John não sabe, mas a escassos metros da sua praia, entre um conjunto de pedras ao sol, repousa uma folha de jornal com a fotografia de Che Guevara. Não a foto mais conhecida, mas uma outra, igualmente bonita. O vento morno não a conseguiu soltar das pedras. Fica bem no registo da máquina fotográfica. A pretexto do comandante, no rebobinar da fita da memória, surge Santa Clara: a vila onde está o memorial que lhe presta homenagem. Foi em Santa Clara que há 52 anos, Che Guevara dirigiu a última e decisiva batalha que pôs fim à ditadura de Batista.

Discreta, mas bonita, no coração de Cuba, a cerca de 300 quilômetros de Havana, Santa Clara apresenta-se de céu azul. Num banco de jardim, na Praça da Revolução, aproveitando a sombra de uma árvore, está uma mulher sentada com o seu bebé ao colo. A criança dorme sossegada. A mulher tem o olhar para lá da praça. O sol parece queimar. Meia dúzia de homens estão a armar um palco. Vai haver festa. Um grupo de crianças corre em brincadeiras próprias. Procura-se um sítio para almoçar. Um paladar, aconselham, é mais barato. Aparece logo alguém que sugere um.

O sítio é simpático. A ementa é apresentada em moeda nacional para os cubanos e em pesos convertíveis para quem vem de fora. Um simples esparguete pode custar cerca de 10 CUCs a um estrangeiro. Não é assim tão barato, como se auto-promovem estes paladares, pequenos restaurantes familiares, autorizados pelo governo. Na praça, ouve-se uma música saída de uns altifalantes roucos. Uma dúzia de pequenas bandeiras com o vermelho, azul e branco de Cuba, dançam, devagar, ao vento. Quatro polícias estão encostados a um canto. São eles quem tentam explicar o caminho para o Memorial de Che Guevara. Confundem-se nas indicações.

Não é longe. Do centro de Santa Clara avistam-se quatro holofotes gigantes. “É ali”, testemunham. Não há-de ser difícil lá chegar. Como não foi. Ainda que a única placa informativa sobre o local, fique, exactamente, onde já não há grande espaço para ter dúvidas…a metros da entrada do complexo de homenagem ao comandante Che.

Entra-se num espaço verde. Livre. Sente-se silêncio. Só quatro raparigas cubanas estão a gargalhar, entretidas a fazer abdominais no passeio escaldante que leva ao memorial. Uma raridade nesta Cuba fervilhante sem espaço para ginásios. Uma mulher passeia-se com o neto, à sombra de um guarda-sol, à boleia de um poema, ensinamento para meninos. Meninos especiais.

«Dos gotas de agua clara, cayeron sobre mi piel, las montañas lloraron porque mataron al Ché. El Ché murió en Bolivia, con una estella en la frente, recordando el continente de América Latina. Ché comandant, Che Guerrilheiro, todos los ninõs seremos pioneiros». Uma estrela pequena, projectada em luz, desenha-se suave sobre a madeira do mausoléu onde está o corpo de Che Guevara.

Ao lado, um braseiro arde numa chama eterna. No museu, no memorial, em todo o espaço envolvente sente-se respeito. Os turistas tiram fotos sem algazarra, falam baixo. O percurso do comandante, as vitórias, os objectos pessoais, estão ali, em modestos expositores de vidro, numa cumplicidade partilhada por quem os vê.

O calor traz com ele uma vontade enorme de água. Uma simples garrafa. Missão impossível de concretizar por perto, já que neste museu não há lojas. Nem para água, nem para boinas.

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Fonte: revista CartaCapital