O projeto de lei que cria a Comissão está parado no Congresso desde que foi enviado pelo governo, em maio de 2010. Embora desconverse sobre os motivos que levaram Jobim a convidá-lo, parece óbvio que, na Defesa, e com o conhecimento que tem da vida parlamentar, a principal tarefa de Genoino será conseguir acelerar a tramitação e aprovação do texto. Dilma sabe que instalar a comissão será positivo para sua imagem internacional, sobretudo depois que o Brasil foi condenado pela Corte da OEA (Organização dos Estados Americanos), em dezembro, por crimes cometidos durante a ditadura. A condenação obriga o País, no prazo de um ano, a investigar e até a punir os responsáveis, o que é vetado pela Lei da Anistia de 1979.

Organizações internacionais e entidades de direitos humanos questionam a validade de uma lei imposta pelos próprios autores do golpe de 1964. Na Argentina, a anistia foi revogada em 2003 pelo Congresso e no ano seguinte pela Corte Suprema. Defendida pelo ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, a revisão da lei não é aceita por Jobim, que se apoia na decisão do Supremo Tribunal Federal, de abril do ano passado, de que a anistia representou o perdão também para os torturadores. No discurso de posse, a nova ministra dos Direito Humanos, Maria do Rosário, garantiu que instalar a Comissão da Verdade não significa “revanche”, mas o “reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas graves violações de direitos humanos” durante a ditadura.

José Genoino, que não se reelegeu deputado federal nas últimas eleições, recebeu o convite oficial de Jobim em almoço no restaurante do Ministério da Defesa, na terça-feira 11. Amigos da época da Assembleia Constituinte, eles almoçam juntos com frequência desde que Jobim assumiu a pasta, em 2007. Genoino tem atuado como um colaborador informal do ministro da Defesa em vários temas. Foi um dos primeiros a quem Jobim recorreu para “entender” a área militar, porque, advogado, sua especialidade era outra. Havia sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e depois membro do STF.

Como parlamentar, Genoino sempre se destacou nas comissões ligadas ao tema da Defesa no Congresso, e deu “aulas” a Jobim, que, apesar das críticas da direita à esquerda, acabou se tornando o único dos quatro ministros indicados para a pasta a sobreviver no governo Lula. Eleita presidenta, Dilma decidiu mantê-lo. É sintomático da determinação da presidenta de mexer no vespeiro o fato de que quem já se opôs à instalação da Comissão da Verdade tenha convidado para ser seu principal assessor um dos guerrilheiros do Araguaia, onde o número dos desaparecidos chega no mínimo a 70.

Genoino concordou com a posição de Jobim de incluir no projeto de lei enviado ao Congresso a apuração pela Comissão tanto dos excessos cometidos pelo Estado quanto dos da esquerda armada. E não confirma ou desmente que o convite para ser “assessor civil” do ministro da Defesa tenha ligação com a intenção de Dilma de dar uma resposta oficial do Estado a familiares e vítimas da ditadura. “Houve o convite, estou inclinado a aceitar, mas só vou bater o martelo em fevereiro”, diz Genoino. “Se for, meu foco será o novo papel das Forças Armadas na sociedade. A Comissão é uma decisão de governo. Como assessor, vou ajudar em todas as áreas que o ministro determinar.”

O deputado desdenha do desconforto que o convite poderia causar entre os militares lembrando ter sido condecorado pelas três Forças Armadas: Marinha e Aeronáutica durante o governo FHC e Exército no governo Lula. De todo modo, um general da reserva, Paulo Chagas, expôs em artigo na internet o descontentamento da caserna com o convite, especulando as possíveis razões para a ida de Genoino para a pasta. A mais preocupante delas, escreveu, a de que “se pretenda desmoralizar definitivamente os militares”, subordinando-os “a um ex-guerrilheiro, derrotado na luta armada, ‘mensaleiro’, rejeitado nas urnas e, por via de consequência, desempregado”.

Chagas termina o texto com a pergunta: “Por que, realmente, em meio a duas centenas de milhões de brasileiros, seria o Sr. José Genuíno, detentor de um currículo no mínimo controverso em relação à caserna, o escolhido para assessorar pessoalmente o atual ministro da Defesa?” Genoino preferiu não responder à provocação. Em maio do ano passado, o general Maynard Santa Rosa foi exonerado da chefia do Departamento Pessoal do Exército por ter soltado nota chamando a Comissão da Verdade de “comissão da calúnia”, a ser integrada por “fanáticos”. No projeto, está previsto que os sete conselheiros da Comissão serão nomeados pelo presidente da República.

Para evitar uma crise logo no início do governo, Dilma preferiu não demitir e aceitou as explicações e desculpas do recém-nomeado ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), José Elito Siqueira. Ao tomar posse no cargo, Siqueira teria declarado ser contrário à instalação da Comissão da Verdade e que “não temos de nos envergonhar ou nos vangloriar” porque houve desaparecidos. A acentuar que, ao ser empossada, Dilma homenageou quem tombou ao lutar contra a ditadura. O general garantiu à presidenta que suas palavras foram tiradas de contexto por alguns jornalistas presentes.

Se levar a cabo a intenção de destacar internacionalmente seu governo e o Brasil pela defesa dos direitos humanos, Dilma Rousseff se encontrará muitas- vezes às voltas com perguntas sobre os abusos cometidos por parceiros, como Cuba e Irã. “Neste caso, a presidenta vai fazer contraponto com outras nações onde os direitos humanos também são ameaçados. Dirá que apedrejar pessoas de fato é ir contra os direitos humanos, mas que a pena de morte é igualmente condenável e é aplicada, por exemplo, nos Estados Unidos”, disse a CartaCapital uma fonte do Itamaraty.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada na quarta-feira 12 revelou que um assessor do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, se queixou ao embaixador brasileiro em Teerã que seu governo estaria “incomodado” com as referências de autoridades brasileiras ao desespero dos direitos humanos em seu país. Em dezembro, em entrevista ao jornal Washington Post, Dilma criticou a opção do Brasil pela abstenção na ONU à condenação das violações de direitos humanos no Irã. “Não concordo com práticas que têm características medievais para as mulheres”, declarou. “Eu me sentiria desconfortável, como mulher presidenta eleita, se não dissesse nada contra o apedrejamento”, disse Dilma, comentando a condenação da iraniana Sakineh Ashtiani.

Em entrevista recente, Nelson Jobim declarou que ter uma presidenta que militou na luta armada e foi presa e torturada não muda a conduta do governo em relação à ditadura. “Não vai alterar nada”, disse Jobim. Mas, em seu primeiro mês de governo, Dilma dá sinais de que terá, sim, um olhar diferenciado. Na terça 11, foi publicado no Diário Oficial que a presidenta vetou o projeto de lei que dava o nome de um governador nomeado pela ditadura ao campus de Londrina da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Para a primeira viagem oficial, à Argentina no dia 31, está previsto um encontro de Dilma com as mães da Praça de Maio, e possivelmente uma visita à famigerada Escola de Mecânica da Marinha (Esma), por onde teriam passado 5 mil presos políticos.

Com histórico semelhante ao de Dilma, Michelle Bachelet conseguiu, como presidenta do Chile, avançar nas investigações sobre os crimes da ditadura, embora não tenha, como desejava, mudado a lei da anistia. Não à toa, Dilma está lendo sua biografia, Bachelet em Terra de Homens.

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Fonte: CartaCapital