Anualmente, reúne-se a Conferência das Partes (COP) à Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNCCC). Esta Convenção é um tratado subscrito em 1992 na Cimeira da Terra no Rio de Janeiro. Muitas centenas de diplomatas, representantes de organizações civis e agentes da comunicação social, montam anualmente um grande palco e espectáculo, a conferência e iniciativas satélite. Comunicados oficiais, centenas de relatos e notícias são produzidos e circulam à volta do mundo comentando o «aquecimento global».

Este ano a 16ª COP realizou-se em Cancun (México). Depois de Copenhaga (2009) e a caminho de Durban (2011). Os comunicados oficiais anunciam um Acordo que adiciona a criação de mais estruturas ampliando uma intricada teia de estruturas técnicas e financeiras que vem sendo construída desde 1997 (quando foi acordado o Protocolo de Quioto, ainda em vigor, e que é suposto ser renovado a partir de 2012). Uma vez mais (como há um ano em Copenhaga) os progressos foram escassos e qualquer decisão substancial adiada; dir-se-ia que a diplomacia tem claudicado sistematicamente, mas que sistematicamente teima continuar, procurando não dar parte de fraqueza, num caminho que parece impossível.

Não se vê tal insistência e devoção no caso, por exemplo, do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (armas de destruição maciça que existem de facto, e produzem efeitos já demonstrados, Tratado efectivo desde 1970 e contando 187 signatários), objecto de Conferências de Revisão quinquenais, a que todavia vários países pretendem continuar a excluir-se. O que de especial fará correr a diplomacia mundial atrás das mais populares Alterações Climáticas?

O processo de controlo de emissões de CO2 (dióxido de carbono) – que essencialmente reflectem o consumo de combustíveis fósseis – prossegue o seu curso sinuoso e lento mas teimoso.

Com o passar do tempo, os países industrializados estão em vias de ver consagrado o facto de irreversivelmente se terem antecipado no consumo dessas fontes de energia finitas, enquanto os países em desenvolvimento, incluindo as «potências emergentes» (sobretudo Índia e China) deverão progredir (ou não) no seu próprio desenvolvimento, mas renunciando progressivamente à disponibilidade das mesmas; ou melhor, ao que resta delas.

Por outro lado, quando a maior parte das reservas de energia fóssil sobrantes pelo mundo fora entretanto escaparam à esfera dos activos das grandes corporações transnacionais (ExxonMobil, Shell, BP, Total, etc.), para restarem como activos de corporações estatais de alguns poucos países apenas (Aramco, Gazprom, CNPC, NIOC, PDVSA, etc.), e quando os países industrializados ou não dispõem dessas fontes de energia ou neles estas já se encontram em avançada fase de esgotamento (casos dos EUA e do Reino Unido), então o capitalismo internacional, que anteriormente colhia as rendas a montante, à boca da mina ou do poço, nos países produtores e através das corporações transnacionais, procura agora extrair as rendas a jusante do ciclo de vida dos combustíveis fósseis, no consumo final, na forma de «taxas de carbono» ou outras.

Para que esta estratégia passe desapercebida nos seus intentos, importa não admitir a escassez dos recursos fósseis ao nível da sua extracção, mas sim fazer valer o constrangimento ao nível da sua utilização final – as emissões de CO2. Para esse efeito, levantar as opiniões públicas contra os impactos negativos do consumo de combustíveis fósseis, não pelo lado factual da sua extracção desmesurada a caminho da exaustão, mas sim pelo lado da perturbação da atmosfera a caminho de hipotéticas alterações climáticas. E como táctica esquemática, dividir as pessoas que tenham opinião entre optimistas e pessimistas (quanto aos recursos), ou entre cépticos e crentes (quanto às emissões); tudo matéria de opinião; sobre que os políticos decidem a favor dos poderes económicos.

A Diplomacia das Alterações Climáticas

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) é uma estrutura de especialistas estabelecida em 1988, com sede em Genebra, por iniciativa da ONU através do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) e da Organização Meteorológica Mundial (WMO).

A Convenção Quadro da ONU para as Alterações Climáticas (UNCCC) foi depois adoptada na Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, em Junho 1992, que conta actualmente com 194 países signatários.

O trabalho técnico tem sido desenvolvido desde então pelo IPCC, apoiado em grupos de trabalho de especialistas. Anualmente, Conferências das Partes (COP) têm congregado os altos responsáveis políticos dos países signatários da UNCCC, Conferências onde as decisões políticas vão sendo tomadas. O objectivo destas estruturas internacionais é averiguar a influência das actividades da sociedade humana sobre o clima, identificar eventuais impactos negativos e formas de os evitar ou combater, e assegurar o compromisso internacional no alcance desses objectivos. O objectivo último tornou-se assumidamente estabilizar o teor de gases com efeito de estufa na atmosfera, a nível que presumivelmente previna interferência antropogénica no sistema climático que possa induzir riscos climáticos gravosos. A fronteira entre conteúdos científicos e objectivos político-diplomáticos, e as respectivas interdependências, tornaram-se inextrincáveis. São diplomatas que afirmam, com ar sério, o objectivo político de limitar a elevação da temperatura média planetária a 2ºC, como se alguém, incluindo o IPCC, pudesse explicar plausivelmente como é que tal poderá ser previsível e alcançável.

O ponto de partida desta polémica que virou em tema forte da política internacional foi a constatação do acréscimo da concentração de CO2 na atmosfera verificada ao longo do século XX, atribuído ao incremento de emissões de CO2 resultantes da crescente utilização de energia de origem fóssil (carvão, petróleo e gás natural), e o potencial impacto desse incremento sobre a dinâmica da atmosfera, incluindo alterações climáticas. O cientista sueco Svante Arrhenius, cerca de 1900, já associara as variações climáticas das épocas glaciares e inter-glaciares a variações do teor atmosférico de gases com efeito de estufa, e conjecturara o acréscimo de temperatura à superfície do globo como consequência da elevação da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Ao longo do século XX as Ciências da Terra e Planetárias permitiram aprofundar esse e muitos outros agentes e fenómenos que governam o Sistema Climático terrestre.

O Protocolo de Quioto foi negociado e aprovado na terceira Conferência das Partes (COP 3), em Dezembro de 1997, e regulamentado pelo Acordo de Marraquexe (COP 7), em Novembro de 2001. Entrou em vigor em Fevereiro de 2005, e tem 192 países signatários, sendo que os EUA excluíram-se até à data, por não terem ratificado a sua adesão. Os países foram arrumados em três categorias: industrializados, compreendendo os «desenvolvidos» e os «em transição», e os «em desenvolvimento». Aos industrializados foram fixados limites de emissão no horizonte de 2012; aos «em desenvolvimento» não (por enquanto). A maioria dos países industrializados aceitou a limitação de emissões de gases de efeito de estufa (GEE) com metas obrigatórias a serem atingidas no período 2008-2012, pelo menos 5% abaixo dos níveis verificados em 1990, ou seja, 30% abaixo das estimativas num cenário fictício business as usual.

A Convenção previu e o Protocolo estabeleceu «mecanismos de flexibilização» que teriam em vista favorecer a eficácia financeira da implementação do Protocolo. São esses: Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (CDM), Implementações Conjuntas (JI) e Comércio de Certificados de Emissão (ET). Os CDM e JI são mecanismos que creditam investimentos feitos por países desenvolvidos em projectos executados em países «em desenvolvimento» (CDM) ou em países de «economia em transição» (JI). Estes ditos mecanismos de flexibilização afirmam o ideal do paradigma económico oficial segundo o qual o mercado conduz à optimização da aplicação dos recursos; recursos financeiros, note-se, não recursos económicos no sentido material.

O Protocolo estabelece então quotas de emissões permitidas a cada país e reconhece os respectivos títulos de emissão autorizados. Cada estado distribui internamente os respectivos títulos; é discutível se essa atribuição é gratuita ou onerosa, com base em critério histórico ou técnico, se em quantidades pré-definidas ou em leilão; aí também se jogam os interesses e as influências de grupos económicos que procuram captar benefícios a nível de cada país.

O comércio interno e externo desses títulos permitirá redistribuir interna e externamente os «direitos» ou «licenças» de emissão, conduzindo magicamente ao mínimo de emissões (redução máxima) com o mínimo de meios financeiros (eficiência máxima). Este é o esquema financeiro designado Comércio de Emissões. Agências nacionais e internacionais põem em prática e promovem os quadros técnicos e institucionais para atribuição de títulos de emissão às empresas, as quais subsequentemente os podem transaccionar entre si.

O Comércio de Emissões converte a escassez – de combustíveis fósseis ou de capacidade de recepção do sistema climático – em uma nova oportunidade de negócio. E os fluxos de combustíveis fósseis e de gases de combustão tornam-se, por esta via, em potenciais alvos de especulação financeira.

A União Europeia tem sido o promotor mais destacado das negociações em torno das «Alterações Climáticas» e na implementação do comércio do carbono. O Banco Mundial e algumas «bolsas de permuta de carbono» (Carbon Exchanges) entraram neste negócio há já vários anos (Chicago, Londres, Ásia, etc.). Muitas outras instituições financeiras entraram neste jogo também.

A Conferência de Cancun reuniu representantes dos 194 países subscritores da UNCCC, incluindo 37 países «industrializados» que subscreveram também o Protocolo de Quioto (excepto os EUA que o não ratificaram) e que como tal assumiram o princípio de limitar as suas emissões. A Conferência afirmou (ousadamente) o propósito da UNCCC trabalhar para limitar a elevação de temperatura a 2ºC. Apelou aos países industrializados em falta para assumirem metas quantificadas (o que ficara de ser concluído desde a COP-15 em Copenhaga), e apelou à sua comparticipação a favor de um «Fundo Verde para o Clima» e de um «Comité de Mecanismos Tecnológicos»; esse Fundo deverá estar constituído até 2012 e recolher anualmente dotações de pelo menos 100 mil milhões de dólares em 2020. Estes dois instrumentos deverão apoiar o investimento de tecnologias energéticas «limpas» (não emissoras de CO2, ou seja, evitando combustíveis fósseis) em países em desenvolvimento. As florestas deverão ser preservadas.

Dos Mitos às Realidades

Por outras palavras, a dívida dos países industrializados, cujo progresso material assentou no recurso irrestrito a combustíveis fósseis (próprios e importados dos países em desenvolvimento) e em tecnologias próprias, para com o resto do mundo onde vive a maior fracção da humanidade e que consumiu uma fracção menor desses recursos, parece querer ser saldada mediante a oferta de tecnologias alternativas mas alheias, ao módico ritmo de uma centena de milhões de dólares ao ano. Note-se que, actualmente, as trocas internacionais de combustíveis fósseis se cifram na ordem de 2.000 mil milhões de dólares ao ano, predominantemente de países em desenvolvimento para países desenvolvidos. A disparidade é flagrante e a insatisfação moral e material de muitos países é compreensível.

As estratégias de restrição da emissão de produtos da combustão encontram eco junto da opinião pública. Todos concordarão que é uma boa causa evitar resíduos ou eliminá-los adequadamente. Mas tais estratégias de restrição não atingem objectivos climáticos seguros, ou se os atingirem será a longo prazo; os objectivos atingidos de certeza e a breve prazo serão de política económica, nomeadamente política energética, visando superar a redução da disponibilidade de combustíveis fósseis e a sua urgente substituição por fontes de energia alternativas.

Então, como o CO2 não é perceptível pelos sentidos, nem é tóxico nem de outra forma poluente, foi preciso invocar o papel que desempenha no balanço energético atmosférico para pôr em evidência a sua existência e influência potencialmente negativa sobre o clima. Assim, políticos astuciosos, incluindo grupos económicos dos mais poderosos, transferiram (ou mascararam) um problema de política energética (energia que a população tem como serviço indispensável e dado por adquirido no imediato e ilimitadamente) para uma questão de prevenção e mitigação de eventuais impactes climáticos (perceptíveis a cada dia que passa ainda que só ganhe existência material a prazo dilatado).

As Alterações Climáticas foram levadas a preencher o imaginário popular, mesmo que poucos entendam com razoável rigor o que signifiquem, e muitos menos se apercebam do que realmente se encontra por de trás dessa «mudança global» – muito mais forçada mudança de paradigma energético com impacto civilizacional do que mudança climática antropogénica.

O tema tem sido matéria de mistificação em grande escala e explorado pelas agendas de interesses da grande indústria transnacional e do capital financeiro internacional, e preenchido as agendas públicas e ocultas da diplomacia mundial, seja no sentido de assegurar o domínio imperialista seja pelo contrário no sentido de afirmação da soberania nacional.

Subjacente está a mudança de paradigma energético, forçada pela propriedade e escassez progressiva dos combustíveis fósseis, que suportaram o rápido crescimento económico e demográfico desde o alvor da revolução industrial, traduzidas em cada vez mais frequentes crises energéticas com repercussões económicas, alimentares e financeiras, bem como na contemporânea alteração de correlação internacional de forças e ascensão da militarização e da guerra nas relações – de que o conflito do Médio Oriente e a guerra e as ameaças bélicas levadas à Ásia são trágicos testemunhos.

O Sistema Climático Terrestre

No âmbito das Ciências da Terra já há muito tempo se havia colocado a questão do condicionamento das condições climáticas pela estrutura e composição da Atmosfera. O cientista sueco Arrhenius terá sido o primeiro a estabelecer no início do século XX uma relação entre a temperatura à superfície do globo e a concentração ou teor de CO2 na atmosfera. Mas as alterações climáticas (incluindo as glaciações), testemunhadas nos registos geológicos ao longo de centenas de milénios, foram cabalmente explicadas pela sua sincronização com a variação periódica de factores astronómicos que o matemático e geofísico sérvio Milutin Milankovitch estudou e descreveu nas primeiras décadas do século passado.

Hoje parece seguro que o principal factor que determina a temperatura (e outras condições físicas) à superfície da Terra é a intensidade do fluxo de energia irradiada pelo Sol que atinge o globo terrestre; que essa intensidade está modulada pelos ciclos astronómicos de Milankovitch (longos de milhares de anos), e bem assim, pela variabilidade da actividade solar (que inclui em particular os ciclos curtos de actividade solar de 22 anos); e que o dióxido de carbono é um de vários agentes amplificadores dessa influência, que partindo do Sol, se repercute na atmosfera terrestre.

As Ciências Planetárias reforçam e esclarecem a influência da composição da atmosfera quando, por exemplo, compara as condições físicas vigentes à superfície da Terra comparativamente a Marte e Vénus. E a Astrofísica, por seu lado, explica a natureza e modela a variabilidade de estrelas como o nosso Sol, ao longo de diversas escalas de tempo.

Os fenómenos meteorológicos e as características climatológicas a longo prazo num local ou de uma região ou do planeta são determinadas pelo input de energia solar, as condições de superfície (aqui se inclui a grande diferença entre oceanos e continente, e entre desertos e florestas) e pelas propriedades físico-químicas da Atmosfera (designadamente composição físico-química em gases e aerossóis).

Alterações na composição da Atmosfera são atribuíveis ou a causas naturais, designadamente actividade vulcânica intensa e fogos florestais em larga escala, ou a causas artificiais ou antropogénicas. Entre estas destacam-se as emissões de gases e aerossóis na queima de combustíveis fósseis; a principal emissão antropogénica é o dióxido de carbono, um gás não poluente que é ingrediente fundamental para a fotossíntese, na base de toda a cadeia trófica em que assenta a produção de toda a biomassa.

A emissão de CO2 resultante da combustão de combustíveis fósseis é apontada como o mais importante factor antropogénico de forçamento do clima terrestre. Pontos de consumo intensivo de energia, sobretudo de origem fóssil, quer centrais termoeléctricas quer densas áreas metropolitanas, são as principais fontes de emissão térmica e de CO2. Actividades agrícolas e florestais extensivas, sobretudo alterações nos usos dos solos e/ou da água (desflorestação, desmatação, drenagem ou alagamento) afectam o ciclo do carbono (incremento positivo ou negativo do balanço do CO2), o ciclo da água e o albedo.

O Carbono existe na atmosfera na forma de dióxido de carbono (CO2). A sua excepcional importância reside em ser elemento estrutural de toda a matéria orgânica (Biosfera).

