Os festejos são-joaninos foram apropriações e recriações das antigas festas‘pagãs’ de natureza agrária, atrelados às fertilidades da terra e do ser humano, e ao culto do fogo,por parte do catolicismo.

Eram ritos existentes desde as primeiras sociedades agrícolas e povoaram mesopotâmicos, incas, egípcios, chineses, astecas, indianos, gregos, etruscos e romanos, todos protegidos por divindades protetoras da agricultura, voltadas aos cereais e por isso, saudadas com intermináveis festas dedicadas às colheitas, à boa safra, à fartura. Festejavam-se o germinar, o renascer constante dos grãos, dos homens, do fogo, símbolo do Sol e de proteção contra os terríveis fantasmas da fome. Festejava-se a eterna recriação da vida.

Com a cristianização do Império Romano, os rituais pagãos começam a ser substituídos pelo calendário cristão. Baco, deus da Antiguidade Clássica greco-romana – Dionísio para os antigos gregos – deus agrário, entre outras coisas da fecundidade, era simbolizado pelo bode. Com o sincretismo, Baco passa, possivelmente a ser representado por São João, santo que anunciara a vinda do Messias, símbolo da fertilidade do amor, da boa-nova e da vida eterna representados na figura do Cristo. O bode bacântico converteu-se no carneirinho são-joanesco, o tal famoso São João do carneirinho.

Também não se pode descartar uma associação sincrética entre São João e a deusa Juno, esposa de Júpiter, deusa da fecundidade, das germinações totais, enfim, da força vital. Por outro lado, há a leitura que a Igreja católica irá realizar a partir da tradição pagã, remetendo a São João, sua divindade agrícola, atributos do deus do fogo. O fogo pagão era potestade nobre, deus purificador e fecundador e, em mãos católicas, será associado ao nascimento de João Batista – fogueira feita para avisar a Maria, Mãe de Jesus e prima de Isabel – que João Batista nascera. Virou símbolo da anunciação da vinda do Cristo, por isso fogueiras e fogos.

São João migrou para os trópicos nos conveses das naus do imaginário católico lusitano e, uma vez desembarcado, o santo agrícola dos católicos foi ganhando musculatura nordestina, parecendo mais que é santo brasileiro, do Nordeste agrário, das profundezas da zona rural do que europeu.

Xangô, divindade iorubana que representa o raio, o trovão e o fogo também está presente nos festejos juninos, trazendo sua proteção, principalmente nas religiões que cultuam os orixás sendo homenageado de maneira intensa e com farta mesa do dia 23 para o dia 24 de junho.

Na culinária, recebe recheio ameríndio do milho, castanha, amendoim e da mandioca; dos africanos, o uso do leite de coco, louvações ao orixá Xangô; ganha novas danças e músicas, tudo misturado à tradição portuguesa das superstições, crendices, adivinhações e ao gosto do açúcar. Tanto a profanidade quanto a sacralidade dos festejos sobreviveram intensamente no Brasil agrário, todavia, características do santo agrícola do milho – embora se plante no dia de São José – sofreram profundas alterações em suas funções sociais. Uma delas é a fama de arrumador de marido e casamenteiro, hoje atribuída apenas a Santo Antônio. Dançar com uma moça bonita por toda a noite de São João ainda é desejo de muitos jovens, principalmente nas festividades rurais. Não são poucas as superstições juninas para descobrir quem será o marido, como se chamará, se casará este ano ou se apodrecerá no caritó. As indefesas bananeiras – árvores-profetas juninas no imaginário das mocinhas – são esfaqueadas, pagando caro para revelar a letra inicial do futuro marido.

O São João no Nordeste rural ganhou contornos próprios, recriado na herança portuguesa:procissão da bandeira, acorda-povo, pular fogueira, atravessá-la com os pés descalços e até os da invenção local, como tiros de bacamarte. O São João é festa de casamento, saudação aos noivos, período ideal para o matrimônio por estar no ciclo da fertilidade. Não é por acaso que os casamentos reinam nas quadrilhas juninas. Os festejos são-joanenses parecem ser os que mais se desdobram, recriando cores, cheiros, texturas, sons, sabores, imaginários, gestos, ritmos e ludicidades nas múltiplas paisagens socioculturais, ao envolver culinária – incluindo bebida e comida –, figurinos, adereços, músicas, danças, folguedos, superstições, crendices, simpatias, orações, brincadeiras, abrangendo uma complexidade social em várias comunidades.

O balão foi criado para levar preces a São João, aliás, por quase todo o século XX os balões reinaram nos céus, mas hoje desaparecem por completo, se transformaram em grave problema ambiental.

Os fogos de artifício, invenção chinesa que resiste, são soltos para acordar o santo dorminhoco na noite do seu nascimento. Se empanturrar de canjica, pamonha, pipoca, munguzá, arroz doce, milho verde cozido, batata-doce e milho assado na fogueira, bolos diversos, inclusive pé de moleque; ouvir xote, baião, xaxado, pé de serra, coco de roda, ciranda; dançar ou admirar quadrilhas; vestir roupa quadriculada, vestido de São João, camisa de matuto, trança no cabelo, chapéu de palha; lanterninhas com velas acesas, casamento matuto, bandeirinha de São João feita de revista ou de jornal velho, balão de enfeites, pau de sebo, arraial montado com palhas de coco verde, fazer adivinhações, chuvinha escorregando pela noite, cai a temperatura são características do São João em boa parte do Nordeste brasileiro.

Outra face do São João em Pernambuco é a interação de alguns cristãos reformados que não
resistindo às delícias do período, criaram o Sem João e com Jesus. Sem querer generalizar a
prática, até porque é proibida por alguns pastores que ameaçam punir o membro de sua Igreja que participe dos festejos, a festa recebe decoração junina, envolve comida de milho, hinos da Igreja, cantados em ritmo de forró, alguns membros vestidos a caráter e a ausência de bebidas alcoólicas.

Brinca-se por algumas horas e dizem se tratar de um bazar para arrecadar fundos para a Igreja, e não, necessariamente, festejar o período são-joanino. Isso comprova o apelido que é dado a São João de santo festeiro e reafirma a solidez da tradição católica no Nordeste brasileiro. Em anos de copa do mundo, o São João no Nordeste incorpora o verde e amarelo da seleção brasileira.

Por que lágrimas juninas para uma festa tão animada?

São lágrimas da fumaça das fogueiras, lágrimas de arrependimento por ter comido muito, lágrimas pelas bolhas no pé de tanto dançar, lágrimas de saudade daqueles que nos deixaram e não brincarão o próximo São João, lágrimas de alegria porque só no ano que vem vai ter São João de novo.

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Adriano Marcena é professor, escritor e dramaturgo. Escreveu o Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana, publicado em 2010 pela CEL

Fonte: Portal vermelho – PE