As notícias que vêm do Pew Research Center e da National Urban League são péssimas. O relatório do Pew mostra que, entre 2005 e 2009, todos os grupos “raciais’ perderam riquezas, nos EUA, mas as maiores perdas aconteceram entre hispânicos e negros. A riqueza média corrigida pela inflação das famílias brancas caiu 16%; mas os lares hispânicos perderam 66% e os negros, 53%. Em 2009, um típico lar branco tinha riqueza (patrimônio menos dívidas) de $113.149; um lar negro, só $5.677; e o lar hispânico médio, $6.325. O mito da sociedade pós-racial já poderia ter sido enterrado sob aquela lápide: 2009.

O fato mais perturbador não é o declínio. É o que vem agora. O mais recente estudo do National Urban League Policy Institute descobriu que o desemprego entre os negros com quatro anos de curso secundário completos triplicou desde 1992, e que o desemprego já chegou aos níveis de 1982, arredondados 20%. Não se viam esses números nos EUA desde a Depressão.

Langston Hughes escreveu que os anos 1930s “derrubaram todos, um ou dois degraus abaixo”, mas que os que viviam no lado obscuro da discriminação pela cor da pele não tinham, então, muito a perder. Agora, é diferente.

Nos 30 anos a partir de 1965, os negros e latinos norte-americanos de classe média enriqueceram, em boa parte graças a empregos em vários níveis da administração pública (e glória às lutas dos sindicatos dos Empregados no Setor Público, Nacional, Estadual e Municipal, que não deixaram que os salários se desvalorizassem muito, no setor público). Com o crescente desemprego, hoje, não será fácil recompor o patrimônio familiar daqueles anos.

O desmonte do setor industrial dos EUA pela globalização (que exportou empregos) e o ataque contra os empregos no setor público atingiram muito duramente os trabalhadores negros e latinos. Em vez de taxar os ricos e usar esses fundos públicos para construir economia radicalmente diferente (como redes ferroviárias eficazes), o governo Clinton criou um massivo arquipélago prisional privado e saqueou o já fraco sistema de saúde pública dos EUA.

Em nome do equilíbrio orçamentário e favorecimento a uma economia marginal, uma geração de jovens negros norte-americanos perderam o direito de acesso a educação decente. É difícil conseguir emprego, se seu currículo inclui temporada na prisão, frequentemente por crimes econômicos não violentos (como ter trabalhado na economia da droga, um dos poucos espaços que resta nos bairros e regiões mais empobrecidas). Outro lugar onde procurar emprego, claro, foi o exército.

A razão mais visível para essa catastrófica perda de riqueza foi a crise imobiliária e o impacto racial da epidemia de despejos, pelos bancos credores. O Center for Responsible Lending mostra que 8% dos negros que compraram casas entre 2005 e 2008 perderam as casas, retomadas pelos bancos credores; o que só aconteceu a 4,5% dos brancos que compraram casas no mesmo período. Exame dos anos 1990s confirma essas estatísticas: negros e latinos foram desproporcionalmente agredidos pelos despejos por dívidas não saldadas com os bancos.

A tendência é culpar vagamente a ‘economia’. Mas não há ‘economia’ senão dentro das nossas relações sociais e das políticas públicas implantadas pelos governos para modelar essas relações.

O governo dos EUA entregou a chave do Tesouro às grandes corporações (a General Electric não paga impostos e, de fato, ainda recebeu restituição, ano passado!). As políticas beneficiam as grandes corporações e a microscópica categoria de executivos que as controlam. A Suprema Corte define as corporações como indivíduos, de modo que podem exercer seu direito constitucional à livre manifestação de opinião; ao exercer esse direito, exercem também seu poder.

Denunciando essa obscenidade, Ralph Nader escreveu no Chicago Tribune (20/7/2011) que as grandes empresas deveriam ser julgadas por um padrão de “patriotismo corporativo”.[1]

Adoram cortes de impostos e, em seguida, chamam os marines para salvá-los quando bem entendem. Mas recusam-se a investir seus lucros não taxados para reconstruir a capacidade produtiva dos EUA.

As corporações norte-americanas, escreveu Nader, “recebem todos os benefícios da personalidade corporativa nos EUA, mas não cumprem nada do que se espera de personalidades patrióticas nem consideram as responsabilidades que acompanham necessariamente os privilégios, as isenções e imunidades”.1 Fazem dinheiro nos cassinos financeiros e fraudando trabalhadores em todo o mundo.

