Todos os brasileiros têm direito constitucional aos serviços de saúde enquanto o Estado tem o dever de prestar esses serviços. Cada país tem sua forma de organização e financiamento da saúde. No Reino Unido e no Canadá, a saúde é pública e financiada por impostos; Holanda, Chile, e Alemanha adotam o esquema do seguro obrigatório; os Estados Unidos, com as recentes mudanças aprovadas pelo Congresso, caminham também para forçar o seguro obrigatório; Austrália e Irlanda têm sistemas públicos e seguros privados.

O Brasil optou pelo modelo universal e público, financiado por diversas fontes de custeio, que compõem as contribuições sociais. Foi pioneiro na constitucionalização do direito e do dever em saúde, mas manteve aberta a possibilidade de financiamento e prestação privada. O próprio SUS presta assistência médica em sua rede e também compra serviços de estabelecimentos privados com os quais mantém convênio.

Entre os brasileiros, 25% têm plano de saúde e pagam suas mensalidades sem que isso os desonere da participação na arrecadação de tributos devidos por toda sociedade. Além disso, há fortes indícios de que é sonho de muitos outros terem acesso a um convênio médico. Frise-se que, ao fazê-lo, a pessoa não é dispensada dos deveres de contribuinte nem perde o direito à assistência do SUS.

O indivíduo que paga seu plano e usa serviços privados geridos e custeados pela operadora desonera o sistema público, já bastante combalido. Da mesma forma, as empresas que organizam planos para seus colaboradores e familiares desoneram o SUS. As empresas, assim como os indivíduos, não são obrigadas a terem plano de saúde. Se o fazem, é para manterem a força de trabalho mais saudável e produtiva, pelo acesso mais expedito a serviços médicos.

No Brasil como em quase todos os países do mundo que não garantem um sistema de saúde público de efetivo alcance universal, os planos privados têm estímulos fiscais. Na década de 70 era devolvida parte da contribuição previdenciária às empresas que dessem assistência médica suplementar aos seus funcionários e dependentes, abrindo mão do direito à assistência médica realizada pelo extinto Inamps, que carimbava a carteira de trabalho "sem direito ao Inamps", salvo para cirurgia cardíaca e microneurocirurgia.

Na Alemanha, o trabalhador com renda acima de certo limiar que contratar plano fica dispensado de contribuir para o sistema público, renunciando ao direito aos seus serviços. Mas o Estado obriga todos a terem plano, seja público ou privado. O incentivo para optar pelo privado é a dispensa da contribuição ao público. No Chile, todos os trabalhadores devem ter plano de saúde, podendo escolher entre o esquema público ou privado. No Reino Unido essa escolha não existe, embora cerca de 10% da população tenha planos privados de saúde. Na Austrália, que tem sistema público universal, o governo reembolsa 30% do valor das mensalidades de quem tem plano privado de saúde.

Nos Estados Unidos, cuja reforma do sistema de saúde ocupou recentemente bastante espaço na nossa mídia, as pessoas muito pobres têm acesso a serviços públicos de saúde, independentemente de contribuições, e os idosos são atendidos pelo Medicare público desde que tenham contribuído durante a vida de trabalho. As outras pessoas são obrigadas a contratar seguro privado de saúde, com subsídios do Estado para evitar que a prestação comprometa uma fração elevada da renda. No país do liberalismo, da livre iniciativa e do individualismo, o Estado comparece com subsídios fiscais para permitir o acesso de todos aos seguros e serviços privados de saúde.

No Brasil, predominam os planos coletivos contratados por empresas, normalmente custeados pelas próprias, que deduzem as mensalidades de suas receitas para fins de tributação. Isso se aplica apenas às empresas tributadas pelo lucro real, pois as outras se valem da dedução padrão. Na contratação coletiva, além do benefício da assistência médica de qualidade, o incentivo fiscal pode representar um importante fator propulsor da economia formal. As mensalidades dos planos pagas pelos indivíduos são dedutíveis do Imposto de Renda, assim como toda e qualquer despesa com assistência médica ou odontológica.

Como todas as pessoas têm direito ao atendimento pelo SUS, pode-se entender a dedução fiscal como uma compensação ao indivíduo, por parte do Estado, por sua incapacidade de cumprir integralmente com seu dever.

Além dessa compensação, as deduções podem ser vistas de outras perspectivas. Uma delas vê nos incentivos uma política para desonerar o SUS. Para cada real de incentivo fiscal o governo obtém vários reais em serviços privados de assistência médica. O setor público, em uma perspectiva realista, não teria condições orçamentárias para custear a saúde de todos e o incentivo é uma forma barata de conseguir serviços privados de saúde que são de responsabilidade do setor público.

No entanto, uma forma bastante equivocada de ver o incentivo fiscal é entendê-lo como um financiamento público para planos privados: dinheiro que poderia ser utilizado para financiar o SUS. Seria, portanto uma prática funesta para o setor público, já que a sua eliminação aumentaria a disponibilidade de recursos potencialmente destináveis ao SUS.

Quem defende essa proposta não leva em consideração o número de beneficiários que seria transferido do setor privado para o SUS. Computado esse efeito, é bem possível que a extinção do incentivo seja um péssimo negócio financeiro e social para o Estado, na medida em que cada real de incentivo cortado transfira do setor privado para o SUS gasto bem superior a um real, pelo fato de muitas pessoas e empresas abandonarem seus planos de saúde.

Essa questão, portanto, não é tão simples quanto parece nas acusações de que os incentivos fiscais para cidadãos e empresas seriam um financiamento público aos planos privados de saúde. É necessário pensar com muito cuidado para que a saúde da população não fique ainda mais prejudicada.

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José Cechin é superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar

Fonte: jornal Valor Econômico