A Venezuela, país vizinho e hermano, possui um dos programas de educação musical mais exitosos do mundo. O Sistema Nacional de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis da Venezuela, conhecido internacionalmente como El Sistema, inspirou a criação de projetos similares em 35 países e transformou crianças das favelas de Caracas em astros internacionais da música clássica. O exemplo mais famoso é o maestro Gustavo Dudamel, também diretor musical da Filarmônica de Los Angeles. A nós paraibanos também inspirou na criação do Programa de Inclusão através da Música e das Artes — Prima.
Em turnê pela América Latina, o maestro Dudamel e a Orquestra Sinfônica Simón Bolívar estão de volta ao Brasil. Além de apreciarmos a energia jovem que emana dos concertos do premiado grupo, é importante refletirmos a respeito do que está por trás do sucesso desse projeto, que não é apenas musical, mas também um poderoso instrumento de transformação social que envolve inclusão e autoestima.
A história de El Sistema começou há mais de 30 anos, quando o maestro José Antonio Abreu abraçou e chamou para si a tarefa de formar jovens venezuelanos em situação de risco por meio do aprendizado da música de um jeito revolucionário, coletivo, onde quem sabe um pouquinho já vai ensinando quem sabe menos. Sua obra virou política pública do Estado venezuelano e transformou em direito a todos o que antes era privilégio da elite: o acesso à arte e à cultura.
O alicerce metodológico e administrativo que dá forma ao El Sistema são seus núcleos. Atualmente, são 285, espalhados por toda a Venezuela, atendendo 400 mil crianças, adolescentes e jovens. Os instrumentos orquestrais são disponibilizados gratuitamente aos estudantes dos interiores e periferias de todo o país. O resultado é impressionante: na Venezuela existem mais orquestras que municípios. Estes são 335, e aquelas já são 400! (Bem, temos muito chão pela frente na Paraíba: com um ano somos 12 polos e atendemos cerca de 300 crianças.)
A metodologia adapta-se a cada núcleo e a cada região, o que dialoga muito bem com a atual forma como se estrutura a própria sociedade venezuelana. Hoje, muitos dos núcleos do El Sistema se encontram em áreas onde também existem Consejos Comunales, territórios geridos pelos próprios moradores, criadas durante o governo do recém-falecido presidente Hugo Chávez a fim de incentivar o protagonismo e a organização popular. Seu governo aportou mais recursos para El Sistema e aumentou sua projeção com a criação da Fundação Musical Simón Bolívar, órgão estatal que rege o programa. Paralelamente ao El Sistema, criou programas semelhantes voltados para a riquíssima cultura popular do país, como a Missão Cultura, o Sistema Nacional de Culturas Populares e o Alma Llanera, programa dentro do El Sistema que incentiva a música tradicional da Venezuela.
Ao incentivar a prática coletiva da música por intermédio da criação de orquestras sinfônicas e coros, El Sistema desperta e trabalha nos jovens a consciência do coletivo, a importância do grupo: numa orquestra, a harmonia e a excelência vêm com a disciplina, a concentração e o trabalho de todos os integrantes. Saber ouvir, saber a hora de protagonizar, saber o momento de apoiar o colega que protagoniza. Isso tudo vai para a vida também. Mais do que formar músicos profissionais de alta qualidade, esse sistema forma jovens conscientes de sua importância para o bom funcionamento do trabalho orquestral, mas também do mundo em que vivem.
Há muito o que aprender com El Sistema. Alegra-me saber da criação de várias orquestras juvenis inspiradas e apoiadas pelo programa venezuelano no Brasil. Regozija-me ainda mais trazer essa experiência para a pequenina e valorosa Paraíba. Torço e trabalho para que a música contribua para maior integração cultural entre nossos povos, tão necessária para ampliar o sentimento de fraternidade na América Latina. Que seja bem-vinda a Orquestra Simón Bolívar ao Brasil.
Publicado no Correio Braziliense – 09/04/2013