As transferências compreendem os gastos com benefícios previdenciários, o abono salarial, o seguro desemprego, os benefícios assistenciais e o programa Bolsa Família. Em 2010, o governo Lula transferiu às famílias cerca de R$ 75 bilhões a mais do que o governo Fernando Henrique em seu último ano. Isso ajuda a explicar a grande popularidade de Lula, que deixou a presidência com mais de 80% de aprovação.

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Receita da União só não cresceu no governo Lula em 2003

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O feito de Lula só foi possível porque a receita da União cresceu de forma contínua durante o seu governo (com exceção de 2003) e porque, nos dois últimos anos, o ex-presidente conseguiu reduzir o superávit primário do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), sem comprometer a trajetória de queda da dívida pública líquida em relação ao PIB.

A receita líquida do governo federal cresceu 2 pontos percentuais do PIB de 2002 a 2010, de acordo com dados do Ministério da Fazenda. E o superávit primário caiu 0,9 ponto percentual (quando não se considera a receita com a cessão onerosa dos 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal à Petrobras, feita durante o processo de capitalização da estatal, e os recursos alocados no Fundo Soberano do Brasil). Com maior receita e menor superávit, Lula conseguiu elevar substancialmente as transferências de renda e aumentar um pouco os recursos para os investimentos e para a educação.

A fórmula de aumento contínuo da receita e redução do superávit primário não poderá ser repetida por Dilma, pelo menos não na mesma intensidade usada por Lula. É provável que a arrecadação do governo federal aumente este ano, em relação a 2010 (sem considerar na comparação a receita com a cessão onerosa do pré-sal obtida no ano passado).

Alguns especialistas acreditam ser possível uma elevação da receita bruta da União em até 0,5% do PIB, principalmente com a recuperação da rentabilidade das empresas, que se refletirá em maior arrecadação do Imposto de Renda. Essa elevação seria garantida também por uma maior formalização da economia e com o aperto da fiscalização. No entanto, é muito improvável que o governo consiga aumentar a receita de forma contínua ao longo de todo o mandato da presidente Dilma.

Depois de eleita, Dilma ensaiou a proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com alíquota de 0,10% Ao que parece, a ideia foi abandonada, embora sempre exista a possibilidade do tema retornar no Congresso. Se a CPMF vier a ser recriada, a sociedade poderá exigir que a receita do imposto do cheque represente um adicional de recursos para a área de saúde e não apenas substitua outras fontes de financiamento, como ocorreu em passado recente. Assim, esse dinheiro não poderia ser utilizado em outras despesas.

A opção de reduzir a meta de superávit primário, como fez Lula, é ainda mais difícil. Dilma está começando o seu mandato com um superávit primário do governo central muito baixo, da ordem de 1,3% do PIB (sem considerar no cálculo a receita da cessão onerosa do pré-sal). O superávit terá que aumentar, pois este mês o Banco Central (BC) inicia uma rodada de elevação da taxa básica de juro da economia (a Selic). Esse movimento do BC resultará em aumento do custo da dívida pública. Para que a dívida líquida mantenha uma trajetória de queda em relação ao PIB, será necessário elevar o superávit primário do setor público.

Por causa de seu impacto em várias despesas orçamentárias, um aumento muito forte do salário mínimo durante o governo Dilma, nos moldes daquele registrado durante o governo Lula, comprometerá as contas do governo federal. Cada R$ 1 a mais no piso impacta o Orçamento da União em R$ 286,4 milhões. Além disso, impedirá a destinação de mais recursos para a educação e os investimentos em infraestrutura, áreas consideradas prioritárias pela presidente Dilma.

Se o piso salarial for aumentado para R$ 580 este ano, como quer o PDT, partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o valor poderá chegar a R$ 655 em janeiro de 2012, se a regra que valeu durante o governo Lula for mantida (correção pela inflação do período mais o crescimento real do PIB de dois anos antes). A regra garantirá um reajuste em torno de 13% para o mínimo em janeiro.

Em seus primeiros dias de governo, a presidente Dilma certamente refletiu sobre as limitações orçamentárias que encontrou. Resta saber qual o caminho, no universo do gasto público, a presidente escolherá para marcar a sua administração.

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Fonte: Valor Econômico