Há tempos venho insistindo num argumento. O processo de convergência acentuou a penetração dos grandes conglomerados de mídia e trouxe com eles novos players como as empresas de telecomunicações, os fabricantes das smartTVs, Google, Amazon, Apple, Netflix e outros. Diante disso, aquela conversa de que a comunicação no Brasil é controlada pelas tais nove famílias simplesmente não é mais verdade. O tempo agora é outro. O mercado brasileiro de comunicações está cada vez mais dividido entre os grandes grupos estrangeiros e a Globo. O resto não vale uma nota de três reais.

E se antes era ruim, agora pode ser ainda pior, porque o desafio de regular esses gigantes transnacionais pode ser ainda maior do aquele de regular os coronéis da velha mídia. Senão, vejamos.

1. A OI, “super tele” que o governo Lula ajudou a criar quando alterou a regulamentação e permitiu que a Telemar comprasse a Brasil Telecom, tem um endividamento oneroso cerca de 50% maior do que a soma dos endividamentos de todas as suas principais concorrentes (Telefonica, Embratel, TIM, Claro, NET, GVT e Algar). É difícil imaginar como essa empresa conseguirá lidar com uma dívida tão grande, com as enormes demandas de investimentos do mercado de telecomunicações e com a sanha por dividendos demonstrada por seus controladores (e que levou à demissão de seu ex-presidente, Francisco Valim).

2. A receita líquida da Globo (mesmo sem incluir os jornais e as rádios do grupo) é mais de seis vezes superior à receita líquida da Abril S.A., o segundo maior grupo de mídia do Brasil. Se forem acrescentadas a receita líquida do SBT, do grupo OESP e da RBS, mesmo assim a soma não alcança um terço da receita líquida da Globo.

3. O mesmo fenômeno se repete no lucro líquido da Globo. Se somarmos Abril, SBT, OESP e RBS, o lucro líquido da Globo é cerca de 11 vezes maior.

4. Só os jornais da família Marinho (Infoglobo) já são hoje o terceiro maior grupo de mídia do país, atrás apenas da própria Globo e da Abril.

Nichos de mercado

5. O endividamento oneroso da Globo é menor do que seu lucro líquido obtido apenas em 2012.

6. Já o endividamento oneroso da Abril S.A. é mais de dez vezes superior ao patrimônio líquido da empresa. Isso ajuda a explicar o tamanho da crise da Abril e porque os Civita começam a apostar mais em educação do que em mídia.

7. Embora seja o homem mais rico do mundo, Carlos Slim ainda sofre para conseguir lucros expressivos de suas empresas brasileiras (Embratel, Claro e NET). Principalmente a Claro segue sendo seu calcanhar de aquiles e mais uma vez a empresa fechou o ano com lucro líquido negativo.

8. Os grandes conglomerados mundiais de comunicação (Warner, Disney, Viacom, etc) não constam dessa relação porque suas empresas no Brasil (distribuidoras de cinema e programadoras de TV paga, por exemplo) são meros escritórios que repassam o lucro obtido no país para suas matrizes no estrangeiro.

9. Para quem tinha alguma dúvida, os balanços de 2012 são definitivos. A Globo é o único grupo de comunicação de capital brasileiro capaz de sobreviver no médio prazo. Todos os demais são minúsculos frente aos concorrentes estrangeiros e serão tragados ou terão que se contentar em ocupar nichos bem específicos. A ausência de políticas públicas gerou uma situação gravíssima para o futuro de nossa democracia.

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Pra que entender se eu posso dar um like?

G.G. # do Facebook

O mundo é cada vez mais complexo e nos cobra uma atitude crítica e embasada. Não basta ter uma “convicção de esquerda” e achar que os fatos irão se adequar às nossas convicções.

Meu post de 21/8 (sobre o balanço dos grandes grupos de comunicação) foi republicado no Vi o Mundo, um dos melhores espaços de nossa blogosfera. Hoje (22) passei para dar uma lida nos comentários e confesso que tive uma mistura de decepção e preocupação.

Primeiro, há uma quantidade enorme de falas sem nenhum embasamento real. Gente dizendo que a Globo possui um “passivo escondido” ou que a Oi foi vendida para o Santander (quando, na verdade, o banco comprou apenas a gestora de créditos da Oi) ou apostando que a Globo vai quebrar porque o universo inteiro conspira para a sua falência, etc. Enfim, é uma mistura de informações desencontradas, colhidas aqui e ali, com muito desejo de que o mundo esteja de acordo com nosso entendimento de justiça. Mas, se queremos mesmo mudar o mundo, a primeira coisa a fazer é compreendê-lo de forma desapaixonada e criteriosa. É preciso, acima de tudo, ter rigor com a informação, o que parece ser o oposto dessa época de conhecimento fast food.

Segundo, muita gente lê já predisposta a criticar. O que eu disse naquele texto (e repito há tempos) é que a falta de políticas públicas está gerando um cenário onde prevalecerão apenas os grandes grupos transnacionais e a Globo. Eu não disse, em momento algum, que seria necessário, então, salvar os frangalhos dos demais grupos da grande mídia nacional. Muito pelo contrário, esses senhores prestaram ao longo de suas vidas um desserviço à democracia brasileira e estão quebrando em grande parte por conta da incompetência em gerir seus negócios. Mas, também é forçoso reconhecer que será muito mais difícil regular grandes grupos transnacionais do que empresas brasileiras geridas pelos velhos coronéis da mídia. Isso significa que eu torço para o sucesso da Abril ou do SBT? Por que o raciocínio haveria de terminar num Fla x Flu? Ora, se você acha um problema que tudo caminhe para ser a Globo e as transnacionais, logo você defende a grande mídia nacional, certo? Não!!!!!

Enfim, dá um certo cansaço desse debate que parece não levar a lugar algum, quando a maioria das pessoas está disposta apenas a dar um “like” em algo que pareça concordar com a visão de mundo delas, algo que ajude a desopilar a fígado, embora possa não avançar um milímetro na tentativa de entender e com isso mudar a realidade.

Para esse tipo de raciocínio seria muito melhor que eu tivesse escrito que a Globo vai mal das pernas e deverá falir em breve. Aí choveria “likes” porque esse tipo de informação vai ao encontro de nossa torcida e daquilo que julgamos ser o melhor para o mundo. E se é o melhor para o mundo, obviamente tenderá a ser realidade mais cedo ou mais tarde. Pouco importa se, infelizmente, a realidade dos fatos aponta no sentido contrário. Mas, quem liga para a realidade quanto temos o Facebook, não é mesmo?

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Gustavo Gindre é jornalista e integrante do Coletivo Intervozes; foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos

Publicado por Gustavo Gindre, no Observatório da Imprensa, reproduzido do blog do autor