A Câmara dos Comuns raramente é criticada no verão. Os distúrbios e saques dos últimos dias no Reino Unido obrigaram os deputados a esquecer suas férias e regressar ao parlamento. O ambiente era sombrio. O Reino Unido parecia em guerra.

O primeiro ministro britânico, David Cameron, adotou o ar intransigente de Winston Churchill, modelo de boa parte da classe política inglesa. O primeiro ministro defendeu a intervenção do exército “se fosse necessário”, advertiu que os 16 mil policiais permanecerão nas ruas até o fim de semana e ameaçou expulsar das habitações subsidiadas pelo Estado quem tiver participado dos distúrbios que comoveram a Inglaterra nos últimos cinco dias.

A presença policial nas ruas, o desgaste e a tradicional chuva inglesa neutralizaram o que durante alguns dias pareceu uma maré incontrolável de saques e distúrbios em Londres e nas principais cidades inglesas. Lentamente as ruas estão recuperando a normalidade. Mesmo assim, muitos negócios em zonas afetadas, fecharam suas portas cedo nesta quinta-feira e a Associação de Futebol Inglesa esperará até essa sexta para anunciar se efetivamente começará o campeonato nacional neste fim de semana. Em um caso a decisão já está tomada. A partida entre Tottenham e Everton, que deveria ser disputada neste sábado, foi suspensa: o bairro de Tottenham foi o ponto de partida dos distúrbios no sábado passado.

No plano político, o debate está recém começando. Na Câmara dos Comuns, o discurso predominante foi o da linha dura. “O circuito fechado de televisão vai nos ajudar a prender os suspeitos e vamos publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com fictícias preocupações com os direitos humanos”, assinalou Cameron. A polícia calcula que há cerca de dois mil suspeitos que podem ser identificados com estas câmeras que permitem captar rostos a 75 metros de distância mediante o uso de potentes zooms. No total, ocorreram mais de 1500 prisões e as surpresas continuam ao se revelar a identidade de alguns dos detidos. O estereótipo – pobre, desempregado, negro afrocaribenho – faz água. Pelos tribunais desfilaram um designer gráfico, estudantes universitários, um professor e até um aspirante ao exército. Junto deles, desempregados, ex-condenados e adolescentes acusados de roubar um traje esportivo ou um par de tênis. Com uma velocidade raramente vista na justiça britânica, ocorreram sentenças em 24 horas.

Prova de fogo
Os distúrbios se converteram em uma prova de fogo para o governo de David Cameron, que já havia sido atingido pelo escândalo das escutas telefônicas e pela crise econômica. Em uma tentativa de recuperar a iniciativa em uma crise que o encontrou em férias na Toscana, o primeiro ministro indicou que estavam estudando medidas para impedir que se usem as redes sociais para incitar a “violência, desordem ou atos criminosos”, o aumento das penas e um sistema para avançar com programas contra a cultura das gangues violentas.

O líder da oposição, o trabalhista Ed Miliband, somou-se à condenação dos distúrbios, mas criticou a redução de efetivos policiais programada para ocorrer logo depois do Jogos Olímpicos de 2012, em Londres. “Dada a absoluta prioridade que a população outorga a uma presença policial ativa e visível nas ruas, não é hora de o governo recuar nos cortes que pretende fazer nesta área?”, perguntou Miliband. Cerca de 20% do orçamento policial desaparecerá em função dos cortes: em Londres, estima-se que haverá dois mil policiais a menos nas ruas.

Milliband também tentou pressionar o primeiro ministro pela esquerda. Em uma das raras menções feitas aos problemas socioeconômicos de fundo, o líder trabalhista lembrou a Cameron que o mesmo havia dito quando estava na oposição que entender o pano de fundo, as razões e as causas não é uma tentativa de justificar a delinquência, mas sim uma tentativa de lidar com ela. “Sem dúvida, estes são fatos delituosos executados por indivíduos. Mas temos que nos perguntar por que há tanta gente que sente que não tem nada a perder e muito a ganhar com esses atos de vandalismo e saque. As causas são complexas e para entendê-las temos que escutar o que nos diz a própria comunidade”, assinalou Milliband.

O debate econômico
O debate parlamentar moveu-se também para a crise econômica e financeira. O ministro das Finanças, George Osborne, negou-se a recuar no ajuste que está sendo implementado pela coalizão conservadora-liberal democrata, equivalente a cerca de 150 bilhões de dólares nos próximos quatro anos. “Abandonar esse compromisso jogaria o Reino Unido no redemoinho da crise financeira e custaria milhares de empregos”, assinalou Osborne.

Na Câmara, o porta-voz econômico dos trabalhistas, Ed Balls, disse que o governo negava-se a ver a realidade. “É preciso ter um plano para reduzir o déficit, mas não podemos seguir com esta política de terra arrasada que corta muito rápido e profundo, abalando os pilares de nossa economia e deixando-a mais exposta ao furacão global”, assinalou Balls.

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Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior