Esse, pelo menos, é o aspecto mais evidenciado pela imprensa, que tem deixado mais ou menos na sombra outras questões, como o fato de que parte das dificuldades dos países desenvolvidos se origina no estouro da bolha financeira, provocada pela associação criminosa entre grandes bancos e investidores inescrupulosos nos Estados Unidos, no fim da década passada.

Para analisar corretamente a origem da crise que inaugura 2012, a imprensa teria que discutir certos vícios do sistema econômico. Mas isso simplesmente não vai acontecer, porque um dos dogmas mais sagrados para o jornalismo é o da infalibilidade do mercado: mesmo diante do abismo e na iminência de lançar uma geração inteira num cenário de insegurança e turbulências, a imprensa vai se negar a admitir que a sucessão de crises denuncia uma falha estrutural do capitalismo.

Debate distante

Os jornais informam que, ao encerrar-se o ano de 2011, nada menos que US$ 6 trilhões haviam desaparecido das bolsas de valores de todo o mundo. Essa cifra equivale a toda riqueza produzida pela China em um ano, conforme lembra a edição de segunda-feira (2/1) do Globo. O fato se torna ainda mais preocupante se for considerado que a crise financeira de 2008 provocou uma quebradeira de quase US$ 28 trilhões ao redor do planeta.

A desvalorização das ações pelo mundo afora tem repercussões gravíssimas na capacidade de financiamento da atividade produtiva, mas há um aspecto pouco explorado pelo noticiário: com a perda de valor de suas ações, as empresas afetadas pela crise se tornam ainda mais dependentes do sistema financeiro.

No entanto, mesmo com a injeção de centenas de bilhões de euros nos bancos privados por parte do Banco Central Europeu, o dinheiro ficou bem guardado em títulos do próprio BCE e não irrigou o mercado, o que deve agravar a recessão.

A realidade que inaugura 2012 em alguns dos principais mercados do mundo é a da queda brusca do poder aquisitivo da população associada à perda de valor das companhias e à incerteza sobre a capacidade dos tesouros nacionais de socorrer seus cidadãos e suas empresas.

Ainda assim, o debate sobre a natureza do capitalismo anda longe da imprensa.

Uma festa modesta

No Brasil, onde o fenômeno da ascensão social das novas classes de renda média ainda mantém certo vigor, a expectativa trazida pela imprensa é a de uma retomada do crescimento, ainda que tímida.

Mesmo com um desempenho considerado mediano entre os 24 países emergentes analisados por uma consultoria britânica, segundo a Folha de S.Paulo de domingo (1/1), a economia brasileira deve se consolidar entre as seis primeiras do mundo. O jornal lamenta explicitamente que o Brasil foi “apenas o quinto” país que mais cresceu entre os emergentes, quando na verdade, no cenário recessivo global, trata-se de um desempenho a ser comemorado.

Os problemas citados pelos especialistas escolhidos pela imprensa se referem a carências antigas, como a falta de investimento em infraestrutura e a baixa eficiência dos serviços públicos, mas pode-se incluir entre as causas de certo travamento no nosso desenvolvimento as perdas com a corrupção em todos os níveis.

A corrupção também ocupa espaço nos balanços sobre a virada do ano, mas, como sempre, o noticiário é seletivo e nunca penetra nas causas do problema. Além das dificuldades para mensurar o efeito econômico da corrupção – por seu caráter clandestino –, a imprensa não desenvolveu ou perdeu nos últimos anos a capacidade de lidar com temas complexos, que exigem a análise simultânea de dados muito variados.

Por exemplo, e para citar uma das muitas crises que atravessam a porteira dos calendários, faltou muito para explicar aos leitores a verdadeira natureza da crise que afetou o sistema judiciário no final do ano passado.

Os jornais inauguram 2012 discutindo a controvérsia sobre as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, mas há outras pendências, como as férias de dois meses dos magistrados, conforme lembra o Estado de S.Paulo de segunda-feira (2).

Há também a crise da oposição, que ganha espaço na mídia mas perde votos nas urnas. Há também o folclore sobre as previsões do fim do mundo. Mas esse é assunto para a próxima virada, daqui a doze meses – se vier a acontecer.

Fonte: Observatório da Imprensa