É impressionante como a mudança de humor nas pessoas começou a transparecer a partir da ascensão da inflação. O choque climático, que reduziu drasticamente a oferta de alimentos in natura e daí contaminou os preços dos alimentos, fez o que a incompetente e fracassada oposição não conseguiu: impôs pesada perda política ao governo federal e à presidenta.

Como que aturdido pela queda de popularidade, o governo se rendeu à pressão do mercado financeiro pelo aumento da Selic, como antídoto da inflação. Contradisse, assim, toda a base de sua política econômica.

Depois de ter anunciado que abandonaria a política de constituir megasuperávit primário para agir de forma contracíclica à paralisia da economia, o governo deu uma guinada de 180 graus, afirmando que iria fazer o esforço fiscal necessário para reduzir despesas e, com isso, ajudar o Banco Central (BC) a controlar a inflação.

Se o governo não reduzir a despesa como quer a ortodoxia, o BC eleva a Selic. Com isso, quem sobe a despesa do governo não é o Poder Executivo, mas o BC. Agora, as cartas passam a ser dadas pelo banco, que tem carta-branca da presidenta para arbitrar a taxa de juros que bem entender e danem-se as contas públicas, o custo de carregamento das reservas internacionais e o saque do capital internacional em cima dos títulos do governo, agora livres dos 6% de IOF que ainda protegiam o país.

O governo, finalmente, adotou a cartilha da ortodoxia e da banca que vive das abusivas taxas de juros. A principal bandeira da presidenta parece ruir. Os juros já começaram a voltar para a direção de aumentos, que segundo o presidente do BC não terá limite.

O sinal foi dado, e os bancos privados já estão elevando os juros aos tomadores de empréstimos.

Política frágil

O governo pratica uma política econômica marcada por ações de varejo e de curto prazo, respondendo com atraso aos problemas criados pela conjuntura. Age premido pelo medo do fantasma da inflação, cada vez que os preços acusam temporariamente elevação, e por promessas de crescimento não realizadas.

O resultado começa a arranhar a credibilidade da equipe econômica e queda na aprovação do governo.

Falta visão estratégica. Exemplo emblemático é o sacrifício imposto à Petrobras para atuar como biombo da inflação, ao invés de fortalecê-la para enfrentar a expansão do refino e da exploração do pré-sal.

O erro vem de longa data, ao deixar na função de presidente do Conselho de Administração da empresa o ministro da Fazenda. Sua atuação tem sido no sentido de segurar os preços dos combustíveis.

O artificialismo nos preços dos combustíveis atingiu duramente a produção de etanol, forçando a expansão do consumo de gasolina além da capacidade de refino da Petrobras. Isso vem obrigando importações crescentes de gasolina a custo superior ao preço de venda. O resultado dessa política desastrosa é a fragilização operacional, econômica e financeira da Petrobras, sério dano à sua imagem, ao preço de suas ações, e a ampliação do rombo externo na conta de combustíveis, devido ao excesso na importação de gasolina.

Faz anos que o governo atua com a visão de curto prazo na política de transporte ao estimular a indústria automobilística na direção do transporte individual, saturando ainda mais as vias urbanas e piorando a poluição e a mobilidade nos deslocamentos.

Caso adotasse visão de longo prazo, o ataque nessa área se basearia na ampliação da oferta de transporte coletivo. Os benefícios poderiam ser vários: aumento da mobilidade urbana beneficiando o transporte coletivo e individual com maior velocidade na locomoção; queda da tarifa do transporte coletivo, pois os custos do sistema seriam menores e, especialmente, o número de passageiros seria maior; queda na inflação pela redução das tarifas do transporte coletivo; redução na despesa de combustível do país, devido ao menor uso do transporte individual.

Transporte pega fogo

O reajuste da tarifa do transporte coletivo na cidade de São Paulo foi o estopim de um movimento de repulsa, que vem surpreendendo pela amplitude e por se alastrar pelo país.

Nada sacrifica mais as pessoas do que o transporte. Atinge quem depende de ônibus, metrô e trem, bem como quem usa automóvel. O tempo de locomoção e a saturação nos espaços dos veículos crescem há anos, sem nenhuma solução. Com a enxurrada de mais automóveis e o crescimento da classe C, o ambiente se tornou explosivo – e as autoridades, acostumadas com a falta de reação do público usuário, pensou que poderia resolver o problema usando a força policial para conter o movimento.

No início o que se constatou foi a rigidez da posição governamental de não ceder à reivindicação do movimento para não elevar as tarifas.

Agora foi aberta a porta da Prefeitura de São Paulo para tentar estabelecer diálogo com o movimento, que está se caracterizando por ausência de liderança e apartidário. Os manifestantes querem a melhoria do transporte coletivo e redução das tarifas.

A curto prazo isso irá pressionar pela abertura dos custos e lucro do sistema privado de operações. A primeira pergunta é: a prefeitura tem o domínio dos custos e lucro efetivos das empresas que operam o sistema? Em caso afirmativo, qual o custo e lucro, bem como se foram auditados e a demonstração da auditoria. Em caso negativo, não resta outra saída senão suspender temporariamente qualquer tipo de elevação da tarifa.

Isso vale não só para São Paulo, mas para todas as prefeituras que são responsáveis pelo transporte na cidade e para todos os estados que têm transporte coletivo sob sua responsabilidade (metrô, trens e transporte intermunicipal).

Daí se constata, com quase toda certeza, que há completa ausência de controle e auditoria nos custos e lucro das empresas, fazendo com que os usuários paguem mais do que deveriam.

No caso de redução da tarifa pelo subsídio da prefeitura e/ou do estado e/ou do governo federal, a conta recai sobre todas as pessoas, tanto as que usam o transporte coletivo como as que não o usam, pelos tributos que pagam.

Enfim, esse movimento, que parece ser uma forma forte de protesto, pode querer ir além, avançando em outras ações, como o precário atendimento à saúde, a má qualidade do ensino, a falta de segurança pública etc.

Vale acompanhar.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor
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