maior exemplo de economia exportadora do mundo. As exportações, obviamente, constituíam a maior parcela de seu PIB. Assim, na década anterior da reunificação, correspondiam a 23%–25% do PIB, e foram minimamente contraídas, para explodiram na década do euro ao fantástico percentual de 38%, superando a China e assumindo a primazia mundial.

Além disso, esta grande explosão das exportações parece andar de braço dado com uma impressionante redução do percentual de desemprego: de 12% em 2005, evoluiu desde então, descendentemente, e, apesar da crise econômica mundial, despencou em níveis inferiores a 6%.

Feições escuras

O desemprego está em queda, mas a Alemanha dispõe do maior percentual de pobres empregados na Europa. Em uma população economicamente ativa de 42 milhões, 8 milhões trabalham em contratos flexíveis de menos de 20 horas por semana, os “minijobs” por 400 a 800 euros por mês.

Estas são consequências da política do governo social-democrata de Gerhard Schröder e, principalmente, das reformas Hartz no mercado de trabalho, que tornou, realmente, irreconhecível a “economia social de mercado”, que constituía o modelo de capitalismo alemão em oposição ao superliberal modelo anglo-saxão.

Consequentemente, a redução do percentual de desemprego foi baseada, em grau elevado, sobre a grande compressão dos rendimentos reais do trabalho. Assim, a remuneração real encontra-se hoje abaixo do nível de 1990, enquanto a renda per capita aumentou durante o período do euro, a partir de 2001, em 30%. O total desta diferença foi arrecadado pelos empregadores alemães.

Os desempenhos das exportações do capitalismo alemão estão, portanto, ligados aos detalhes anteriores. Isto significa que a posição competitiva do capitalismo alemão depende, em grau elevado, da contenção dos salários dos trabalhadores em níveis baixos e, assim, a única forma para a manutenção do modelo é ser aceito (ou ser obrigado a aceitá-lo) o mundo do trabalho.

Tanto as ameaças sobre fuga do capital, se não forem mantidos os fundamentos, quanto o temor que representa o “fracassado” Sul da Europa parecem que, por enquanto, são eficazes.

Lucratividade do capital duplicou desde 1982

Para compreender o que está acontecendo na Alemanha, deverá ser avaliado o indicador que ocupa o papel central na evolução de uma economia capitalista: O percentual de lucro. Ao que tudo indica, então, com base em dados da Ameco, o desempenho líquido do capital quase duplicou na Alemanha em relação à queda histórica de 1982.

A metade, adicional, deste aumento foi realizada após a criação da Zona do Euro, a qual parece ter favorecido a economia alemã, considerando que absorveu mais de 2/3 das exportações do país.

Isto comprova-se, também, pelos indicadores comparativos: nos anos da Zona do Euro, até a explosão da crise capitalista mundial, o percentual de lucro diminuiu na França em 3,8%, na Espanha em 4,2% e na Itália em 9,5%, enquanto na Alemanha aumentou em 17,7%.

A essência do novo “milagre alemão” comprova-se, facilmente, com definições marxistas. O excessivamente elevado aumento do percentual de exploração através do tempo constituía o fator quase exclusivo da recuperação do percentual de lucro.

A partir de 1982 a mais-valia aumentou em 40%, enquanto, simultaneamente, a composição orgânica do capital ampliou-se apenas em 5%. Isto é, enquanto, apesar do mito divulgado, o capital estável aumentava minimamente, fortalecendo a inovação e os investimentos em nova tecnologia, registrou-se uma explosão de mais-valia, baseada – entre outros – no uso de elevado número de trabalhadores estrangeiros (principalmente turcos), assim como na exploração do trabalho em outras regiões da Europa, com imigração de instalações e capitais.

Exploração

A real explosão do percentual de lucro ocorre no período do euro, diretamente ligada às reformas neoliberais no mercado de trabalho e às condições de gerenciamento do desemprego, as quais fundamentaram o recente poderio do capitalismo alemão. Em consequência a possibilidade de absorção de mais-valia e a manutenção do custo do capital estável constitui, essencialmente, a recente história do capitalismo alemão.

Apesar do que muitos pensam, então, o capitalismo alemão não apóia seu poderio atual sobre reais características dinâmicas. Como Adam Posem citou em seu artigo, “um país rico mantém sua competitividade por intermédio de pesquisa, desenvolvimento e investimentos de capitais. Ao contrário, os investimentos estáveis estão sendo reduzidos na Alemanha, de 24% do PIB, em 1991, para menos de 18%”.

“Os investimentos alemães são muito inferiores à média dos países-membros do Grupo do 8, como mostra o recente Relatório Econômico para a Alemanha da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, prossegue o o presidente do Peterson Institute.

Ainda, a Alemanha registra grande carência, também, no que diz respeito a investimento em capital humano, sendo uma das duas economias desenvolvidas na qual o percentual dos jovens formados entre 25 e 34 anos não aumenta comparativamente com as gerações anteriores (a outra são os EUA). Assim, o percentual de jovens trabalhadores com curso superior é entre 10% e 20% menor do que em outros países desenvolvidos.

Tudo isso, naturalmente, tem consequências dramáticas sobre a produtividade do trabalho, com resultado de seu aumento anualmente no período 2001–2010 ter atingido apenas 0,6%, contra 1,4% nos países desenvolvidos. No mesmo período – e, novamente, apesar do que é divulgado – a ocupação no setor de transformação está em queda da mesma forma, como nas outras economias da OCDE.

Caminho da Europa

Em conclusão, as notícias sobre o capitalismo alemão não são as melhores – e isto sem mencionar as muito desagradáveis do problema fiscal. A orientação às exportações poderá, facilmente, transformar-se em calcanhar de Aquiles quando a China cessar a importação de máquinas alemãs, na medida em que só lhe resta reduzir o investimento como percentual de seu PIB e, mais ainda, quando os países da Europa, que absorvem 70% das exportações alemãs, as reduzirão por causa, exatamente, dos programas de severa frugalidade (idealizados pela Alemanha) que foram obrigados a adotar após 2008.

Em sintonia com o elevado custo energético da produção alemã (energia elétrica mais cara 1/3 em relação, por exemplo, a França e Itália, gás natural quatro vezes mais caro em relação aos EUA), nenhuma perspectiva positiva conforma-se. O único caminho, então, permanece a intensificação da exploração do trabalho. E isto também dificilmente poderá durar.

A Alemanha é a maior e mais importante economia capitalista na Europa e, se a situação continuar evoluindo da mesma forma, muito em breve constituirá a mais poderosa potência imperialista européia (hoje divide esta posição com a França e a Grã-Bretanha).

Suas opções definem, em grau elevado, o futuro de toda a Europa. E se o futuro da Europa está intimamente ligado ao modelo econômico da Alemanha, as perspectivas são extremamente sombrias.

Para o Continente Europeu e, particularmente, para os trabalhadores europeus, na medida em que a permanente intensificação da exploração constituirá o caminho do capitalismo europeu.

Laura Britt é da Sucursal da União Européia para o Monitor Mercantil