Muamar Kadhafi, ao contrário de Ben Ali e de Hosni Mubarak, assumiu uma posição anti-imperialista quando tomou o poder em 1969. Aboliu uma monarquia fantoche e praticou durante décadas uma política de independência iniciada com a nacionalização do petróleo. As suas excentricidades e o fanatismo religioso não impediram uma estratégia que promoveu o desenvolvimento econômico e reduziu desigualdades sociais chocantes. A Líbia aliou-se a países e movimentos que combatiam o imperialismo e o sionismo. Kadhafi fundou universidades e industrias, uma agricultura florescente surgiu das areias do deserto, centenas de milhares de cidadãos tiveram pela primeira vez direito a alojamentos dignos.

O bombardeamento de Tripoli e Benghazi em l986 pela USAF demonstrou que Regan, na Casa Branca identificava no líder líbio um inimigo a abater. Ao país foram aplicadas sanções pesadas.

A partir da II Guerra do Golfo, Kadhafi deu uma guinada de 180 graus. Submeteu-se a exigências do FMI, privatizou dezenas de empresas e abriu o país às grandes petrolíferas internacionais. A corrupção e o nepotismo criaram raízes na Líbia.

Washington passou a ver em Kadhafi um dirigente dialogante. Foi recebido na Europa com honras especiais; assinou contratos fabulosos com os governos de Sarkozy, Berlusconi e Brown. Mas quando o aumento de preços nas grandes cidades líbias provocou uma vaga de descontentamento, o imperialismo aproveitou a oportunidade. Concluiu que chegara o momento de se livrar de Kadhafi, um líder sempre incóômodo.

As rebeliões da Tunísia e do Egito, os protestos no Bahrein e no Iêmen criaram condições muito favoráveis às primeiras manifestações na Líbia. Não foi por acaso que Benghasi surgiu como o pólo da rebelião. É na Cirenaica que operam as principais transnacionais petrolíferas; ali se localizam os terminais dos oleodutos e dos gasodutos.

A brutal repressão desencadeada por Kadhafi após os primeiros protestos populares contribuiu para que estes se ampliassem, sobretudo em Benghazi. Sabe-se hoje que nessas manifestações desempenhou um papel importante a chamada Frente Nacional para a Salvação da Líbia, organização financiada pela CIA. É esclarecedor que naquela cidade tenham surgido rapidamente nas ruas a antiga bandeira da monarquia e retratos do falecido rei Idris, o chefe tribal Senussi coroado pela Inglaterra após a expulsão dos italianos. Apareceu até um "príncipe" Senussi a dar entrevistas.

A solidariedade da grande mídia dos EUA e da União Europeia com a rebelião do povo da Líbia é, porém, obviamente hipócrita. O Wall Street Journal, porta-voz das grandes finanças mundiais, não hesitou em sugerir em editorial (23 de Fevereiro) que os EUA e a Europa deveriam ajudar os líbios a derrubar o regime de Kadhafi.

Obama, na expectativa, manteve silêncio sobre a Líbia durante seis dias; no sétimo condenou a violência, pediu sanções. Seguiu-se a reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU e o esperado pacote de sanções.

Alguns dirigentes progressistas latino-americanos admitiram como iminente uma intervenção militar da Otan. Tal iniciativa, perigosa e estúpida , produziria efeito negativo no mundo árabe, reforçando o sentimento anti-imperialista latente nas massas. E seria militarmente desnecessária porque o regime líbio aparentemente agoniza.

Kadhafi, ao promover uma repressão violenta, recorrendo inclusive a mercenários tchadianos (estrangeiros que nem sequer falam árabe), contribuiu para ampliar a campanha da grande mídia internacional que projeta como herois os organizadores da rebelião enquanto ele é apresentado como um assassino e um paranóico.

Os últimos discursos do líder líbio, irresponsáveis e agressivos, foram alias habilmente utilizados pelos media para o desacreditar e estimular a renúncia de ministros e diplomatas, distanciando Kadhafi cada vez mais do povo que durante décadas o respeitou e admirou.

Nestes dias é imprevisível o amanhã da Líbia, o terceiro produtor de petróleo da África, um país cujas riquezas são já amplamente controladas pelo imperialismo.

Fonte: ODiario.info