Três grandes produtores de trigo – Rússia, Austrália e França – reduziram esta semana suas previsões para a safra de 2010/11. A situação é preocupante também na Tailândia, o maior exportador mundial de arroz, onde 60% do país está há meses sem chuvas.

“Temperaturas altas dominaram nesta primavera [no Hemisfério Norte], tornando o estresse hídrico ainda pior”, afirmou ao Valor Gail Martell, meteorologista agrícola da Martell Crop Projections, dos EUA. Segundo ela, a transição “forte e abrupta” de um cenário de El Niño (aquecimento do oceano) para o de La Ninã (esfriamento do oceano) provocou um descompasso no clima.

Na Rússia, onde a seca já é considerada a pior em dez anos, o governo estendeu ontem o estado de emergência para 14 localidades. Agricultores da região do Rio Volga, a mais afetada no país, deram início à colheita de trigo com uma semana de antecedência para escapar do clima ruim.

Diante desse cenário, o Ministério da Agricultura russo reduziu em 5,6% sua previsão de safra de grãos no ciclo 2010/11, de 87,5 milhões de toneladas para 85 milhões de toneladas; na safra anterior, a produção alcançou 97 milhões de toneladas. O trigo será especialmente afetado. A seca e o calor reduziram em 3,5% a estimativa de colheita, que passa a ser de 55 milhões de toneladas.

A safra de trigo da Austrália – o quarto maior produtor mundial – também sofre com a seca. Junho foi um dos meses mais secos da história do país, que deve produzir 22,5 milhões de toneladas, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).

O serviço de meteorologia do Reino Unido apontou para a mesma direção: informou que o primeiro semestre do ano foi o mais seco no país desde 1929. A temperatura na França e na Alemanha, os dois maiores produtores de trigo da União Europeia, passou dos 30° C esta semana. A precipitação em regiões produtoras francesas ficou entre 60% e 80% do normal para esta época.

“As condições meteorológicas atuais irão reduzir a produção de trigo da França, que, sem dúvida, ficará menor que a estimativa do governo”, disse Michel Portier, diretor da consultoria agrícola Agritel, à Bloomberg. “A previsão oficial ainda é um tanto otimista”.

No mesmo dia veio a resposta: Paris reduziu sua projeção para a safra de trigo atual em 2,5%, para 35,3 milhões de toneladas.

Para especialistas em clima e agricultura, a seca que assola a Ásia e a Europa preocupa. Um estudo realizado recentemente pelas Universidades Estaduais de Iowa e Kansas, nos EUA, mostra que o desenvolvimento do trigo de inverno sob temperatura de 35° C é quase 80% inferior ao de grãos sob temperaturas de 20° C.

O arroz é outra commodity sob risco. Na Tailândia, o maior exportador mundial do cereal, a produção poderá recuar para o menor nível em oito anos devido à seca e aos estragos provocados por ataques de gafanhotos. A estimativa do governo de produção para arroz branco 100% B, uma referência na Ásia, foi rebaixada para 23 milhões de toneladas, queda de 0,9% em relação à estimativa anterior.

Em entrevista à Dow Jones, Concepción Calpe, economista da Agência para Agricultura e Alimentação da ONU (FAO), foi mais pessimista: disse que a produção tailandesa de arroz poderá ficar em 22 milhões de toneladas no ano fiscal que se iniciará em outubro. Se confirmada, será a pior safra desde 2002. “Mantemos a previsão de queda”, disse Calpe.

A estiagem já atinge 44 províncias da Tailândia, quase 60% do território do país, e provocou prejuízos de US$ 432 milhões, segundo o governo local. Para a Associação de Processadoras de Arroz da Tailândia, a oferta menor no mercado internacional pode levar os preços do arroz 100% B para US$ 500,00 a tonelada até o fim deste ano. Essa variedade representa 75% do total de arroz produzido no país.

Na China, a falta de chuvas tem afetado a qualidade do trigo, por isso o país deve dobrar as importações do cereal do Canadá.

Os problemas climáticos no Hemisfério Norte têm mexido com os preços nas bolsas de commodities. Ontem, por exemplo, o trigo teve alta de 23 centavos de dólar em Chicago, a maior desde janeiro, e atingiu US$ 5,3050 por bushel.

É o mercado climático, observa Paulo Molinari, analista da Safras&Mercado. Assim, no primeiro sinal de quebra de safra de trigo em países produtores há reflexo nos preços globais. Ele pondera, porém, que mesmo com eventuais perdas os estoques mundiais de trigo estão em níveis elevados – a projeção é de 194 milhões de toneladas na safra 2010/11. “A quebra contribui para que os preços não caiam, já que deve ocorrer diminuição dos estoques”. O quadro acaba influenciando ainda as cotações de milho, pois são produtos substitutos. No caso da soja, o reflexo vem do fato que a oleaginosa concorre com milho por área.

O professor Fernando Homem de Mello, especialista em economia agrícola da Universidade de São Paulo, também não acredita em impacto expressivo nos preços internacionais em decorrência dos problemas climáticos atuais. Mas observa que é necessário ficar atento à safra americana de grãos, que será colhida no segundo semestre.

Agora, diz Molinari, excesso de chuvas no Meio-Oeste dos EUA preocupa, mas ele observa que a expectativa é de safras recordes, para o milho e para soja. A projeção é de uma produção de 339 milhões de toneladas de milho e de 90 milhões de soja.

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Colaborou Alda do Amaral Rocha, de São Paulo

Fonte: jornal Valor Econômico