1. Argentina, anos 90. O país das Pampas é a menina bonita dos mercados financeiros, apontada como exemplo a seguir por outras economias emergentes. Durante praticamente toda a década, a Argentina vive sob os auspícios de um programa político e económico apadrinhado pelo FMI. Foram os anos do neoliberalismo impante. A ortodoxia monetarista – câmbio fixo, paridade com o dólar, plano de convertibilidade limitando fortemente a emissão de moeda, privatizações – merece os louvores da instituição.

Em Outubro de 1998, o presidente Carlos Menem faz um discurso triunfal no Encontro Anual FMI-Banco Mundial.(1)

Três anos depois, tudo acabou na tragédia que se sabe. Os efeitos do colapso da economia sobre a população foram dramáticos e, mais de uma década passada, ainda perduram.

2. As intervenções do FMI, independentemente do momento e do país em que se produzem, prosseguem tipicamente dois objectivos imediatos essenciais: a redução dos custos unitários do trabalho e privatizações. Assim foi na Argentina. Assim foi também noutros países da América Latina, na Ásia, em África, na Europa. Assim é hoje em Portugal, através do programa FMI-UE. Trata-se de criar as condições para retomar e aprofundar o processo de acumulação de capital, levando mais longe a exploração e o saque.

3. Em Portugal, desde o início do processo de privatizações, nos anos 80, pela mão de Cavaco Silva, que o argumento da necessidade de venda de empresas públicas para combater a dívida pública é utilizado. A adesão e integração na CEE/UE são indissociáveis deste processo. De então para cá, consumou-se o assalto ao sector empresarial do Estado, a mais de uma centena de empresas públicas, algumas delas estratégicas. No mesmo período, a dívida pública, em percentagem do PIB, praticamente duplicou. Não obstante, sob a vigência do actual pacto de agressão FMI-UE, a aldrabice de argumento persiste. Sabem bem da sua falsidade. Em resposta a uma pergunta do PCP, em Março último, a Comissão Europeia reconhecia, com revelador cinismo, que «estas receitas [da venda de empresas públicas] são obtidas em detrimento de futuras receitas provenientes dos lucros dessas empresas».(2)

4. Mas não são apenas (nem sobretudo) as receitas provenientes de lucros e dividendos aquilo que se perde com as privatizações. Perde-se emprego (e com os despedimentos vêm mais encargos para a Segurança Social). Perde-se receitas fiscais. Reduz-se o investimento dos benefícios sociais que dele resultam. Sobretudo, enfraquece-se o controlo público, democrático, sobre sectores-chave da economia. Perdemos instrumentos fundamentais para a determinação soberana do nosso colectivo devir. Nessa medida, empobrece-se a própria democracia.

5. É neste quadro que, na Argentina, a recente decisão de (re)nacionalização da empresa petrolífera YPF, cujo capital era maioritariamente detido por uma empresa estrangeira –Repsol –, adquire uma importância e um significado que vão muito além das fronteiras argentinas. Trata-se do reconhecimento do desastre que significou o processo de privatizações, corrigindo-se o erro. Voltando o seu a seu dono. Renacionalizando-se o que havia sido privatizado – com benefícios para o capital nacional e estrangeiro, mas com enorme prejuízo para o país e o seu povo.

Já depois da decisão argentina, o presidente boliviano Evo Morales anunciou a nacionalização da empresa de electricidade do país, também detida por um grupo espanhol – REE –, prosseguindo um ciclo de nacionalizações iniciado em 2006 e que envolveu já 15 empresas consideradas estratégicas.

A subdirectora do Diário Económico, Helena Coelho, na semana passada, expressou bem a inquietação que sentem, deste lado, os feitores do sistema: «A febre das nacionalizações está a tomar conta da América Latina. Primeiro a Venezuela, depois a Argentina, agora a Bolívia, todas decidiram entrar pelas empresas privadas adentro e reclamar aquilo que não é seu».

Reacção semelhante foi a do Parlamento Europeu. Direita e social-democracia (incluindo PS, PSD e CDS) uniram-se na condenação e na exigência de represálias. Mostram, afinal de contas, quem servem. Unidos na defesa dos interesses do capital, contra o interesse dos povos. Mas não conseguem esconder o medo. O medo do exemplo. E esforçam-se por esconjurar o futuro que este exemplo prefigura…

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(1) Michael Mussa, “Argentina y el FMI – Del triunfo a la tragedia”, WP ediciones/Planeta, 2002.

(2) http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=WQ&reference=E-2012-002516&language=PT

Fonte: Avante!