Mas o maior reservatório natural de carbono no planeta Terra é de longe a Crusta da Litosfera (parte sólida mais periférica da Terra), onde se encontra na forma de carbonatos ou de matéria carbonácea (de remota origem orgânica); segue-se-lhe em dimensão o Oceano (a maior extensão da Hidrosfera) onde se encontra sobretudo na forma de ácidos carbónico e hidrocarbónico; reservatório importante mas menor é a Biosfera (muito maior a terrestre do que a oceânica); e finalmente a Atmosfera que é o menor de todos os reservatórios planetários.

Estes vários reservatórios estão em interacção entre si, mediante fluxos permanentes mas variáveis.

A quantidade e a concentração de CO2 na atmosfera têm aumentado em termos médios ao longo dos dois últimos séculos, de 280 para 360 ppm (partes por milhão). Este incremento tem sido plausivelmente atribuído às emissões de CO2 devidas à queima dos combustíveis fósseis desde o limiar da revolução industrial, que presentemente atinge já a taxa anual de 7 GtC (mil milhões de toneladas de carbono). Perto de metade desse CO2 foi removida da atmosfera nos fluxos para os restantes reservatórios planetários, mormente e comprovadamente para o Oceano; a remoção para a Crusta é difícil de monitorar e de estimar mas é certamente importante; o balanço entre a atmosfera e a Biosfera é de sinal incerto e depende das actividades agro-florestais. O facto é que só menos de metade do CO2 antropogénico emitido a longo prazo se acumulou no stock atmosférico, porquanto a outra parte foi daí escoado para os restantes reservatórios planetários. E, por outro lado, a concentração do CO2 oscila sazonalmente (com amplitude de quase 10 ppm) em função de oscilações sazonais dos fluxos de e para a atmosfera (consoante é o hemisfério Norte ou Sul que está mais exposto à irradiação solar).

O período de testes nucleares efectuados na atmosfera na década de 1960 proporcionou uma experiência única neste respeito; o radiocarbono então introduzido na atmosfera foi progressivamente removido pelos fluxos de CO2 da atmosfera para os restantes reservatórios, provando que o tempo de residência do CO2 na atmosfera é de alguns anos apenas (não mais de vinte). O que significa que após uma perturbação – como é o pico de emissão de CO2 na presente era de energia fóssil – o reajustamento do equilíbrio da atmosfera com os demais reservatórios se processará rapidamente (na escala de décadas).

Modelos e Cenários

Os gases com efeito de estufa (GEE) que são contabilizados para efeitos das negociações internacionais são CO2, CH4, N2O, HFC, PFC, SF6 – mas o dióxido de carbono CO2 é, destes todos, o preponderante na nossa atmosfera. O CO2 é um constituinte atmosférico menor, todavia importantíssimo por ser reagente, produto e veículo do metabolismo dos seres vivos. O CH4 é um constituinte vestigial, produto de decomposição de matéria orgânica (em condições químicas redutoras) e componente principal do gás natural (combustível fóssil). Os restantes são também constituintes vestigiais, o N2O sendo também emitido na queima de combustíveis fósseis, e os demais são gases industriais.

Os cenários de emissão de GEE são construídos sobre projecções futuras de quatro pressupostos de natureza socio-económica e tecnológica para cada país/região do mundo: i) evolução demográfica, ii) evolução de nível/padrão de vida (GDP/capita), iii) evolução da intensidade energética da economia (Energia/GDP) e iv) evolução tecnológica da intensidade de Carbono (Emissões CO2/Energia). Depois é «simplesmente» calculada a taxa de emissão, região por região:
Emissões = (População) x (GDP/capita) x (Energia/GDP) x (Emissões CO2/Energia).

E finalmente é tomada a soma sobre todo o mundo.

Os cenários de Alterações Climáticas produzidos pelo IPCC apoiam-se em cenários de consumo de energia e de emissões de CO2 fornecidos pela Agência Internacional de Energia, que tacitamente tem assumido quer recursos naturais quer capacidade de recepção do sistema climático ilimitados. Porém, a base de recursos de combustíveis fósseis é finita, e não permite de todo suportar os cenários de emissões mais extremos, todavia ainda assim formulados, como veremos.

