Mas, na verdade, em Crude World, o jornalista americano Peter Maass está a transmitir uma mensagem diferente. Tal como Kunstler, parece que Maass acredita na teoria do Pico do Petróleo, ou seja, acha que os dias de petróleo relativamente barato estão a chegar ao fim. Mas, em vez de considerar esse crepúsculo como um desastre, parece que Maass o considera uma bênção salvadora. Vai forçar-nos a acabar com a nossa dependência de uma substância que tem envenenado o nosso meio ambiente e a nossa política, e tornado a vida muito pior para milhões de pessoas.

Para Maass, o petróleo é uma maldição. Esta parece ser uma afirmação bastante justa, pelo menos sob certos aspectos. Pouca gente afirmará que o petróleo e os seus subprodutos não são destrutivos para o ambiente, por exemplo. Mas Maass vai mais longe, e segue em direcções inesperadas, para mostrar que – a partir do momento em que é extraído do solo, durante toda a cadeia até ao momento em que é despejado no enorme tanque de gasolina de um veículo utilitário – o petróleo é um autêntico veneno.

E faz isso guiando o leitor numa visita por todo o mundo que o petróleo criou – o nosso mundo. E certamente parece ser o homem certo para um guia de viagem bem informado. Correspondente da velha escola, Maass viajou aos lugares mais perigosos do mundo para revistas como a Atlantic Monthly e a Slate. Pelo caminho, fez uma cobertura completa da guerra na Bósnia e transmitiu a sua experiência num livro chamado Love Thy Neighbor: A Story of War.

O método que usou em Crude World é uma série de instantâneos de diversas partes do mundo, demonstrando os modos como o petróleo afectou esses lugares. Os títulos dos capítulos que Maass utiliza para esses instantâneos – tais como 'Pilhagem', 'Contaminação' e 'Miragem' – ilustram bem quais são as suas conclusões.

Um pouco de sabedoria convencional que rapidamente é eliminada é a noção de que o petróleo é uma bênção para os países que possuem grandes reservas. Maass defende de modo convincente que quase nunca isso é verdade. Observa a experiência de países pobres como a Guiné Equatorial e a Nigéria para demonstrar que – no fim de contas – estariam melhor se deixassem ficar o petróleo debaixo do chão. Os únicos verdadeiros beneficiários foram as grandes companhias petrolíferas que os invadiram para explorar as novas 'apostas', e os governos tortuosos desses países e os seus amigalhaços, que enriqueceram com a maior parte dos direitos.

Maass explica como a própria extracção cria poucos postos de trabalho para os nativos dos países pobres dada a natureza pouco vulgar da indústria do petróleo: não é trabalho intensivo e os trabalhadores que utiliza precisam de ter aptidões especializadas, coisa que as grandes empresas petrolíferas acham mais fácil conseguir através de apoios importados da Índia e das Filipinas. Os únicos nativos que habitualmente ali trabalham são as prostitutas que afluem às cidades criadas pelo processo de extracção.

Mas Maass não ergue o machado contra os habituais suspeitos na história do petróleo, as gigantescas petrolíferas ocidentais como a Shell, a BP e a Chevron. Claro que o comportamento delas é frequentemente repreensível, e Maass fornece pormenores em abundância nesta área. Mas elas apenas fazem o que se exige que as empresas façam legalmente – maximizar os seus lucros – nalgumas das regiões mais corruptas do mundo. E Maass argumenta que as companhias nacionalizadas que as estão a substituir enquanto principais produtores mundiais, as CNOOC's e as Gazprom's, são exactamente tão gananciosas, resistentes às regulamentações e predatórias para o ambiente.

A recusa desapaixonada de Maass em individualizar os vilões é uma das forças de Crude World. Para ele, o problema não é uma determinada empresa, um país ou uma pessoa. Na verdade, o autor sabe que as pessoas e as suas instituições são gananciosas e de vistas curtas. O problema é a própria substância pegajosa: o petróleo. Enquanto concentração de pura riqueza e poder, o petróleo é simplesmente demasiado perigoso de manipular, porque maximiza todas as nossas piores tendências. O petróleo é como o anel de Sauron na trilogia de Tolkien; até mesmo os que tentam usar o seu poder para o bem acabam por ser arrastados para o lado mau.

Outro dos pontos importantes do livro é a forma cortante como está escrito. Mesmo que não concordemos com Maass, sentimo-nos obrigados a acabar a visita apenas para ficar a saber mais sobre as suas observações cínicas e cortantes. A perícia do autor como estilista é realçada num capítulo chamado 'Desejo', sobre o sangrento empenhamento da América no Iraque nas últimas décadas. Em 37 páginas, é uma mini proeza que rebenta com outro mito tão acarinhado quanto à obsessão dos EUA em relação ao Iraque: que tudo gira à volta do petróleo.

Claro, escreve Maass, o petróleo foi obviamente um factor dos ataques americanos ao Iraque. Mas há alguma coisa que não tenha sido um factor? A sua análise do desastre da ocupação americana, em que a única refinaria de Bagdad não foi devidamente protegida e foi completamente vandalizada por assaltantes, sugere que talvez não tenha havido uma lógica perfeita por detrás da invasão do Iraque. Conforme Maass escreve notavelmente na conclusão desse capítulo:

Nem os motivos de Cheney [Dick, o antigo vice-presidente dos EUA] nem os motivos da administração em que prestava serviço, podem ser resumidos numa só palavra. WMD [armas de destruição maciça], democracia, religião, Édipo, petróleo – a América era como um embriagado a remexer num molho de chaves durante a noite. (pg. 161)
E quanto ao crepúsculo do petróleo? Conforme referido atrás, Maass subscreve a teoria do Pico do Petróleo. Defende que a produção global do petróleo já ultrapassou o pico porque o fruto pendente – o petróleo de alta qualidade nos campos de superfície facilmente acessíveis – já foi colhido. O que resta é mais difícil, mais perigoso e mais dispendioso de extrair.

Isto significa que, no futuro, acidentes como o de Deepwater Horizon – que vomitou quantidades assustadoras de petróleo no Golfo do México – passarão a ser mais vulgares à medida que as gigantescas petrolíferas explorarem fontes cada vez mais marginais na tentativa de manter o seu ritmo de produção. Mas até mesmo isso não será suficiente, porque o consumo global vai continuar a aumentar. O resultado será o aumento em espiral do preço do barril e o fim da era do petróleo barato.

Onde é que estes factos nos levam? Onde devíamos ter estado logo de início, segundo Maass: num "mundo em que a prioridade não seja obter petróleo mas passar sem o petróleo". Maass não é Kunstler: acha que o crepúsculo do petróleo vai demorar anos, o que significa que temos tempo para evitar as previsões mais apocalípticas de Kunstler. E Maass acredita que já temos toda a tecnologia necessária para começar a transição para um mundo pós-petróleo. O que tem faltado até aqui é a vontade. Felizmente, não vamos ter possibilidade de escolha durante muito mais tempo.

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•Crude World: The Violent Twilight of Oil , Peter Maass, Knopf, 2009, 288 pgs., ISBN-10: 1400041694.

[*] Escritor e editor, do Canadá.

O original encontra-se em http://www.atimes.com/atimes/Global_Economy/MB26Dj02.html .
Tradução de Margarida Ferreira.

Esta resenha encontra-se em http://resistir.info/ .