Entendemos que essas transformações contribuíram para aumentar os processos de terceirização e precarização do trabalho. Observamos que um dos setores mais atingido pelas mudanças nas formas de produção capitalista foi o setor de confecções. Foram mudanças significativas e que contribuíram para a constituição e ampliação das cadeias produtivas no Brasil.

Entendemos que essas mudanças tratam-se na verdade de novos arranjos em decorrência das reestruturações produtivas, visando atender também as necessidades de flexibilização da produção, adequar-se à lógica do atual estágio de desenvolvimento econômico, baseado mais na dinâmica do capital financeiro do que produtivo. Esses novos arranjos caracterizam-se pelos processos de enxugamento de partes do processo produtivo, transferindo a produção para empresas terceiras, aumentando consideravelmente os postos de trabalhos precários.

Consideramos que esses processos se aprofundam na década de 90, em decorrência das políticas neoliberais implementadas pelos governos Collor e FHC. No inicio dos anos 1990, o governo Collor, adotou política agressiva de desindustrialização, com abertura comercial, extinguindo as barreiras não tarifárias e redução das alíquotas de importação, mas foi sob o governo de FHC que se aprofundaram as políticas neoliberais no país, com a redução das tarifas aduaneiras que articulado com a sobrevalorização do câmbio, fez crescer muito as importações, inclusive sobre os produtos manufaturados. Com o processo de abertura econômica, os empresários brasileiros foram obrigados a investir em novos equipamentos e técnicas de produção, implementando reestruturações no setor produtivo, visando proteger suas empresas e ter condições de disputa no mercado. Essas reestruturações provocaram mudanças na organização da produção, ampliando consideravelmente os processos de terceirização.

A abertura implementada por Collor e aprofundada por FHC, afetou profundamente o setor de confecções, por exemplo, pois ocorreu processo acelerado de entrada de produtos importados no país, especialmente de tecidos e roupas em grande volume e a preços baixos. Este processo provocou a redução da produção ou suspensão das atividades produtivas em diversas empresas verificando ainda a falência de muitas outras, como exemplo, citamos as diversas fábricas fechadas no pólo de confecção de Americana, interior do Estado de São Paulo.

As empresas que sobreviveram a esta abertura, iniciaram as reestruturação fechando postos de trabalho e transferindo muitos trabalhos para as empresas em geral menores e que se dedicavam aos trabalhos mais simples, no entanto as condições de trabalho eram mais precárias. Essa reestruturação implicou em modernização tecnológica e adoção de modernas técnicas de gestão tendo como pressuposto o enxugamento de custos e a qualidade total. Implicou em fechamento de unidade de produção, deslocamento espacial para estados e regiões que ofereciam maiores incentivos à instalação de fábricas e terceirizando parte da produção. Como resultado houve uma redução drástica do número de trabalhadores utilizados nas grandes unidades.

Esse processo migratório ocorreu principalmente em decorrência da abertura econômica, intensificando-se e afetando principalmente a indústria de vestuário. Além de buscar recuperar mercado perdido pelas empresas asiáticas, as indústrias de vestuário, buscaram também incentivos fiscais, mão-de-obra barata, em uma região (Nordeste) onde o movimento sindical era frágil. Outra vantagem observada pelo autor refere-se às cooperativas de confecções situadas nas cidades do sertão nordestino, para onde as indústrias transferiam parte da produção. Entre tantos fatores que contribuíram para migração das empresas para o nordeste, estão as vantagens prometidas pelos estados nordestinos, destacando o Ceará que propôs: infra-estrutura, isenção fiscal, mão-de-obra abundante, treinamentos e qualificação dos trabalhadores, terceirização via cooperativas. Compreendemos que essa mudança que ocorre com as empresas (reestruturação) contribuiu para que vários postos de trabalhos considerados estáveis, da ponta virtuosa das empresas, fossem extintos e transferidos também para as empresas terceiras, aumentando assim na ponta da cadeia produtiva, os trabalhos instáveis, mal pagos, informais e com longas jornadas de trabalho.

Observamos ainda que quanto mais se amplia a cadeia de produção, mais se difundem os processos de trabalhos precários vivenciados pelas mulheres; multiplicam-se novas e velhas formas de trabalho, como o trabalho temporário, a domicílio, part-time, que, em vez de marginais ao desenvolvimento econômico, se mostram altamente funcionais. Verificamos que surgem novas formas de trabalho (que incluem velhas formas reativadas no novo contexto), marcados não só pela deterioração das condições de trabalho da maior parte dos trabalhadores, mas também pela exclusão social dos setores mais vulneráveis do mercado de trabalho e nestes setores, as mulheres são as que vivenciam as mais precárias condições de trabalho. O processo de terceirização trata-se na verdade de uma prática empregada na maioria dos casos como forma de redução de custos, impondo aos trabalhadores relações de trabalho instáveis, redução de salários e benefícios e condições de trabalho degradadas, aumentando também neste processo, os acidentes de trabalho.

Ao pesquisar, por exemplo uma grande empresa internacional de confecção e com filial no Brasil, Amorim (2003), pesquisadora deste setor da produção, constatou que o processo de terceirização foi:

[…] aprofundada não só por ter se difundido entre empresas de diferentes tamanhos, mas por ter suas distintas modalidades de subcontratação resgatadas e generalizadas como sendo a melhor alternativa para se obter lucratividade em escala ampliada. Entre estas modalidades destacam-se a revitalização do trabalho domiciliar e a implantação de cooperativas como os salários pagos pelo setor de confecção já são baixos, os empregadores procuraram reduzir os custos com os encargos da produção, transferindo-os para as trabalhadoras domiciliares ou para as trabalhadoras em cooperativas (AMORIM, 2003).

