A vitória do embaixador Roberto Azevedo na Organização Mundial do Comércio (OMC) é um marco. Ele será o primeiro latino-americano a dirigir a OMC. Muito provavelmente é o posto de maior importância já ocupado por um brasileiro no âmbito multilateral.
Difícil encontrar alguém mais bem preparado do que Roberto Azevedo para ocupar esse cargo. Ele conhece como poucos a OMC e as regras comerciais. E teve a coragem para contestar os subsídios agrícolas americanos e europeus, proporcionando ao Brasil e aos países em desenvolvimento vitórias legais de grande significado.
A OMC atravessa atualmente a sua pior fase. Há doze anos vem coordenando sem sucesso as negociações de uma Rodada de Desenvolvimento, conhecida como Rodada Doha, que muitos creem morta, mas ninguém deseja enterrar. Durante todos esses anos, avançou a internacionalização dos mercados ao mesmo tempo em que se debilitavam as regras multilaterais. Combinação perigosa, sobretudo para os países mais frágeis. É grande o desafio que Roberto Azevedo tem pela frente.
Não obstante, apesar de todos os seus problemas, a OMC tem uma vantagem importante sobre o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. A OMC escolhe o seu diretor-geral com base no mérito e de forma democrática. No FMI e no Banco, ainda estamos lutando pelo óbvio: um candidato vale por seus méritos e não por ter nascido na Europa ou nos Estados Unidos. Nas organizações multilaterais sediadas em Washington continua valendo a convenção escandalosamente anacrônica que reserva o comando do FMI a um europeu e o do Banco Mundial a um americano.
Os desafios de Roberto Azevedo não serão apenas comerciais. Ele terá também que trabalhar pela coerência das políticas econômicas em escala mundial. Hoje já não é possível dizer onde começam, onde terminam as políticas comerciais, fiscais ou monetárias. Com suas políticas não convencionais e heterodoxas, os principais bancos centrais do mundo virtualmente pulverizaram as fronteiras entre o fiscal e o monetário. Triplicar ou quadruplicar os balanços dos bancos centrais e as bases monetárias pode depreciar moedas e gerar grande volatilidade nos mercados cambiais. As consequências sobre competitividade são óbvias e os impactos no campo comercial podem ser muito sérios.
Roberto Azevedo conhece bem esses problemas. Enquanto outros embaixadores em Genebra se sentiam à vontade em operar como se o mundo comercial se restringisse em larga medida a questões aduaneiras e correlatas, Azevedo insistiu para que a OMC despertasse para a ideia de que as taxas de câmbio podem ser manipuladas e que seus impactos sobre o comércio precisam ser discutidos pela organização.

Paulo Nogueira Batista Jr. é diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional; Héctor Rogelio Torres é diretor executivo na mesma representação no FMI

Publicado no jornal O Globo