A década passada assistiu a uma notável reunião de nações não ocidentais em parcerias econômicas e políticas. Essas instituições multilaterais têm sido apresentadas e promovidas como alternativas a órgãos do poder político e econômico ocidental ‘tradicionais’ como OTAN, FMI e Banco Mundial.

Do crescimento da Organização de Cooperação de Xangai, OCX [ing. Shanghai Cooperation Organization, SCO] ao estabelecimento da União Econômica Eurasiana, UEE [ing. Eurasian Economic Union, EEU] e à estratégia chinesa de “Um Cinturão, Uma Estrada” [ing. One Belt, One Road] para conectar grande parte das terras eurasianas pelo comércio e investimento, e mais recentemente, com o estabelecimento do Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento, BAII [ing. Asian Infrastructure Investment Bank, AIIB], esses desenvolvimentos são vistos, por muitos, como essenciais para a descentralização do poder global, desconectando-o dos centros imperiais em Washington, Wall Street, Londres e Bruxelas.

Mas nenhum dos grupos emergentes no Sul Global internacional é mais importante e promissor que a parceria construída, em termos de relações públicas e de efetiva parceria econômica que o grupo dos “países BRICS” (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Nos países BRICS vivem 46% da população do planeta – mais de 3 bilhões de pessoas (números de 2015) –, o que faz desse o maior bloco mundial em termos de capacidade humana, dentre as alianças globais. O alcance dos BRICS, combinado à crescente firmeza com que os países do bloco se mostram ao mundo, como poder econômico, com certeza está tirando o sono e irritando sensibilidades de muita gente em Washington e em outras capitais ocidentais.

Não deveria surpreender ninguém portanto que tantos movimentos consideravelmente importantes estejam sendo organizados ao longo dos últimos 12-24 meses, para minar cada uma das grandes nações BRICS e para desestabilizá-las por meios políticos e econômicos. E não é coincidência que precisamente os mesmos governantes eleitos que foram vistos trocando apertos de mãos, sorridentes e entusiasmados, em recentes reuniões dos BRICS sejam hoje ou alvos de esforços de subversão da ordem legal e desestabilização social e política (como se vê acontecendo no Brasil, Rússia, China e África do Sul) – ou alvos de ofensiva militar e de propaganda (como está acontecendo na Índia). Em cada um e em todos esses casos, os EUA e seus aliados têm mais a ganhar, quanto menos os países alvos das ‘iniciativas’ norte-americanas consigam colher qualquer benefício do seu próprio desenvolvimento.

Brasil na alça de mira

Um dos métodos que o império norte-americano usa e sempre usou com mais frequência para desestabilizar país ‘concorrente’ é gerar e promover escândalos políticos e/ou movimentos que parecem ser de algum tipo de ‘oposição’, mas cujos interesses, planejadamente ou não e conscientemente ou não, alinham-se com os interesses do establishment ocidental. Tudo isso está hoje em processo no Brasil, país que andou muito significativamente em direção da independência econômica e, portanto, também da independência política, em anos recentes.

No Brasil, o governo de Dilma Rousseff enfrenta violenta campanha de desestabilização orquestrada por elementos poderosos no campo da direita do país e seus apoiadores nos EUA. Sob a sempre conveniente e oportuna bandeira da “anticorrupção”, milhões de brasileiros saíram às ruas para exigir a derrubada do governo duas vezes eleito da presidenta Rousseff, na sequência de uma série de revelações de corrupção que envolveria a grande empresa de petróleo brasileiro, a semiestatal/semiprivada Petrobrás.

Conforme as acusações até aqui, várias figuras de destaque, algumas das quais conectadas à presidenta Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores, teriam desviado pelo menos 3% dos bilhões da renda da Petrobrás, o que ‘comprovaria’ uma tradição de corrupção que é secular no Brasil.

O alvo anterior dos ataques supostos de ‘moralização’ da administração pública no Brasil foi o ex-presidente Lula da Silva, arrancado de dentro da própria casa num espetaculoso show de força, exibido e incansavelmente repetido em todos os jornais e redes de TV, por agentes policiais, em ação concebida para humilhar o fundador do Partido dos Trabalhadores, de 70 anos. De origem familiar humilde, o ex-presidente sempre foi visto como orgulho e esperança da esquerda brasileira; a ação de prendê-lo em casa, alegadamente para ‘declarações’ a autoridade policial, no início desse mês, disparou a mais recente rodada de protestos.

Mas afinal o quê – ou quem – está realmente por trás desse golpe ‘soft’ em curso no Brasil?

A força que comanda os protestos de rua contra o governo é a direita brasileira. Dois dos principais grupos responsáveis por organizar e mobilizar as demonstrações da direita são o Movimento Brasil Livre, MBL [ing. Free Brasil Movement e os Estudantes Pela Liberdade, EPL [ing. Students for Liberty, ambos com conexões diretas com Charles & David Koch, bilionários norte-americanos, de extrema-direita, neoconservadores, e também com outras figuras da extrema-direita no Brasil e nos EUA, do establishment neoliberal pró-business, dentre os quais, por exemplo:

Fabio Ostermann

Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também estudou Economia. Graduado em Liderança para a Competitividade Global pela Georgetown University (EUA) e em Política e Sociedade Civil pela International Academy for Leadership (Alemanha). Mestre em Ciências Sociais/Ciência Política na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É Diretor de Relações Institucionais do Instituto Liberal (Mais em Instituto Liberal; ing. em Atlas Network website).

Juliano Torres

Sobre ele, ver Instituto Mises; ing. Atlas Network website.

Esses dois nomes aparecem na liderança e na organização do Movimento Brasil Livre; ambos formados na Atlas Leadership Academy, satélite da Fundação Atlas de Pesquisa Econômica, mantida diretamente pelos irmãos Koch.[1] A EPL-Brasil é afiliada e diretamente conectada à ONG “Students for Liberty”, com sede nos EUA, fachada conhecida dos irmãos Koch, com raízes profundas na extrema direita dos EUA.

Outras das faces mais visíveis do movimento é Kim Kataguiri, dito “ativista”, de 20 anos, simultamentamente ‘fundador’ do MBL e líder dos EPL. Declaradamente pró-big business, é suposto intelectual a serviço da chamada “Escola Austríaca de Economia”, que prega a total desregulação da economia no interesse dos business privado, e autodeclarado admirador de Milton Friedman, pai do que hoje se conhece como capitalismo ‘neoliberal’.

Por boas razões, Kataguiri e os ativistas da extrema direita que o ‘seguem’ cuidaram logo de se distanciar de outros golpistas de direita na América Latina, que lideraram golpes sangrentos. Mesmo assim, todos esses ‘jovens’ pregam precisamente as mesmas políticas econômicas que o grande business sempre tentou implantar no continente por força de golpe. Mas todos pregam exatamente o mesmo ‘ideário’, que se viu mais claramente no Chile, sob a ditadura sanguinária de Augusto Pinochet, cujas políticas econômicas eram diretamente guiadas pelo próprio Friedman.

Como o próprio Kataguiri explicou ao Guardian[2] in 2015:

“Defendemos livres mercados, impostos baixos e privatização de todas as empresas públicas (…) No Brasil os jovens ainda veem muito charme (sic) na esquerda (…) Queremos destruir a ideia de que, para defender livres mercados você tem de ser velho e gostar de ditadura (sic) (…) Infelizmente, não temos patrocinadores fortes. O governo e alguns setores da mídia mentem que somos pagos por gente rica. Não teríamos nenhum problema em dizer que sim, se fosse verdade.”

Infelizmente para Kataguiri, Ostermann, Torres e seus companheiros, a verdade sobre as conexões que os ligam não simplesmente ao ‘dinheiro’, mas a poderosos interesses do capital financeiro e do business nos EUA ativos em toda a América Latina, já são hoje bem conhecidas.

Mesmo assim, a mídia corporativa encarrega-se de ‘lavar’ essas fontes, interesses e conexões, e apresenta esses grupos e os protestos que coordenam e pagam como algum tipo de pura expressão de descontentamento das massas – nunca como um tipo de manipulação política e de desestabilização extremamente organizada e fartamente financiada, que cresce furiosamente, como praga, em tempos de dificuldades econômicas. As dificuldades econômicas pelas quais o Brasil passa nos últimos dois anos apontaram o momento ‘ideal’ para que a mídia corporativa brasileira comprometida cuidasse de dar ‘protagonismo’ a esses grupos ‘jovens’.

Outros grupos influentes, como VemPraRua (ing. “Come to the Streets”) são pagos diretamente por ricos grupos de direita dentro do business brasileiro, como, dentre outros, “o homem mais rico do Brasil” (revista Exame, Jorge Paulo Lemann) (…)

Entrementes, os elementos mais reacionários e pró-business & EUA (no Brasil e no exterior) temem muito especialmente o Partido dos Trabalhadores e, de modo geral, a esquerda. O problema absolutamente não é alguma corrupção – a corrupção é, isso sim, problema eterno e jamais enfrentado com real vontade de corrigir os erros, nem agora, nem nunca, em toda a América Latina. O verdadeiro ‘problema’ que tão repentinamente mobilizou tantas forças da extrema direita no Brasil é a chegada ao poder de forças políticas que mais efetivamente representam a classe trabalhadora e os brasileiros mais pobres.

Como o North American Congress on Latin America avaliou corretamente em abril de 2015:

“Não creiam na ênfase que os veículos da mídia-empresa de direita põem em questões supostas ‘de corrupção’ – as manifestações recentes pouco têm a ver com corrupção; muito mais têm a ver com o descontentamento entre as elites conservadoras, que não admitem o crescimento econômico do país com inclusão política das maiorias mais pobres.”

Pôr de joelhos os BRICS

Em resumo, apesar da retórica freneticamente anticorrupção, o assalto contra o governo de tendências de esquerda de Rousseff é resultado de campanha coordenada pelos interesses do business associados a Washington e a Wall Street que veem o Brasil como perigoso antecedente em que governo de esquerda simpático e aliado a movimentos bolivarianos na Venezuela, Bolívia, Equador e, até há bem pouco tempo, a Argentina, conseguiu chegar ao poder e governou com sucesso em período de boom econômico.

No Gráfico, vê-se a correlação entre o crescimento do sentimento ‘antigoverno’ e a estagnação do PIB.

[No gráfico] O fim do Partido: A economia do Brasil prosperou no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, empurrada por moeda forte, preços das commodities em alta e fortes gastos em programas sociais. O primeiro mandato de Dilma Rousseff coincidiu com o pior período de quatro anos em ¼ de século.

De fato, esse ponto não deve ser negligenciado – a saber, que a virada no preço de commoditiescomo o petróleo foi como freio no rápido crescimento econômico do Brasil.

Dados recentes mostram que a expansão dos sentimentos antigoverno está em correlação direta com a estagnação do PIB, a qual por sua vez está em correlação direta com a queda nos preços das commodities. Como muitos têm argumentado com sucesso, colapso do preço do petróleo certamente foi fomentado e promovido (se não foi diretamente articulado) por EUA e aliados no Golfo, com o objetivo de ferir países ocidentais cujas economias estão ligadas aos ganhos da venda de petróleo e gás – Venezuela, Bolívia, Brasil e, especialmente, a Rússia.

Essencialmente, o que se vê acontecer hoje no Brasil é esforço ativado em várias frentes para desestabilizar o país mediante uma ‘cesta’ de meios políticos e econômicos, com o objetivo final de pôr de joelhos um dos países chaves do grupo BRICS. Mas esse não é o único motivo.

O Brasil com certeza não é o único país que hoje está na alça de mira dos ataques que lhe faz o sistema EUA-OTAN.

No próximo artigo dessa série, examinarei a ação das forças de desestabilização que atingem hoje a África do Sul. Na sequência, examinarei as crescentes relações militares entre EUA e Índia, e as várias estratégias multifacetadas para conter, isolar e desestabilizar Rússia e China.*****

[1] Sobre “Irmãos Koch” e outros ‘irmãos’ no Brasil ver 13/4/2014 [há pouco mais de dois anos! Quem não leu, lesse…], “O que querem os irmãos Koch, em http://redecastorphoto. blogspot.com.br/2014/04/o-que- querem-os-irmaos-koch.html (com endereços de outros artigos sobre os mesmos ‘brothers‘ [NTs].
[2] Até a facilidade com que esses rapazes chegam tão facilmente às páginas de grandes jornais [em 2016, já estão no Guardian :-D))))) (NTs)] já deve despertar muitas suspeitas. Juliano Torres é personagem das páginas de O Estado de S.Paulo desde… 2009!

Traduzido pelo coletivo Vila Vudu