Desde os atos de junho, manifestações acirraram ânimos e fazem das ruas a saída inevitável para a luta social. Hoje, o Dia Nacional de Lutas retomou tal iniciativa em todo o Brasil, com paralisações, manifestações e greves reiterando as pautas tradicionais do movimento sindical, como 40 horas semanais sem redução de salário, anulação do fator previdenciário e contra a PL 4330, que amplia e aprofunda a terceirização. As ruas não são instrumento novo na luta dos trabalhadores, o que não quer dizer que não exista contraste entre as manifestações.

Algumas diferenças são vistas andando nas ruas, como as características desses manifestantes: o ato de hoje reuniu trabalhadores de baixa renda, já os de junho ficaram conhecidos como movimentações de classe média. Outras diferenças são as políticas, como as pautas estritamente propositivas, que contrastam com bandeiras mais abstratas do movimento de junho (claro, a pauta contra o aumento entra como proposição clara, mas outras bandeiras que ladearam-na demonstram o contraste). As contradições, por isso, são muitas.

As manifestações de junho tinham sua força na configuração apartidária, que depois se provou complicada, extremamente volátil e a serviço da grande mídia e partidos conservadores. Exemplo disso: a cobertura dos jornalões(1) que mudaram de lado conforme os atos iam se desenvolvendo. A frente tornou-se ampla o bastante para que seu caráter progressista fosse ofuscado: xingamentos e ataques a partidos políticos e entidades de classe, manifestações conservadoras contra Bolsa Família e a favor da redução da maioridade penal.

O Dia Nacional de Lutas tem pauta e coordenação verticalizados: os caminhões de som, as bandeiras dos sindicatos, as falas de representantes sindicais. Esse modelo demonstra suas dificuldades tanto de avanço quanto de resistência. as propostas trabalhistas confrontam mais explicitamente as imposições do mercado e da política econômica vigente(2). O embate entre trabalhadores, patrões e governo faz realmente a luta sindical particular, mas não tão restrita quanto querem pintar alguns analistas(3). Essa “restrição” é também um diagnóstico contraditório: o real problema da institucionalização de atos e manifestações sindicais coexiste com pautas contra a regulação dos direitos de trabalho pelo mercado. São essas pautas deliberadas na esfera institucional que acabam por fazer uma clivagem ideológica mais clara do que nos atos de junho, depois da entrada em massa da classe média.

Os desafios parecem enormes para o sindicalismo hoje(4). A diminuição do Estado, a judicialização da política, a dificuldade da representação via sindicato frente a ampliação do serviço terceirizado e a informalidade, e o ataque por todas as vias aos direitos consolidados desenham um cenário nada otimista para a luta do trabalhador.

Por outro lado, as manifestações chamadas pelo Movimento Passe Livre vão perdendo seu lastro. O MPL, ainda que participe de outros protestos também anti-sistêmicos, enfrentou suas contradições no dia em que bandeiras vermelhas ou de partidos foram rasgadas e militantes agredidos.

Aquilo que o MPL não quis legar do movimento tradicional (partidário, sindical, etc), isto é, a verticalização, foi justamente o que criou o vácuo que logo o conservadorismo tentou ocupar. Em resumo, as mesmas manifestações de junho agora vão diminuindo por falta daquilo que no movimento sindical despontou e desponta como problema: a organização de pautas que não aceitem rodeios (pautas restritivas? penso que não).

Das ruas emergem as tensões que a esquerda terá de responder.

(1)Editorial da Folha de S. Paulo do dia 13/06: “Retomar a Paulista”; Editorial de O Estado de S. Paulo do dia 13/06: “Chegou a hora do basta”
(2) Os anos de FHC foram de ataque direto aos direitos consolidados da CLT, já os anos de Lula conciliaram o combate com alguma contrapartida do governo desde 2003, fazendo a resistência política enfraquecer: sindicatos aderem ideais neoliberais a fim de atingir resultados. Artigo importante sobre essa conformação do sindicato: Andréia Galvão. Sindicalismo e Neoliberalismo: um exame da trajetória da CUT e da Força Sindical. No livro “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil II”, da Boitempo Editorial, 2013.
(3)”Mobilização sindical tem característias distintas das passeatas de junho”, Folha de S. Paulo, 11/07
(4) O texto do professor Ricardo Antunes, da Unicamp, mostra que a nova morfologia do trabalho deve estar no horizonte crítico do sindicalismo que vai representar novos trabalhadores e novas relações de trabalho. “O caracol e sua concha: Ensaio sobre a Nova Morfologia do Trabalho” e a entrevista para a Carta Maior tratam sobre isso