Simultaneamente, não fazem senão exigir “equilíbrio orçamentário” e cortes de “favorecimentos”, para que a dívida seja administrável. – Simplesmente apagaram da conta a contribuição das próprias corporações, para que o buraco chegasse hoje a $14,46 trilhões.

Há alguns anos, algumas vozes progressistas no Congresso sugeriram que o governo reintroduzisse o alistamento militar obrigatório. Se os filhos dos ricos e da classe média abastada fossem obrigados a ir à guerra, com certeza diminuiria o número de aventuras bélicas ensandecidas. A proposta deu em nada.

Pode não haver alistamento obrigatório para as guerras na Drone-lândia, mas não há dúvidas de que há alistamento econômico obrigatório.

O custo total das atuais aventuras já chega a $2 trilhões (o custo total do aparelho de segurança terá ultrapassado os $8 trilhões, até o final do ano). Progressistas no Congresso argumentam que a população não tem nenhuma impressão palpável do custo da guerra, e o alistamento militar obrigatório chamaria a atenção de todos.

O governo esconder imagens dos soldados mortos contribui para a indiferença geral.

O número de norte-americanos mortos na guerra é menor hoje, graças aos melhores equipamentos de blindagem e proteção corporal, mas o número de feridos é muito maior hoje, que em qualquer outra guerra (há especialistas que sugerem que, só no Iraque, houve mais de 100 mil norte-americanos feridos). A população norte-americana é mantida isolada desses fatos que atingem as mesmas comunidades já atingidas também pelos despejos forçados.

Não há alistamento militar obrigatório para todos, mas o alistamento é obrigatório, sim, para os mais pobres. O atual colapso econômico reduziu os que haviam conseguido poupar alguma coisa, mesmo que sobre fundamentos fictícios, ao plano da vida nua.

A drenagem de riqueza nacional para a economia de guerra é taxação regressiva massiva sobre a população: os ricos que pagam impostos proporcionalmente muito menores (e nada pagam sobre os ganhos de capital, que também são renda) e as corporações (que pagam poucos ou quase nenhum imposto) são blindados, isolados dos custos da guerra. E, isso, sem falar dos que ganham muito, sim, com a guerra.

Equilibrar o orçamento, no contexto do alistamento econômico obrigatório, significa devastar o que ainda reste dos gastos sociais: educação, assistência pública à saúde, assistência aos idosos, aos mais pobres, recursos para preservação do meio ambiente, capacidade de trabalho dos reguladores estatais etc.

O presidente Obama parece ter metido a mão no bolso de Al Gore e roubado de lá a chave do cofre onde se escondem a Segurança Social, Medicare e Medicaid. Todos esses são vítimas da economia da guerra.

A sobrevivência da espinha dorsal dos EUA depende hoje do que se disputa em Springfield, MA. Aqui, dia 18 de julho, a Assembleia Municipal aprovou duas leis ordinárias que tentam salvar essa cidade – onde houve o maior número de despejos do estado de Massachusetts.

A primeira dessas leis retira dos bancos o direito de retomar a casa hipotecada, no caso de o banco credor não ter participado de reunião de renegociação da dívida mediada pela prefeitura da cidade e recebido um “certificado de negociador de boa fé” autenticado pela prefeitura. Enquanto insistir em não participar da reunião de mediação, o banco paga multa diária de até $300 dólares.

A segunda lei obriga o banco credor a pagar ao proprietário inadimplente $10 mil dólares em dinheiro, no caso de decidir retomar uma propriedade. As duas leis foram propostas pelo conselheiro Amaad Rivera e pela Coalizão “Springfield No One Leaves/Nadie Se Mude” [Ninguém saia de sua casa]. “A prefeitura de Springfield deu aos moradores instrumentos reais, efetivos, para enfrentar os danos que os bancos causaram a nossa cidade e a todo o condado”, disse Sellou Diaite, da Coalizão.

O Conselho Municipal e a Coalizão meteram uma cunha na engrenagem da roda de moer do alistamento econômico obrigatório.

A mensagem que esse canto dos EUA envia é simples: parem de destruir casas na Drone-lândia e parem de destruir casas nos EUA.

[1] “Why not corporate patriotism for a change?” 21/7/2011, Chicago Tribune em http://www.chicagotribune.com/news/opinion/ct-oped-0720-nader-20110720,0,2078635.story