Na semana passada a presidenta Dilma Rousseff anunciou com pompa e circunstância o programa Ciência Sem Fronteiras. O novo programa pretende oferecer até 2014 cerca de 100 mil bolsas de estudo no exterior para graduandos e doutorandos. Serão 75 mil bolsas financiadas pelo governo federal e outras 25 mil pela iniciativa privada.

O Ciência Sem Fronteiras é uma parceria entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação e as bolsas serão concedidas pelo CNPq e pela CAPES. O programa é um passo fundamental para o fortalecimento da produção científica brasileira com vistas ao desenvolvimento soberano do país, ainda que não altere decisivamente o lento processo de inovação tecnológica aplicado pelas empresas nacionais.

O programa possui 20 áreas prioritárias para onde serão concedidas as bolsas de estudo. Todas ligadas às áreas de exatas e biológicas. Justamente aqui reside a principal deficiência do programa: como desenvolver o conhecimento do país ignorando o relevante papel a ser desempenhado pela produção científica das áreas de humanas e ciências sociais?

Qual será o desenvolvimento que o Brasil terá na próxima quadra histórica com o alijamento da produção feita pelas ciências sociais? Ao isolar o campo de produção das humanas o governo federal passa um perigoso sinal para a sociedade brasileira, qual seja, o de que qualquer desenvolvimento serve aos interesses do país, independente de sua relação com a cultura local, a identidade nacional e a justiça social.

O francês Pierre Bourdieu já havia nos ensinado há algum tempo que “a atividade científica implica um custo econômico, e o grau de autonomia de uma ciência depende, por sua vez, do grau de necessidade de recursos econômicos que ela exige para se concretizar”. Sob esta chave interpretativa poderíamos vislumbrar uma autonomia das ciências humanas em relação às outras áreas. Mas não é disso que se trata. O pano de fundo da crítica a ser apresentada ao Ciência Sem Fronteiras tem claramente a ver com a decisão política tomada pelo governo de não investir na área que melhor pode subsidiar a formulação de projetos de alto impacto social, cultural e institucional.

O apagão de mão de obra qualificada pelo qual o Brasil passa, em especial nas áreas tecnológicas, não pode servir de justificativa para o isolamento de outros campos do saber. Precisamos sim de mais técnicos capazes de desenvolver a engenharia infra-estrutural. No entanto, este processo não pode ser descolado do desenvolvimento da engenharia das relações sociais que é a vocação das ciências humanas.

Num momento em que o país pretende aliar em sua agenda o desenvolvimento econômico, social e democrático, o governo federal dá um passo atrás no estabelecimento de suas prioridades. Decisão contraditória que nos remete ao processo de desenvolvimento econômico conservador que o país viveu na década de 70 do século passado.

Theófilo Rodrigues, mestrando em Ciência Política pela UFF.