Ao comparar a agenda de seu adversário, Henrique Capriles, com a de Romney, dizendo que “ambos representam a elite insensivelmente egoísta e capitalista”, o presidente venezuelano Hugo Chávez captou com precisão o significado das eleições presidenciais nos Estados Unidos.

Se Obama jamais desconsiderou a correlação de forças internas que limitam as possibilidades de uma reversão da política externa norte-americana, o candidato republicano encarna a continuação de um receituário que, surgido sob a liderança de Ronald Reagan, foi levado às últimas consequências nos dois mandatos de George W. Bush.

Diferente do conservadorismo clássico, em seu radicalismo e recrutamento, esse movimento recebeu o nome de “Nova Direita”. O que foi uma ideia embrionária depois do trauma indochinês, do escândalo de Watergate, da derrota no Irã e da queda de Somoza, se transformou em uma ideologia majoritária calcada na subida de Reagan ao poder e suficientemente consolidada no imaginário de expressiva parcela da opinião pública estadunidense. O que está em jogo nas eleições de novembro vai bem além de “um encontro da democracia com as urnas”. Trata-se de um acontecimento significativo demais para ser ignorado pelas forças progressistas da América Latina.

Mitt Romney significará que os desejos de revanche e utopias regressivas terão se apoderado das mentes e sensibilidades de uma boa parte do eleitorado, dando contextura a um poder que se move à margem da lei e à beira da barbárie. A campanha eleitoral da direita republicana é toda ela montada em cima de um chauvinismo protofascista. Promete-se uma política externa que, mais uma vez, se constituirá numa grosseira violação dos princípios fundamentais do direito internacional estabelecidos na Carta das Nações Unidas, bem como das regras básicas do direito consuetudinário internacional, construído ao longo dos anos.

No plano econômico, esse cenário pode ser explicado pela circunstância de que, através do sistema financeiro internacional, os Estados Unidos não hesitarão em se valer da força, se preciso for, para descarregar os incômodos negativos da sua crise sobre o resto da comunidade internacional, agravando ainda mais os problemas da Zona do Euro.

No plano ideológico, Romney continuará interpretando os papéis de Reagan e Bush, assumindo a liderança de uma revanche da moral familiar contra a “debilidade dos anos 1960” e, sobretudo, contra a reação do patriotismo humilhado nos anos 1970. Uma longa série de reveses que, segundo a cantilena republicana, se deveu à falta de firmeza de administraçoes democratas.

Paralelamente, ao querer revitalização do último avatar do neoliberalismo, a “Nova Direita”, já não tão nova assim, continuará a desfazer instituições através de desmontes radicais dos interesses coletivos. Não é difícil prever uma série de guerras cruentas e inconcludentes, tumultos sociais internos e aumento de arsenais. Lembremos que os republicanos sabem muito bem que o capitalismo requer polarização permanente e, aliás, floresce nela. Os processos de “libertação” dos povos – tal como as primaveras outonais a que temos assistido na África – ignoram todos os sujeitos históricos que não sejam funcionais às necessidades expansionistas do império. Essa cegueira continuará pretendendo expropriar os povos dos seus próprios destinos para torná-los agentes de uma geopolítica que os supera. A alternativa a Obama aprofundará o que de pior foi registrado na gestão dele.

Mitt Romney é a crença do saneamento da economia através de limites ao jogo político. Apesar das evidências em contrário, seriam os excessos do Estado-Previdência, e não a crise do sistema em seu conjunto, a causa de todos os males. Apoiada sempre na escola monetarista, a Nova Direita continuará defendendo que a solução dos problemas passa pelo fim da intervenção estatal na economia. Além de não serem de forma alguma cerceados, os fluxos de capital devem receber novos estímulos, mediante a redução de impostos. A crença na reorganização da economia pelo dinâmica própria das forças de mercado permanece intacta apesar do mergulho recessivo dos últimos anos.

Ao criticar a política externa do seu concorrente democrata, em discurso perante a 113ª convenção do grupo “Veteranos de Guerras Estrangeiras”, Romney não poderia ser mais claro em seus propósitos.

“O presidente Obama teve um momento de franqueza outro dia. Disse que as ações do ditador venezuelano, Hugo Chávez, não tiveram um impacto sério na nossa segurança nacional. Do meu ponto de vista, convidar o Hezbollah para nosso hemisfério é grave, é uma ameaça”

Em seu giro internacional, o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos mostrou como vê o quebra-cabeça, excessivamente complexo, do Oriente Médio. A situação econômica de Gaza e Cisjordânia nada tem a ver com o bloqueio israelense às duas áreas palestinas. A pujança de Israel, se comparada aos territórios ocupados, se deve, segundo Romney, à “superioridade cultural” do país governado por Benjamin Netanyahu. Essa e outras manifestações de apoio à política sionista permitem prever que as agressões militares permanentes ao povo palestino continuarão contando com apoio incondicional do governo estadunidense.

Não é preciso ter olhos de águia para perceber o lento deslocamento da serpente momentos antes da desova. Mitt Romney está silvando alto demais. Para uma América Latina que, desde cedo, foi condenada à amnésia por aqueles que a impediram de ser plena em sua própria história, convém prestar atenção às palavras do presidente venezuelano.

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*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.