É verdade que o fato de introduzir o tema na agenda não garante resultados, muito menos imediatos, como reconhece o embaixador brasileiro na OMC Roberto Azevedo. Há países contrários à inclusão do tema, como os EUA e, principalmente, a China.

A discussão do assunto no âmbito dos órgãos multilaterais é oportuna e o governo brasileiro faz bem em tomar esta iniciativa, que deve também se estender ao G-20 e FMI (Fundo Monetário Internacional). A economia mundial apresenta um quadro de desordem monetária e cambial, especialmente agravada depois da crise de 2008/2009. Desvalorizações cambiais, assim como emissões de moeda, com fez no final do ano passado o FED (Federal Reserve), têm provocado distorções na competitividade internacional. As taxas de juros muito baixas nos EUA, Europa e Japão têm estimulado um brusco reposicionamento dos portfólios. A operações carry trade, a arbitragem entre taxas de câmbio e de juros, desloca fluxos de capitais para países que praticam taxas de juros mais altas, o que provoca a valorização das suas moedas.

Do outro lado, a China definiu há décadas uma estratégia de cambio desvalorizado, o que reluta em alterar, como fator principal da sua competitividade. Isso é também agravado por práticas desleais na produção e comércio internacional, como desrespeito às patentes e propriedade intelectual, meio ambiente, utilização do "dumping social" e outras distorções.

Diferentes análises internacionais apontam para o Yuan chinês subvalorizado em cerca de 40% relativamente ao Dólar norteamericano, enquanto que o Real está sobrevalorizado em cerca de 20%. Isso, na prática, significa que somente pelo aspecto do câmbio, o custo de um produto fabricado na China, expresso em dólares norte-americanos que é a base de comparação internacional, é cerca de 60% menor que o produzido no Brasil, sem considerar os outros fatores de competitividade.

Muitos outros países tem se aproveitado da conjuntura para se fortalecer sua posição competitiva desvalorizando sua moeda como fator de incentivo às exportações e de proteção à produção doméstica. É uma forma de criar um antídoto para os efeitos da crise, visando principalmente a retomada da atividade, assim como preservar emprego e renda, na linha "empobreça seu vizinho".

Todas as disparidades apontadas transformam as negociações comerciais no âmbito multilateral uma verdadeira peça de ficção. O nível de alíquotas de proteção aduaneira, nas quais se baseiam as rodadas de negociação, são amplamente superadas pelos artifícios monetários e cambiais.

A OMC Organização Mundial do Comércio sucedeu ao GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na sigla em inglês), em 1995, no auge da globalização, incorporando vários novos temas correlatos ao comércio internacional. Isso a diferencia das instituições criadas a partir da Conferencia de Bretton Woods (1944), como o FMI e o Banco Mundial, que permaneceram basicamente com os mesmos instrumentos desde quando foram criados, apesar da enorme transformação da economia mundial nas últimas três décadas, agravadas recentemente com os efeitos da crise.

No entanto, a problemática cambial e os temas macroeconômicos ainda representam verdadeiro tabu, na agenda das negociações internacionais. A emergência da China e o seu peso na economia mundial é outro aspecto que requer uma mudança de abordagem.

Ainda no âmbito das negociações internacionais prevalecem temas não solucionados como os subsídios praticados pelos europeus e o protecionismo do mercado norteamericano, que são de grande relevância para os países que pretendem aplicar sua participação naqueles s grandes mercados.

O Brasil faz bem em protagonizar a discussão do tema cambial nos órgãos multilateriais, assim como reiterar as demais distorções. Faz-se necessário uma nova ordem econômica internacional que regule tanto os aspectos macroeconômicos, como a questão cambial, assim como as demais disparidades nas práticas de comércio.

Isso, no entanto, não nos exime de conduzir e impelementar uma agenda interna a ser trabalhada. Vários dos fatores de competitividade sistêmica, como tributos, custos de administração, logística e infraestrutura, são maiores no Brasil que nos demais países, como atestam vários rankings internacionais. Além disso, os aspectos macroeconômicos fundamentais como câmbio e juros precisam levar em conta o cenário internacional e serem adequados à nova realidade.

Também será oportuno fomentar as políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e tecnológica/inovacional), para fortalecer e criar novas competências. Este é o desafio da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP 2), ora em elaboração pelo governo.

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Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.

Fonte: Terra Magazine