Os documentos foram requisitados pelo Fundo de Parceria pela Justiça Civil [PCJF, do original inglês] (por que entidades sem fins lucrativos são as únicas que ainda reportam o desrespeito às liberdades civis?). Eles mostram uma rede que coordena o Departamento de Segurança, o FBI, a polícia local e atividades do setor privado, tudo tão integrado que formou-se um só monstro: em alguns casos há até um nome próprio, Conselho da Aliança pela Segurança Doméstica”.

Também revela-se que a entidade cumpre uma só missão, definida nacionalmente e planejada localmente. Numa palavra, os documentos revelam que policiais trabalham para os bancos e com os bancos, e o fazem alvejando, prendendo e incapacitando politicamente cidadãos norte-americanos pacíficos.

Revelados com muito atraso, na semana entre o Natal e o Ano Novo, os documentos mostram um plano que se desdobrava cidade a cidade de maneira orwelliana: seis universidades estadunidenses eram usadas pelo FBI como campos de coleta de informação sobre os estudantes envolvidos com o Occupy Wall Street, tudo feito com aprovação dos reitores; dirigentes de bancos sentaram-se com oficiais do FBI para acumular informações sobre os manifestantes do Occupy; planos de repressão a manifestações desenvolvidos pelo FBI foram oferecidos às organizações alvos de protestos; e até planos de ameaças de assassinato a líderes do Occupy Wall Street por atiradores – conduta contrária à do FBI, que costumeiramente informa e defende lideranças políticas de ameaças do tipo.

Como notou Mara Verheyden-Hilliard, diretora executiva do PCJF, os documentos mostram que o FBI, apesar de reconhecer o movimento Occupy como pacífico, descreve os manifestantes como “ameaça terrorista”:

“documentos do FBI obtidos pelo Fundo de Parceria pela Justiça Civil (…) revelam que o FBI tratou os ativistas de Occupy Wall Street como uma ameaça terrorista e potencialmente criminosa. O PCJF obteve documentos que relatam a atuação do FBI no caso desde agosto de 2011, um mês antes do estabelecimento do acampamento em Zuccotti Park.”

Verheyden-Hilliard aponta para a parceria entre bancos, a Bolsa de Valores de Nova Iorque, a Reserva Federal, o FBI e o Departamento de Segurança Nacional e chama essa conduta de “estatismo policial”:

“esta publicação [de documentos], que acreditamos ser somente a ponta do iceberg, é uma janela para a abrangência nacional do monitoramento pelo FBI dos manifestantes pacíficos organizados no movimento dos ocupas. Estes documentos também mostram as agências federais de segurança pública funcionando como um braço de Wall Street e das grandes corporações”.

Os documentos revelam um alcance impressionante: em Denver, Colorado, uma parte do FBI e um “Grupo de Trabalho contra Fraudes a Bancos” encontrou-se em novembro de 2011, durante as ocupações, para monitorar a ocupação. A Reserva Federal de Richmond, Virginia, tinha segurança privada vigiando o Occupy Tampa e repassava informações para o FBI local que, por sua vez, colocou a unidade contra “terrorismo doméstico” para tomar conta dos manifestantes.

Na cidade de Anchorage, no Alaska, a “força antiterrorista” cuidava do Occupy Anchorage. Em Jackson, Michigan, as “forças unidas antiterroristas” criaram um “alerta para preparação antiterrorista”. Também lá, o FBI e o “Grupo de Segurança Bancária”, formado por múltiplos bancos privados, encontraram-se para discutir como seria a reação ao Dia Nacional de Ocupação dos Bancos Ruins. Em Virginia, o FBI enviou detalhes dos membros da ocupação para o centro de inteligência antiterrorista. O FBI de Memphis monitorou o Occupy Wall Street por sua ”central de informações” antiterrorista. E por aí vai, por mais de 100 páginas.

Jason Leopold, no site Truthout.org, reportou que o FBI falsamente afirmou a inexistência de documentos que ligassem a instituição à infiltração nos ocupas. Mas o lançamento pode ser estratégico: para um ativista que vê seus dados sendo enviados a forças antiterroristas e centrais de informação, sem mencionar os “planos de longo prazo” de alvejá-lo, o documento é muito intimidador.

A novidade é que a aliança entre o setor privado, o Departamento de Segurança Nacional e o FBI significa que uma enorme área de vulnerabilidade da sociedade civil – a renda e as finanças das pessoas – agora está nas mãos dos mesmos bancos cujo novo negócio é perseguir dissidências.

Por que o grande crescimento no apoio às “centrais de informação antiterrorista”, a militarização de departamentos de polícia por parte do Departamento de Segurança Nacional e assim por diante? Tudo isso nunca esteve relacionado a “terroristas”. Nem à própria inquietação social. Os investimentos se dão em função de momentos como o atual, em que vastos crimes podem ser descobertos por cidadãos comuns – eles se dão, por assim dizer, por causa de você.

(*) Tradução de André Cristi.

(*) A escritora e ativista política Naomi Wolf é autora do best-seller “The End of America” (O Fim da América) e, mais recentemente, “Give me Liberty: a handbook for american revolutionaries”(Dê-me Liberdade: um manual para revolucionários americanos). Sua grande obra, O Mito da Beleza, desafia a indústria de cosméticos e a propaganda de padrões de beleza irrealistas.

 

Fonte: Carta Maior