Entendemos que uma das principais alternativas utilizadas pelos empresários para baratear a produção e reduzir custos com a força de trabalho, foi a criação de cooperativas de trabalho, que são na verdade falsas cooperativas utilizadas pelos empresários como forma de isentar as empresas das responsabilidades trabalhistas. Intituladas como cooperativas de trabalhadores, no entanto os trabalhadores não participam das decisões das mesmas, não decidem como deve ser a produção e muito menos como serão divididos os lucros. Estas cooperativas representam “[…] novas formas de terceirização e flexibilização das relações de trabalho, constituindo-se fator de atração de indústrias para o estado através da eliminação dos encargos sociais do custo de mão-de-obra” (LIMA, 1999).
Neste processo de terceirização, as empresas repassam cada vez mais trabalho para as oficinas que formam o segundo nível desta cadeia produtiva. Utilizamos de pesquisa realizada pela pesquisadora Márcia Leite (2004), para informar sobre o funcionamento destas oficinas:

As oficinas de costura compõem um amplo leque de pequenas empresas, que abrange desde empresas legalizadas, com 30/40 empregados registrados, máquinas de primeira geração e que chegam a fechar de 200 a 500 peças por dia na alta estação, até empresas muito pequenas, com apenas quatro ou cinco máquinas, que funcionam em fundos de quintal, sem qualquer tipo de registro ou de formalização de seus trabalhadores. È nesse nível mais precário, portanto, que se encontra uma ampla difusão do trabalho sem registro. È também nesse nível que vêm se proliferando as cooperativas, as quais, longe do modelo associativo inspirador da proposta de trabalho cooperativado do século XIX, vem se baseando em trabalho assalariado disfarçado, sem direitos trabalhistas (LEITE, 2004, p. 17).

Uma das situações mais inadequadas neste processo de terceirização no setor de confecções são as oficinas que são adaptadas em cômodos das casas. A luta pela sobrevivência obriga os trabalhadores organizarem em suas casas, espaços de trabalhos. A pesquisadora citada acima, nos informa também, como eram as condições de uma das oficinas pesquisadas, “(…) as condições encontradas foram salas mal iluminadas, máquinas apinhadas ou distribuídas pelos vários cômodos da casa, falta de ventilação suficiente, ausência de lugar próprio para refeição e mobiliário de trabalho adequado (trabalhadores sentados no chão ou sobre a mesa) parece ser a regra” (LEITE, 2004).

O trabalho a domicílio se insere em uma lógica da competitividade baseada na disputa dos mercados assentada basicamente nos preços. Este tipo de trabalho não pode ser analisado sem compreendermos o papel e disponibilidade das mulheres para executar o mesmo, ou seja, diante da dificuldade das mulheres jovens, com filhos pequenos, baixa escolaridade, de inserirem-se no mercado de trabalho, submetem-se a esta lógica perversa de trabalho, por outro lado há os casos das mulheres que preferem trabalhar em casa, o que acaba interferindo também na vida doméstica, acarretando também problemas de saúde, pois para honrar os compromissos de entrega da produção, essas trabalhadoras trabalham muitas horas por dia, sem uma jornada definida.

Conclusão

A terceirização da produção e precarização do trabalho têm sido característica dominante nos processos de reestruturação produtiva, isso posto observamos que de fato a estratégia dos empresários é reduzir custos com a produção e também com a contratação de trabalhadores. Várias são as formas que os empresários estão buscando para garantir cada vez mais esta redução, em detrimento de uma população trabalhadora submetida a uma situação cada vez mais precária, principalmente quando se constata que foram os jovens e as mulheres os mais atingidos pelas transformações observadas. As mulheres quando não estão desempregadas, em sua maioria estão executando os trabalhos mais precários e recebem salários inferiores ao dos homens.

Em decorrência das mudanças apontadas acima, constatamos o enfraquecimento sindical, que viu as categorias de trabalhadores serem reduzidas, postos de trabalhos fechados, demissão em massas em virtude das privatizações do período, reduzindo drasticamente o número de sindicalizados, diminuição da presença de trabalhadores nas assembléias, redução das greves, enfim, este processo contribuiu para que o empresariado ampliasse a jornada de trabalho, reduzindo salários, retirando direitos e terceirizando várias atividades. As implicações decorrentes das transformações já apontadas foram várias: segmentação, fragmentação, desorganização e informalidade dos trabalhos terceirizados.

Finalmente apontamos após análise de diversas pesquisas sobre o mercado de trabalho no Brasil, que de fato as políticas neoliberais implementadas pelo governo FHC, afetaram o conjunto da classe trabalhadora no país e infelizmente estamos vivenciando um momento crítico em nosso país, onde os grupos políticos neoliberais, conservadores, privatistas e antenados com os interesses do capital internacional, ensaiam de todas as formas, utilizando de todas as estratégias para voltar ao governo do país.

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Referências Bibliográficas

AMORIM, Elaine Regina. No limite da precarização: terceirização e trabalho feminino na indústria de confecção. 2003. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
LEITE, Márcia de Paula. Tecendo a precarização: gênero, trabalho e emprego na indústria de confecções em São Paulo. Caxambu: ANPOCS, 2004.
LIMA, Jacob Carlos. Novas formas, velhos conteúdos: diversidade produtiva e emprego precário na indústria do vestuário. Revista Política e Trabalho, João Pessoa, n.15, 1999.