Poucos dias separaram a veiculação pela imprensa brasileira das acusações feitas pela oposição demotucana acerca da suposta ligação do PT com as Farc e a divulgação do comunicado oficial no qual o presidente em fim de mandato da Colômbia, Álvaro Uribe, “deplora” a posição assumida pelo Brasil frente à crise diplomática de seu país com a Venezuela. A proximidade entre os dois eventos no calendário demonstra que o xerife colombiano e o candidato à Presidência do Brasil pelo PSDB, José Serra, podem ser eles também muito mais próximos no tabuleiro político sul-americano do que supõe a nossa vã filosofia.

Trazer o tema da guerrilha colombiana de volta às manchetes sul-americanas é uma “coincidência” que atende ao mesmo tempo aos interesses de Uribe, de Serra e… dos Estados Unidos. Para o colombiano, significa manter em evidência o assunto que determinou sua existência política até hoje e consolidar uma posição de influência sobre o sucessor, Juan Manuel Santos, que vá além da teoria. Para o brasileiro, significa a tentativa de uma cartada alarmista que reverta a tendência de queda que sua candidatura apresenta junto aos eleitores. Para o conservadorismo estaduninense, significa manter a agenda do medo (leia-se maior presença armada) permanentemente instalada na América do Sul, tarefa para a qual, na falta de Uribe, Serra parece ser o mais indicado a assumir o papel de protagonista, se eleito for.

Juan Manuel Santos faz parte do “núcleo duro” do grupo político de Uribe e não deve alterar em grande coisa a posição da Colômbia em relação às Farc e os EUA, como explicado em excelente artigo de Gilberto Maringoni publicado aqui na Carta Maior. No entanto, falta a Santos a estatura política adquirida por Uribe ao longo de sua trajetória. Nesse importante terreno, o da simbologia política, quem ocupará o espaço deixado por Uribe em uma América Latina cada vez mais consolidada à esquerda? O nome de José Serra, com sua biografia de luta contra a ditadura e “trajetória de centro-esquerda”, seria perfeito para que a direita pudesse continuar a aplicar sua agenda do medo em nosso continente.

Ninguém está aqui dizendo que, se chegar à Presidência, Serra vai deixar que o governo dos EUA instale bases militares no Brasil assim como Uribe deixou que fizesse na Colômbia, até porque o candidato tucano ainda não divulgou claramente quais são suas propostas para a política externa brasileira. Um sinal de aproximação com uma postura mais raivosa de direita, no entanto, tornou-se claro nos últimos dias de campanha, quando Serra ecoou as declarações de seu vice, o deputado federal Índio da Costa (DEM), sobre as não-comprovadas ligações do PT com “as Farc e o narcotráfico”.

A preocupação com a “segurança do continente” já foi citada mais de uma vez pelo candidato do PSDB em discursos recentes, e mesmo a proposta de criação de um Ministério da Segurança Pública traz embutida a correta constatação de que a violência (no caso do Brasil, causada principalmente por traficantes, milicianos e policiais) ainda é uma das questões sociais mais sensíveis junto à população de baixa renda. A abordagem direitista de Serra sobre o tema pode servir, não se sabe, para que ele consiga chegar ao segundo turno. Desde já, ela tem o efeito de pavimentar sua “ascensão” à condição de principal figura da direita sul-americana se for eleito presidente do Brasil.

Unasul

Sem encontrar apoio para sua política belicosa no próprio continente, Álvaro Uribe nunca pôde contar com a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) para dar vazão às suas críticas contra a Venezuela e o governo de Hugo Chávez. Além disso, tornou-se um hábito do governo colombiano nos últimos anos recorrer à Organização dos Estados Americanos (OEA), onde sempre teve o apoio irrestrito dos EUA, para justificar ou sugerir ações contra as Farc, inclusive quando invadiu o território do Equador par matar dirigentes da guerrilha. Dizem que uma das diferenças de Santos para Uribe seria uma maior simpatia pela Unasul. Mas, o que dizer de José Serra? Terá ele na Presidência alguma simpatia pelo órgão criado em 2004, com forte apoio do governo Lula, justamente para ser um contrapeso à influência de Washington na região?

O pouco apreço que a coalizão demotucana e os setores sociais por ela representados sentem pelos nossos vizinhos sul-americanos já pôde ser verificado em mais de uma oportunidade. Na mais recente, já na atual campanha, Serra criticou a renegociação feita entre os governos de Brasil e Paraguai quanto ao valor das tarifas cobradas pela energia de Itaipu e reclamou que o governo do PT “quer fazer filantropia” com os países mais pobres do continente. Há poucos anos, quando o governo de Evo Morales decidiu tomar o controle da produção de gás na Bolívia e, com isso, prejudicou interesses da Petrobras naquele país, setores do PSDB e do DEM, você leitor se lembra, só faltaram pedir a invasão do território vizinho.

O desprezo pelos governos populares da América do Sul e a total submissão aos interesses econômicos e estratégicos dos EUA no continente foram marcas registradas do governo Uribe e podem ser também marcas de um eventual governo Serra. Isso está no DNA da coligação demotucana. Não por acaso, coube a uma das mais amarguradas viúvas do governo FHC, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, a tarefa de “lembrar” um momento no ano de 1999 quando supostamente o atual secretário de Relações Internacionais do governo federal, Marco Aurélio Garcia, teria se oferecido para intermediar negociações com as Farc.

Mantido o cenário de vantagem da candidata do PT, Dilma Rousseff, nas pesquisas eleitorais, é natural que o alarmismo udenista ganhe espaço na campanha da oposição. Isso aconteceu com Geraldo Alckmin em 2006 e com o próprio Serra em 2002. Quem não se lembra de Regina “eu tenho medo” Duarte? Na atual campanha, o vice Índio da Costa parece assumir a tarefa de espalhar o medo entre os eleitores. Enquanto isso, segundo o jornal O Globo, a rede de mobilização da campanha Serra no Facebook recomenda visita à página do Movimento Endireita Brasil que, entre outras coisas, clama pelo “fim do terrorismo de esquerda” e prega a “morte ao comunismo e aos que o defendem”. É esse o cenário da campanha presidencial no Brasil.

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Maurício Thuswohl é jornalista

Fonte: Carta Maior