“Vemos, portanto, que os preços em alta e em queda têm, tanto um quanto outro, suas desvantagens características. A Inflação, que causa os primeiros, significa injustiça para os indivíduos e para as classes – especialmente para quem vive de rendas – sendo, portanto, desfavorável à poupança. A Deflação quer dizer injustiça para os tomadores de empréstimos, e a Inflação conduz ao superestímulo da atividade industrial. Mas tais resultados não são tão marcados quanto aqueles enfatizados acima, pois os tomadores de empréstimo estão em melhor posição para proteger-se dos efeitos da Deflação do que os doadores de empréstimos para defender-se dos da Inflação, e porque os trabalhadores são mais capazes de defender-se da superatividade, nos bons tempos, que do desemprego, nos maus.”

KEYNES, John Maynard. Inflação e deflação. In: Os pensadores. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1978. p. 14.

A epígrafe referendando o economista britânico John Maynard Keynes explicita funções que podem vir a ser desempenhadas pelo fenômeno inflacionário no processo de desenvolvimento econômico, a saber, de favorecimento dos tomadores de empréstimos e de geração de estímulo para conversão de poupança em investimento, contrariamente à deflação, que favorece setores rentistas e inviabiliza a remuneração dos produtores de mercadorias.

O marxista brasileiro Ignacio Rangel, em sua célebre obra A inflação brasileira, recorda ainda que o fenômeno em questão expressa o acúmulo de capacidade ociosa em determinados setores da economia nacional (assim como a carência de investimentos em outros setores) e decorre em boa medida da ação arbitrária e descontrolada de monopólios/oligopólios, responsáveis pela ampliação dos preços globais.

Por outro lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) – instrumento de propagação do neoliberalismo utilizado há algumas décadas pelas potências imperialistas – reafirma seu caráter histórico no relatório Perspectivas Econômicas: As Américas, recentemente apresentado no México, que recomenda ampliação de juros e corte de gastos públicos no intuito de compensar o “excesso de medidas de estímulo econômico” e um suposto “superaquecimento” dos países em desenvolvimento.

Esse conjunto de idéias oriundas do centro do sistema capitalista tem encontrado grande ressonância no debate econômico brasileiro, atualmente caracterizado pela existência de grande consenso no que tange o enfrentamento do chamado “problema inflacionário” – convertido em “meta central” de qualquer governo.

Tal consenso foi construído após sucessivos planos anti-inflacionários mal-sucedidos nos anos 1980/90 (enfrentamento do problema pelo viés do controle da demanda, arbitrários congelamentos de preços, deflação, etc.), quando o Plano Real, por intermédio de violenta política de redução não só da demanda (desemprego massivo e arrocho salarial) como da oferta (âncora cambial, redução de gastos públicos, fim de incentivos ao setor produtivo), manteve baixos os níveis de preços através da manutenção de reduzidas taxas de crescimento econômico.

A propósito da perspectiva monetarista de combate a inflação (muito difundida por Milton Friedman), afirma John Kenneth Galbraith:

“Admiti que o seu sistema – quem controlar a oferta de dinheiro controla tudo – funcionava contra a inflação num mundo altamente organizado somente na medida em que gerava extrema capacidade ociosa nas fábricas e um desemprego elevado. É assim que o monetarismo impede que as empresas aumentem os seus preços e os sindicatos pressionem por aumentos salariais. Para infligir tal sofrimento é necessário haver um governo razoavelmente forte.” (GALBRAITH, J. K. Sobre pessoas, políticos, poder militar e as artes. 1989. p. 221.)

Verifica-se assim que o enfrentamento do problema inflacionário pode ser efetivado por duas vias: 1) via monetarista/neoliberal, por intermédio de programas de restrição de crédito e do consumo, redução dos gastos públicos e das taxas globais de investimento, viabilizada por política de ampliação de juros, etc. e 2) via nacionalista, ampliando os níveis de investimento através de política econômica expansiva que permita o desenvolvimento da indústria, exerça controle sobre arbitrariedades de monopólios/oligopólios (vide o inflacionário setor sucroalcoleiro no Brasil, controlado em boa medida por um pequeno punhado de multinacionais como Shell, Dreyfus, British etc.) e realoque recursos de setores superinvestidos para setores estrangulados (serviços de utilidade pública, p. ex).

O atual presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, culpa governos e bancos estrangeiros pelo enorme fluxo de capitais especulativos que inviabiliza a autonomia nacional. Evidentemente os responsáveis pelo problema encontram-se aqui no Brasil e não vem demonstrando interesse na regulação de nosso sistema financeiro (controle de spread, estruturação do sistema de quarentena proposto pela CNI etc.) e na redução das taxas juros (fundamental à recondução das taxas de câmbio à patamares civilizados), criando, ainda por cima, propostas de redução das taxas de investimento e encerramento de linhas de crédito.

Enquanto isso se registra violenta entrada de produtos estrangeiros em nosso país, como nos casos do mercado de eletrônicos – que em 2005 era abastecido com 15% de importações, que atualmente superam os 21% – e da indústria de máquinas e equipamentos que fechou o ano de 2010 com déficit de US$ 30 bilhões (US$ 15 bilhões a mais que em 2009). Isso sem mencionar as dificuldades impostas ao nosso sistema exportador e o altíssimo percentual de nosso PIB subservientemente destinado à rolagem da divida pública (os gastos com juros da dívida estão em quase 200 bilhões de reais por ano).
Esperamos que os setores progressistas da sociedade brasileira tenham condições de exercer maior influência no governo que ora dirige a vida nacional para que sejam criadas condições mais favoráveis ao desenvolvimento de nossas forças produtivas e a melhoria das condições de existência da classe trabalhadora.

Lembremos, pois, dos iluminados ensinamentos de Lênin a propósito do revisionismo, bastante aplicáveis a setores de “esquerda” no Brasil:

“A política do revisionismo consiste em determinar sua conduta de caso em caso, em adaptar-se aos acontecimentos do dia, aos altos e baixos da politiquice, em esquecer os interesses básicos do proletariado e os traços fundamentais de todo o regime capitalista, de toda a evolução do capitalismo, sacrificando esses interesses básicos do proletariado e os traços fundamentais de todo o regime capitalista, de toda a evolução do capitalismo, sacrificando esses interesses básicos a bem das vantagens reais ou supostas do momento. Da própria essência dessa política infere, com toda a evidência, que ela pode tomar formas infinitamente variadas e que cada problema um tanto “novo”, cada reviravolta um tanto inesperada e imprevista dos acontecimentos – embora tal reviravolta só altere a linha fundamental do desenvolvimento em proporções mínimas e por período ínfimo de tempo – dará sempre, inevitavelmente, origem a esta ou àquela forma de revisionismo.” (LENIN, V.I. Marxismo e Revisionismo. In: Obras Escolhidas. Rio de Janeiro: Ed. Vitória, 1955. p. 100)

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Pesquisador do Laboratório de Planejamento Urbano e Regional – LABPLAN/UDESC