Esta nota recolhe algumas notícias de imprensa e comenta as tendências que elas indicam. Apenas isso. Em nota futura, voltaremos ao tema contrastando estas informações com o quadro mais ‘estrutural’ fornecido pelo censo do ensino superior do MEC/Inep.
Nos últimos meses, o assim chamado jornalismo econômico tem produzido numerosas reportagens dando conta de um movimento de fusões e aquisições naquilo que já se pode denominar “indústria da educação”.
Nas últimas semanas, em especial, a estrela foi a bilionária marca resultante da fusão Kroton-Anhanguera. Por fora, corre a Estácio de Sá, que quase esteve dentro dessa fusão.
A Kroton já era o resultado de associações anteriores, envolvendo aumento de acionistas da antiga Rede Pitágoras, fundada por Walfrido Mares Guia. A Pitágoras já se internacionalizara antes, abrindo colégios em outros países (China, Angola, Peru, etc.), em parcerias com empreiteiras brasileiras – Mendes Junior, Odebrecht, Andrade Gutierrez. Aparentemente, pegava carona na expansão internacional desses gigantes. Em 2007, originou a Kroton, de capital aberto. Continuou crescendo e, em 2013, registrou a sua maior ‘captação’ de alunos, 175 mil calouros, segundo reportagem de Beth Koike, Valor Econômico, edição 14/05/2013. E viu um crescimento de lucro líquido de mais de 100%!
O sistema Kroton foi engolindo escolas que eram ‘marcas’ fortes em várias regiões, como a Unic no Mato Grosso, a Unopar no Paraná, e a Uniasselvi em Santa Catarina.
Outro dado importante é apontado pela empresa como fator de seu sucesso: “eficiência comercial para divulgar o Fies”.
O outro gigante (agora parte do novo grupo) é a Anhanguera, que também comprara uma porção de outras escolas (como a Uniban, por exemplo). Matriculou, neste semestre, 166 mil calouros, 13,7% mais do que um ano antes.
A Anhanguera também teve “eficiência comercial para difundir o Fies”: até o mês de abril, havia 92,1 mil alunos com o financiamento do governo federal, o que teria diminuído sua inadimplência e suas provisões de risco – o sistema é um verdadeiro seguro.
Um curioso personagem na fusão Kroton-Anhanguera foi Gabriel Rodrigues, antigo proprietário da Anhembi-Morumbi, escola que teve uma polêmica ascensão ao status de universidade e, em seguida, foi vendida a um fundo de investimentos americano com intermediação do escritório de negócios de um ex-ministro (PRS Consultoria).
O website da IstoÉ Independente [Edição: 2267, de 26 de abril, mais atualização de 26 de maio] traz reportagem (Gigantes da educação) em que resume os dados da fusão bilionária: cerca de 1,2 bilhões de estudantes universitários (810 escolas). E mais 810 escolas de ensino básico e 940 polos de educação a distancia. O valor de mercado estima-se em 12 bilhões de reais. A receita bruta nos últimos 12 meses foi de R$ 4,3 bilhões.
Fora das bolsas, mas dentro da indústria
Mas há outros grandes grupos empresariais na educação superior. Outros grupos, também, não negociados em bolsa.
Beth Koike reporta, no Valor Econômico [edição de 21/05/2013] que o grupo Cruzeiro do Sul, já bem grandinho, está de olho em mais aquisições. A empresa deve fechar o ano com uma receita nada modesta: cerca de R$ 600 milhões, o que representa um acréscimo de pouco mais de R$ 100 milhões em relação a 2012. Engloba três universidades (Cruzeiro do Sul, Unicid e Unifran), dois centros universitários (Módulo e UDF) e dois colégios de educação básica (Cruzeiro do Sul e Alto Padrão). No segmento de ensino superior, tem cerca de 73 mil alunos matriculados em campuses localizados em São Paulo, Caraguatatuba e Franca), além de Brasília. Na educação básica, são 3 mil alunos.
Atualmente, o grupo educacional tem como acionistas as famílias Figueiredo e Padovese, fundadores da Universidade Cruzeiro do Sul com mais de 50%; a gestora Actis, com cerca de 35%; e as famílias Naddeo (Unicid) e Ludovice (Unifran).
Em São Paulo, há outros grupos importantes, como Unip, Uninove e FMU, que não têm mostrado grande interesse em participar de fusões, aquisições e abertura de capital.
Com sua base de lançamentos no Rio, um outro gigante esteve próximo da fusão com a Kroton. Na verdade, a fusão, no início, era Kroton + Estácio. Não deu certo, mudaram os parceiros.
Pois bem, a Estácio recebeu, neste semestre, nada menos que 117 mil novos alunos. Reportagem de 10/05/2013, no Valor Econômico, registra que a receita líquida da Estácio subiu 25% no ano. E também a Estácio foi eficiente no uso da ferramenta Fies: fechou o trimestre com 48,9 mil alunos que contrataram o sistema federal, um aumento de 113% sobre igual período de 2012. Esse volume equivale a 18,9% do total de alunos de graduação em cursos presenciais. Uma anedota no ramo é que Fies concorre a substituto do sistema nacional de credito rural: enquanto o SCNR “modernizou” a agricultura, o Fies está modernizando a educação.
Segundo a Estácio, em abril, havia 15 mil alunos calouros estudando com o Fies. Desde o começo deste ano, mesmo alunos com dívidas registradas no Serasa podem solicitar a linha de crédito estudantil do governo federal. A modernização avança – e o risco, também. Risco… de quem?
