O marxismo surgiu como consequência e apoteose da civilização industrial. A segregação do proletariado, dominado pela lei de bronze e pela impiedosa necessidade de acumulação do capital privado, gerou o clima em que a visão hegeliana do mundo, aplicada por Karl Marx, se transformou em doutrina de acção e em filosofia total do homem, da sociedade e da vida»

(«Cristianismo e política nacional, Manifesto ao País», Maio de 1965).

«A fome aproxima-se. Uma catástrofe de dimensões nunca vistas e a fome parecem inevitáveis. Disto se falou nos jornais vezes sem conta, dizendo que a catástrofe é inevitável, que está muito próxima, que é necessária uma luta desesperada para a debelar, que se exige do povo esforços heróicos para prevenir o desastre, etc. Todos o dizem. Todos o reconhecem. Todos o decidiram. E não se faz nada…»

( «A catástrofe que nos ameaça e como combatê-la», Lenine, Obras Completas, Setembro 1917).

Nos anos já recuados das décadas de 60 e de 70 do século XX, fez-se notar e teve grande importância no combate aberto ao fascismo um corajoso grupo de católicos. Não dependiam de qualquer organização central, não estavam dispostos «em rede», como actualmente é regra geral, nem discutiam sequer o direito à prática da sua fé. Mas eram democratas e implacáveis no combate à exploração do homem pelo homem. Por amor à verdade, correram riscos imensos, foram perseguidos, demitidos e presos. Numa fase da nossa história em que imperavam a polícia política, a ilimitada exploração dos trabalhadores e o obscurantismo da Igreja, esses homens e mulheres não se calaram. Escreveram e assinaram com os seus nomes cartas abertas dirigidas aos responsáveis fascistas; condenaram as guerras coloniais; denunciaram comportamentos das hierarquias da eclesiásticas; vieram para a rua protestar – quando isso era acto de rematada loucura – contra as guerras e contra a injusta distribuição da riqueza. A sua grande fonte ideológica foi o Concílio Vaticano II mas partilhavam com os comunistas algumas das suas perspectivas básicas da história e da sociedade. O homem e a liberdade eram a sua grande bandeira. E adoptaram, como se fosse um hino, uma canção de luta escrita por um dos seus, a «Cantata da Paz»: «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar: o nosso tempo é o tempo do pecado organizado»…

Ontem e hoje, são apenas dois dias

Desde esses tempos apenas se caminhou o espaço de uma geração. Que é feito, então, dos valorosos guerrilheiros crentes que lutaram antes de Abril? Onde param eles, as suas sementes confessionais ou os ideais católicos de Justiça e Liberdade? Não é de crer que, subitamente, se tenham esfumado para sempre. A verdade, porém, é que não estão visíveis. E a sociedade, mesmo a de sentido religioso, não muda com as ideias mas com os actos.

Acerca disto, há uma verdade dura que deve ser dita.

Se, durante o fascismo, os católicos que permaneceram homens livres procuravam ver, ouvir e ler as realidades (e conseguiram-no, apesar de tudo), muito mais fácil seria aos seus filhos, a geração cibernética, alcançar esse painel de informação. Mas são justamente esses que emudecem.

O Vaticano está atolado até ao pescoço no crime político organizado. Domina os mais poderosos off-shores do mercado financeiro e é agente activo dos grandes pólos de interesses dos lóbis capitalistas, à imagem do Clube de Bilderberg. Ensina, na sua extensa rede de colégios, institutos e universidades, as arquitecturas e os ardis do neocapitalismo a milhões de jovens. Manipula extensas áreas sociais que aparentemente são geridas pelo Estado laico, como a Educação, a Saúde e a Segurança Social. Permanece impávido perante os escândalos que surgem em torrente no interior da própria Igreja. É um método que convém aos seus projectos. Em Portugal, à sombra dos pesadelos da «crise económica», este processo de instalação do estado teocrático desenvolve-se abertamente.

Perante o caos eminente, as elites católicas calam-se e a hierarquia finge que não vê. Os seus silêncios tácitos são formas activas de colaboração com os crimes do capitalismo mundial. Aliás, o grande capital também mergulha em problemas políticos tão complicados que ele próprio é incapaz de os resolver. Assim, vê cada vez mais no Vaticano a sua eventual tábua de salvação.

Justifica-se que se pense estar aqui, neste panorama real, a chave dos desencontros que afastam católicos e comunistas.

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Fonte: jornal Avante!