Semana passada, houve uma chuva de manchetes sobre o completo, total fracasso do “experimento da austeridade” por todo o planeta. Um documento publicado por influentes economistas de Harvard converteu-se em manifestação exemplar, não só de incompetência ‘acadêmica’, mas também da mais patética falta, até, do mais comezinho bom-senso.

Em sua coluna no New York Times, o economista e Prêmio Nobel Paul Krugman escreveu, na 6ª-feira:

Debates econômicos raramente acabam em nocaute. Mas o grande debate político de anos recentes entre os Keynesianos, que advogam a favor de os governos manterem altos e, de fato, até aumentarem, os investimentos, em tempos de depressão; e os ‘austeristas’, que exigem cortes imediatos de gastos, já se aproxima, de fato, de nocaute – pelo menos no mundo das ideias.

Hoje, a posição dos pró-austeridade já é indefensável. Além de todas as suas previsões para o mundo real terem falhado completamente, o que já se vê é que a própria pesquisa acadêmica que os austeristas invocam para sustentar sua posição é material carregado de erros, omissões, estatísticas duvidosas.

A pesquisa acadêmica mencionada no trabalho de dois economistas de Harvard, Carmen Reinhart e Ken Rogoff[1], está eivada de erros grosseiros, como se constatou semana passada; e aqueles erros comprometem todas as conclusões do trabalho. Mas as mesmas conclusões erradas estão sendo fartamente usadas como argumentos pelos inventores de ‘austeridade’ nos dois lados do Atlântico, para justificar cortes e mais cortes de investimento público, nos programas sociais e nos benefícios para trabalhadores.

E economistas como Krugman, Joseph Stiglitz, Dean Baker e outros exigem mais investimentos públicos, massivos, para tentar superar o também massivo buraco deixado pela crise financeira que começou pelas práticas nefandas de Wall Street e pela ‘bolha imobiliária’ nos EUA.

Em entrevista à rede Bloomberg no início desse mês, Joseph Stiglitz da Columbia University foi claro sobre o registro histórico:

“Não há uma única grande economia que tenha conseguido crescer com austeridade” – disse ele. – “A austeridade leva a economia a desempenhos miseráveis. Leva a mais desemprego, menores salários e mais desigualdade.”

E que importância teria o tal trabalho de Reinhart e Rogoff? Como explica Dean Baker,

O trabalho, por si só, não é base para qualquer economia. Mas aquelas conclusões foram usadas para dar cobertura aos que querem cortes na Social Security, Medicare e outros programas que têm forte apoio popular. Seria impossível obter o apoio político necessário para apoiar cortes e mais cortes naqueles programas, com argumentos sérios. Então, os políticos que pregam os cortes adoraram as conclusões erradas de Reinhart e Rogoff e usaram-nas para defender a própria agenda.

O trabalho de Reinhart e Rogoff não foi usado só para argumentar a favor de cortes nos programas sociais populares: também foi usado como argumento contra os esforços do governo para estimular a economia e criar empregos. Os que se opõem a esses esforços encontraram argumentos para insistir em que os programas seriam contraproducentes, porque Reinhart e Rogoff deram jeito de ‘comprovar’ que altos níveis de déficit público implicariam menor crescimento.

O paper da dupla foi usado para ‘comprovar’ que qualquer melhoria na criação de empregos e melhor crescimento custariam caro, no longo prazo. A versão corrigida, com dados corrigidos, absolutamente não ajuda nessa direção.

Enquanto isso, e fora do mundo acadêmico e seus truques e seus políticos que usam armas semelhantes, o mundo real está mostrando os fracassos das políticas impostas sob os argumentos desse tipo de pensamento.

Como mostram os números divulgados essa semana pelo Eurostat (o serviços de estatísticas da União Europeia), os países que impuseram as mais duras medidas de austeridade, como Portugal e Espanha, viram os seus déficits de orçamento aumentar em 2012 — o que desmente todos os argumentos segundo os quais cortes de gastos governamentais, como medida para estabilizar as finanças públicas, estariam dando os resultados apregoados.

E a dor gerada pelas medidas de austeridade é mais visível na ira popular que se manifesta contra essas políticas. Da Espanha à Grécia, da Irlanda à Bulgária, não cessam os protestos populares – mesmo que tenham desaparecido das manchetes dos grandes jornais-empresa.

Ambos, Krugman e Baker perguntam-se quando o acúmulo de evidências contra as políticas de austeridade levarão os políticos – especialmente os políticos norte-americanos – a mudar de rota. Nenhum dos dois dá sinais de estar muito esperançoso.

Para Krugman, ninguém jamais entenderá “a influência da doutrina da austeridade, se não se pensa em desigualdade e diferenças de classe”. E continua:

O que, afinal, as pessoas querem da economia política? A resposta, como se vê, depende da pessoa que se considere – aspecto documentado em recente pesquisa dos cientistas sociais Benjamin Page, Larry Bartels e Jason Seawright. Esse estudo compara as preferências políticas dos norte-americanos comuns e dos muito ricos, com resultados muito esclarecedores.

O norte-americano médio está medianamente preocupado com os déficits de orçamento, o que não surpreende, dada a furiosa artilharia de material ‘jornalístico’, com histórias escabrosas sobre o déficit; mas os ricos, em vasta maioria, consideram o déficit de orçamento como o principal e mais importante problema que enfrentamos. E o que fazer para reduzir o déficit? Os ricos pregam cortes no gasto federal na assistência à saúde dos mais pobres e na Securidade Social – para eles, nesses “favores”. Enquanto a maioria dos norte-americanos médios quer que o estado invista cada vez mais nesses serviços.

A tendência geral é clara: a agenda da austeridade aparece como clara expressão das preferências dos mais ricos, embalada numa fachada de ‘rigor científico’ ou ‘prestígio acadêmico’. O que o 1% quer, virou ‘conclusão’ da ciência econômica e prescrição ‘científica’ para toda a sociedade.

E Baker concorda: “os interesses dos mais ricos tendem a reaparecer como interesse dos políticos eleitos, mesmo que se oponham aos interesses da maioria da população.”

E conclui:

Por isso se veem esforços para cortar programas como Social Security e Medicare, mesmo quando esses cortes encontrem oposição em grandes maiorias, em todo o espectro político.

Novidade é que a revisão corrigida do artigo, que desmente e desqualifica totalmente as conclusões de Reinhart e Rogoff, deixou tudo muito mais claro. A liderança dos dois principais partidos não está procurando modos de reduzir o déficit de orçamento porque haja qualquer motivo que os levem a crer que a redução traria algum benefício à economia. Querem-porque-querem encontrar meios para reduzir o déficit de orçamento, apenas porque os ricos desejam que se preserve uma situação na qual o alto desemprego enfraquece o poder de barganha dos empregados e mantém achatados os salários. Não é situação que permita alimentar qualquer esperança sobre a situação já terminal da democracia nos EUA.

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[1] São autores reverenciados pelo O Estado de S.Paulo (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,modelos-de-mercados-perfeitos-criaram-falsa-seguranca-e-contribuiram-para-crise-global,716352,0.htm), O Globo (http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2012/09/livro-desta-vez-e-diferente-ironiza-declaracao-de-politicos-sobre-crises.html), por exemplo. Mas a lista é longa [NTs]

Publicado em 26/4/2012, Jon Queally, Commondreams
http://www.commondreams.org/headline/2013/04/26-0

Traduzido por coletivo Vila Vudu