Esta nova geometria européia permite à força hegemônica impor aquilo que Bernard Kasen denomina, na revista Le Monde Diplomatique, "assentimento de Berlim", em analogia com o doloroso "assentimento de Washington", imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) à América Latina e à África durante as décadas de 1980 e 1990.

Entretanto, as analogias vão longe. A exemplo de como os EUA foram "premiados" com a repulsa dos competidores inferiores e o ódio de suas vítimas em escala mundial, o mesmo começa a "premiar" também a Alemanha em escala européia.

A revista alemã Der Spiegel se questionava há alguns dias "por que nos odeiam", remetendo à correspondente pergunta de Bush Jr. depois de 11 de setembro de 2001. "Se a Alemanha se considera o corajoso bombeiro que intervém em qualquer incêndio na Europa, os demais europeus consideram que a Alemanha é o incendiário", escreveu a britânica The Economist.

E no coro de todos que cauterizam e satanizam "Frau" Merkel por seu chauvinismo econômico somaram-se recentemente vários políticos que serviram durante décadas na concepção alemã da União Monetária Européia.

Já nas últimas semanas, as taxas alemãs de juros do endividamento evoluíram ascendentemente, assim como os CDS. A "hora da verdade" chegará se a crise fiscal levar à beira da derrocada e, consequentemente, também, ao mecanismo de salvação não só de Portugal, mas, também, da Espanha.

Neste caso, de acordo com as avaliações do Wall Street Journal, "a salvação dos Estados vulneráveis, assim como dos bancos franceses e alemães (que possuem 48% do total da dívida dos dois Estados ibéricos) exigirá o gigantesco volume de 2 trilhões de euros". Assim sendo, se 2010 foi carimbado pela crise fiscal dos países da periferia da Zona do Euro, 2011 poderá levar esta crise ao seu próprio núcleo de "linha dura".

Vítimas do modernismo

A rápida disseminação dos sentimentos anti-europeus na Alemanha explica-se pelo fato de que, enquanto a moeda comum provou-se particularmente favorável para o capital monetário e industrial da Alemanha, o mesmo não aconteceu com as camadas populares do país.

Na véspera de Natal, uma reportagem do Wall Street Journal, realizada no coração industrial da Bavária, revelou as explosivas desigualdades que alimentam a aversão contra a moeda comum. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na década passada os salários reais na Alemanha foram reduzidos em 4,5%.

Este é o segredo oculto da hegemonia alemã na Zona do Euro. O Acordo de Estabilidade e Desenvolvimento trouxe violentas pressões sobre o trabalho em toda a Europa. Os países do Centro da Europa e, principalmente, a Alemanha registraram muito maior eficácia na disciplina (leia-se arrocho) dos trabalhadores.

O resultado foi o recuo da competitividade dos países da periferia européia, considerando ainda que sua entrada à Zona do Euro realizou-se com paridades altíssimas. Em consequência, registraram déficits estruturais em suas atuais transações, enquanto os países do Centro da Europa e, novamente, a Alemanha registraram superávits estruturais. Aqui está o coração do problema da Zona do Euro e não no corrupto e ineficaz Poder Público dos países do Sul europeus.

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Fonte: Monitor Mercantil