Os 40 cenários de emissões anuais de CO2 (provenientes da queima de combustíveis fósseis) admitem vários ritmos de crescimento dos seus factores e concluem por perfis de emissão que apresentam notória dispersão no horizonte de 2100. Destes, 34 admitem a taxa de emissão ser em 2100 superior à que foi em 2005; e não menos de 17 até admitem a produção e consumo de petróleo ser em 2100 superior à de 2005. Todos eles exibem capitações de taxa de emissão de CO2 a longo prazo que implicam presumir a disponibilidade de reservas últimas de combustíveis fósseis irrealistas, muito superiores a 1.300 Gtoe (mil milhões de toe = tonelada equivalente de petróleo) – valor plausível da soma de reservas últimas de carvão, petróleo e gás natural.

Quanto à modelação de cenários climáticos, esta introduz as suas próprias incertezas, não obstante os enormes progressos em capacidade de cálculo numérico para o efeito necessário, porque a modelação repousa sobre o conhecimento (em alguns aspectos importantes incompleto ou ainda incerto) que se tem do Sistema Climático. Aliás, o estudo da Variabilidade e de Alterações Climáticas tem sido um forte estímulo para a investigação detalhada dos inúmeros processos metabólicos do Sistema Climático, anteriormente ignorados, que são ou deverão ainda ser incorporados nessa modelação. São de facto ainda incipientes os conhecimentos de alguns fenómenos fundamentais, designadamente: a variabilidade da actividade solar (irradiação e magnética), que alimenta o sistema climático planetário; o efeito das nuvens no balanço energético planetário; os factores que determinam ou condicionam a formação e as propriedades das nuvens (tais como actividade vulcânica e radiação cósmica).

Quando a interpretação das alterações climáticas do passado é ainda insuficiente – mesmo as relativamente recentes, como a «pequena glaciação» e a relativa supressão de actividade solar (Maunder minimum) nos século XVII e XVIII – parece grande ousadia propor cenários futuros com um século de alcance como base para decisão política. Essa ousadia torna-se suspeita quando é dado de observação que o nível médio de actividade solar na segunda metade do século XX é o mais elevado no registo dos últimos milhares de anos.

Conclusão

Em consequência, a necessidade de tomar medidas para limitar o crescimento das emissões de GEE não é universalmente aceite.

E a repartição do esforço internacional na redução de tais emissões é matéria de acesa disputa, sobretudo entre «países desenvolvidos», que ao longo do século passado emitiram o grosso de CO2 e outros gases industriais, e «países em desenvolvimento» de que alguns se tornaram recentemente grandes emissores também, e ainda assim com capitações muito menores – a China e a Índia em primeira linha.

A emissão anual presente é da ordem de 7 GtC (mil milhões de toneladas de carbono); a emissão acumulada no período de 1850 a 2009 estima-se em 350 GtC. Todavia essas emissões localizaram-se maioritariamente em países desenvolvidos, a partir de datas mais remotas e com capitações muito superiores às verificadas ainda hoje nos países em desenvolvimento. Daí falar-se em uma dívida internacional que – face aos consumos de combustíveis fósseis e correspondentes emissões já acumuladas, e face às reservas remanescentes ainda acessíveis (de acordo com as reservas últimas estimadas) ou face às emissões ainda toleráveis (de acordo com os documentos oficiais da UNCCC) – é de tal dimensão, que é já de todo impossível saldar essa dívida em termos equitativos (com respeito aos recursos fósseis disponíveis ou à capacidade de recepção atmosférica, consoante a abordagem) entre todos os países.

O saque histórico será pois insanável, seja qual for a linha de argumentação invocada.

O que não é obstáculo à exploração de novas oportunidades de negócio e especulação pelo capital financeiro, ameaçando novas aventuras no contexto da já profunda crise.

Alterações radicais de paradigma energético persistem como necessidade premente mas adiada, sem que pelas instituições internacionais e na maioria dos países sejam assumidas opções de fundo. O que não obsta a que, em corrosiva competição entre sectores industriais (energia fóssil, nuclear ou renováveis, electroprodutor, transportes, etc.), todos eles vão, à vez, sacando seus privilégios dos poderes políticos ao serviço do capital.

Nestes respeitos, as Alterações Climáticas têm sido abusadas como cortina de fumo ou objecto de distracção.

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Fonte: ODiario.info