Independente da identidade do risco, sabe-se a identidade do ganhador: a companhia terminou 2012 com 271,5 mil alunos, 222,6 mil em cursos presenciais 48,9 mil em cursos à distância.
Fora do eixo Rio-S.Paulo (e de Minas), uma noticia menor, mas não menos importante é estampada no website da Bahia Negócios [http://www.bahianegocios.com.br/wp-content/uploads/2012/02]:
“Multinacional norte-americana DeVry Brasil compra a Faculdade Boa Viagem de Recife, com 5.800 alunos.
DeVry Brasil, subsidiária da DeVry Inc., um dos maiores grupos educacionais norte-americanos com 120.000 alunos em 40 países, controladora das faculdades Fanor (Fortaleza-CE), ÁREA1 e Ruy Barbosa (Salvador-BA) onde mantém 14.000 alunos em 33 cursos de graduação e mais de 20 cursos em pós-graduação, colocou em sua rede internacional a instituição de ensino superior pernambucana com cursos de graduação, pós-graduação e mestrado em 3 campi na cidade de Recife. A DeVry Inc. é a organização-mãe da DeVry University, Keller Graduate School of Management, Ross University School of Medicine, Ross University School of Veterinary Medicine, American University of the Caribbean School of Medicine, Carrington Colleges Group, Chamberlain College of Nursing, Advanced Academics, Becker Professional Education e DeVry Brasil.”
A síntese da IstoÉ parece relevante: “Dos cinco maiores grupos educacionais brasileiros, que juntos reúnem cerca de 1,4 milhão de alunos, quatro são comandados por empresas do setor financeiro.” [Edição: 2267]
Apenas para sugerir um parâmetro para tais números, o total de estudantes registrados pelo censo do Inep (2010) era de 6,4 milhões. Apenas esses cinco grupos já quase empatam com o setor publico (1,6 milhões). Não há praticamente nenhum lugar do mundo em que o ‘setor privado com fins lucrativos’ tenha tais dimensões na educação. Voltaremos ao tema em nota futura.
Não só escolas: uma cadeia?
Por enquanto, registremos que nem mesmo essa síntese alarmante da IstoÉ dá conta da extensão do problema. É preciso notar que o ‘empreendedorismo’ vai bem além do ensino superior. Os grupos citados já são exemplo dessa metástase, uma vez que atuam também em ensino básico e médio. Mas uma outra empresa tem aparecido na mídia como estrela de outra estratégia. Trata-se da Abril Educação, divisão ‘educativa’ do grupo Abril.
Reportagem de Luciana Marinelli, no Valor, em 15/05, registra queda das receitas da Abril no útimo ano, mas indica, também, a extensão do grupo. Abril Educação é uma soma de 3 segmentos: Editoras (Ática e Scipione), 46% da receita; sistemas e materiais (apostilas) para escolas, 33%; escolas e cursos preparatórios do grupo (como o Anglo e o pH), 14%. Chama atenção o fator que afeta a queda das receitas: basicamente, Enem, que atinge dois desses segmentos em cheio. Não surpreende que o Enem seja alvo de tanta ojeriza por certo tipo de mídia.
O link Abril-Ática tem meandros interessantes. A Abril se associara ao grupo francês Vivendi Universal Publishing (VUP) já em 1999. Compraram a Ática e Scipione. Em 2004, a Abril comprou a parte do sócio francês. A editora sofria assédio de outros grupos, inclusive o Prisa, dono do El Pais e da Santillana (hoje dona da editora Moderna). Ática e Scipione sempre tiveram grande parte de sua receita, perto da metade, vinda de compras governamentais. O mercado de didáticos e paradidáticos – largamente dependente do monumentais programas do governo federal – é dominado por quatro grupos: Ática-Scipione, FTD, Saraiva e Moderna. A Moderna tem história recente interessante. Sua participação nas compras governamentais cresceu monumentalmente. Curiosamente, sua compra pela Santillana foi intermediada pela PRS consultoria, sim, a empresa do ministro, que figurava como assessor no site da empresa. O amor é lindo e este é apenas um capítulo deste romance. Não temos espaço para os demais. Passemos contudo para horizontes mais largos.
A reportagem de Adriana Meyge, Valor Econômico de 10/05/2013, amplia o foco para além da Abril: “ Ensino básico é novo alvo do setor”
Esse segmento inclui educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Estima- se que tenha movimentado cerca de R$ 33,9 bilhões em 2012 e que cresça, em 2013, acima dos 15% (bem mais do que o PIB…). As matrículas no ensino básico privado vêm crescendo no Brasil nos últimos anos, enquanto a trajetória é de queda no setor público. Em 2012: 7,2 milhões de alunos matriculados na rede particular de ensino básico.
O setor parece portanto “evoluir” para modelos que oscilam entre o oligopólio verticalizado ou a cadeia produtiva (escola mais segmentos de insumos e resultados, a jusante e a montante). Nesta última forma, como no caso da cadeia agroalimentar, por exemplo, o ‘centro produtivo’ (a fazenda ou granja ou a escola) fica ensanduichado entre um segmento de insumos (materiais escolares, sistemas de gestão, publicações especializadas, por exemplo) e outro de resultados (talvez no futuro tenhamos as agências de colocação de mão de obra integradas na cadeia…). Coroando ou permeando tudo isso, um segmento de finanças (empréstimos, seguros, corretoras de valores). Em vários países, alias, bancos como o Santander já operam agressivamente nesse ramo.
Resta saber que país pode resultar disso tudo – e se estamos dispostos a pagar o preço de tal “modernização”.
Reginaldo Moraes é professor de Ciência Política na Unicamp.

Publicado na sétima edição do FPA Conjuntura