Em nosso português palavra terminada em -nte é classificada como adjetivo, ou substantivo a depender do seu uso. (Em linguagem técnica das letras, diz-se no geral nome quando se faz referência a adjetivos, substantivos, advérbios.). Por exemplo, em Carlos é vendedor ambulante em São Paulo ambulante é um adjetivo. Mas em Aquele ambulante vem de São Paulo, um substantivo. Esse é o uso que fazemos atualmente dessas palavras. Nesse exemplo não há flexão de gênero. Ambulante aí pode ser tanto um homem quanto uma mulher, assim como várias outras com essa terminação: feirante, pedinte, amante, cadeirante, palestrante, delirante etc. Por que não há flexão de gênero?

Para responder a essa pergunta a grande maioria das gramáticas da língua portuguesa diz que se trata de um adjetivo uniforme, isto é, palavra que possui uma única forma para designar os gêneros. E para aí sem maiores explicações. Há, no entanto, resposta mais substanciosa.

No antigo latim, a terminação -nt designava o particípio presente de um verbo. No nosso português não existe essa forma. Particípio, para nós, é palavra que termina em -do. E ponto. Por exemplo: falar, falado; cantar, cantado; pular, pulado; etc., que também pode assumir a forma de adjetivo e em alguns casos de substantivo. No entanto, há resquícios desse antigo particípio presente em nossa língua: exatamente essas palavras terminadas em -nte.

Vamos entender melhor essa história, partindo do nosso português. Delirante é aquele que delira; falante, aquele que fala; pedinte, aquele que pede; etc. Dizendo assim percebe-se sua origem, quer dizer, o adjetivo delirante é formado a partir do verbo delirar. Com isso já se pode entender um pouco melhor por que esse particípio era tão usado. Trata-se de um verbo a partir do qual não havia uma forma para substantivo, ou adjetivo. Explicando melhor: por exemplo, beberrão é aquele que bebe, não há a forma bebente – em latim sim, mas em português não. Do mesmo modo, para se referir a alguém que anda não há um substantivo ou adjetivo (andão ou coisa que o valha), então, usa-se essa forma porque ela dá conta do recado. Temos a palavra andador, mas não se refere a uma pessoa e sim a uma coisa usada por uma pessoa.

E o que isso tem a ver com a flexão de gênero? Essa pergunta já é parte da resposta. Porque ao entender o uso que se fazia do particípio presente no latim antigo fica esquisito falar em gênero. Por quê? Porque o particípio presente se referia ao geral e não ao específico, isto é, quando se queria generalizar em relação às ações das pessoas o particípio presente era a forma mais indicada. Havia ainda particípio do pretérito e particípio futuro, que não vêm ao caso aqui.

Herdamos esse particípio pelo uso, assim como a língua latina em geral. O nosso português veio do latim vulgar, a língua falada pelo povo. Todas as estruturas que ainda usamos da mesma forma que eram usadas na Roma antiga nos foram legadas já flexionadas – ou declinadas, como se diz formalmente. Por exemplo, formamos o plural de uma palavra acrescentando-lhe, na maioria delas, um simples -s. Mas essa regra não vale para todas as línguas românicas – como o italiano. Por que essa diferença? Porque herdamos no português as palavras terminadas em -os, que em latim designam os acusativos no plural, isto é, os objetos diretos. Uma palavra declina-se a partir do seu nominativo que designa o sujeito de uma frase. Portanto, quando ela possui a terminação de objeto direto diz-se que sofreu declinação. Já no italiano, ficaram as palavras no nominativo plural, cuja terminação é -i, portanto, sem sofrer declinação. Por isso, nessa língua o plural se faz com a troca de terminações: bella faz plural belle no feminino, e bello, masculino, faz belli.

Com relação aos gêneros a mesma coisa. Herdamos do latim a forma de particípio presente declinada no caso ablativo, que designa os adjuntos adverbiais. Então, à terminação -nt desse particípio junta-se outra terminação -e que se refere a esse caso. Seria o seguinte, traduzindo do latim ao pé da letra: ambulante = com/por/para aquele que perambula. Em latim a terminação -e aplicada a substantivos se refere a adjuntos adverbiais. Reforçando ainda mais a ideia de generalizar a ação das pessoas. Exemplos: Vou falar com aquele ambulante; Vou perguntar para aquele ambulante. Isso em português, para explicar a ideia de ablativo.

Acredito que com essas explicações já se pode entender melhor por que em português essas palavras terminadas em -nte não possuem flexão de gênero. Porém, com relação à palavra presidente é um pouco diferente. Acredito que, apesar de também se poder dizer aquele/a que preside e indicar a ideia de generalização dessa ação, o uso como substantivo prevaleceu e, por isso, a flexão de gênero se impôs com força. Além disso, presidente diz respeito a uma pessoa em particular e essa ideia mais geral se afasta, indicando alguém especificamente. Portanto, está corretíssimo dizer ou escrever presidenta, com -a no final.