Não é a toa que se exalta em seu hino o fato de “ser do Brasil o clube mais brasileiro”.
João Saldanha em sua conhecida publicação sobre a história do futebol brasileiro, até por seu centrismo carioca, omite o fato de o Corinthians ser o primeiro grande clube do país a admitir negros e a desafiar o status quo aristocratizante da época. Situa-se o Bangu como o primeiro clube de operários no Brasil sem citar que o time foi uma “concessão” da tecelagem Bangu ao seu quadro de trabalhadores.

Mas e o Corinthians? Vinte e cinco milhões de torcedores espalhados por todo o país encerram por si só a justeza das palavras de Miguel Bataglia que após “cerimônia” ocorrida sob a luz de um lampião afirmou: “vai ser o time do povo e o povo é quem vai fazer o time”. Uma ofensa aos padrões da época. Por outro lado, ao contrário de outros clubes que passaram por estiagem de títulos (Palmeiras, Botafogo e Santos) e viram suas torcidas se apequenarem, a torcida do Corinthians duplicou de tamanho entre os anos de 1954 e 1977. É o único clube brasileiro que pode se orgulhar tanto por seus feitos dentro de campo, quanto dos feitos de sua torcida nas arquibancadas. Dizia já o velho cronista que o alvinegro do Parque São Jorge é o único time que pertence a uma torcida e não o contrário. Grande reflexão pode estar, também, no fato de apesar de nunca ter vencido a Taça Libertadores da América, Porém, foi o primeiro clube do planeta a ser considerado o primeiro campeão mundial de clubes. Foi o primeiro, também, a vencer o torneio em seu país de origem. Mas será que o tamanho do Corinthians depende de uma Taça Libertadores da América? O Once Caldas ou o Vélez Sarsfield são grandes por terem vencido este torneio?

Getúlio Vargas intenta, com sucesso e corretamente, em popularizar tanto o futebol quanto o samba. O Corinthians navega nesta onda. O ano de 1930 marca o cimento de um clube que já, neste mesmo ano, se consagra com o segundo tricampeonato paulista e o título honorífico de “Campeão dos Campeões do Brasil” após derrotar o Vasco da Gama na cidade do Rio de Janeiro. É muito sugestiva que numa época de radicalização política o São Paulo Futebol Clube tenha sido fundado pelos mesmos que pegaram em armas contra Getúlio Vargas na contrarrevolução constitucionalista de 1932.

Fazem exatamente 100 anos desde a fundação de um clube tido por seus rivais elitistas como “um time de carroceiros” ou “clube de peões”. A mística corinthiana se fortaleceu com o tempo. A mística da raça, determinação esteve e está presente desde as investidas de Neco (nosso primeiro ídolo e campeão sulamericano pelo Brasil em 1919), do estilão desengonçado do zagueiro Jaú da seleção brasileira de 1938, da vitoriosa e única geração de Cláudio, Baltazar, Luizinho e Carbone da década de 1950. Está presente na meia-biclicleta de Russo no épico jogo contra o Fluminense em 1976 e nos sete segundos em que a bola demorou a entrar, pelos pés de Basílio, no dia 13 de outubro de 1977. Pode se enxergar esta mística na rebeldia de Casagrande, no radicalismo de Sócrates, no “reizinho do Parque” Rivellino e no próprio jeitão do campeão mundial de 2000, Freddy Rincón. É perceptível nas defesas do “satanás” Tuffy no idos de 1920, no maior goleiro brasileiro de todos os tempos – Gilmar dos Santos Neves – e nos milagres operados por Ronaldo Giovanelli e Dida. Por que não enxergar esta mística nas gorduras sobressalentes de ídolos como Neto e Ronaldo? Como não perceber a força desta mística naquele carrinho de Tupãzinho que decretou o nosso primeiro título brasileiro?

Como imaginar que aquele amontoado de trabalhadores da Estrada de Ferro São Paulo Railway iria construir um clube que terá a honra de abrigar uma abertura de Copa do Mundo em breve? Como imaginar um clube cujas bandeiras – ao lado das bandeiras anarquistas vermelhas e pretas – tornaram-se forma de protesto durante as greves de 1917 e hoje é a maior paixão que pulsa no peito de nosso Presidente da República, operário e retirante nordestino?

Enfim, esta subjetividade está presente desde a primeira “invasão” de torcedores ao Rio de Janeiro já no ano de 1918 em partida contra o Flamengo e mesmo em 1976 quando 70.000 corinthianos assistiram a uma classificação heróica contra um Fluminense tecnicamente muito superior.

Um sentimento de pátria, de “nação corinthiana” é, como tudo que envolvem processos sociais e históricas, produto da ação humana, de contradições e sínteses, de avanços e revezes. A história do maior clube do Brasil não poderia ser diferente.

Salve o centenário do CORINTHIANS, orgulho da classe operária e da nação brasileira!!!

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Elias Jabbour é geógrafo e pesquisador da Fundação Maurício Grabois. Júlio Vellozo é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB.