A agenda do mercado, hoje política oficial do governo Temer, se baseia em três pontos principais: a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência e a Privatização.

 
A Reforma Trabalhista proposta pelo Governo e aprovada pela mui digna e impoluta Câmara dos Deputados contempla mudanças importantes na CLT. Os principais pontos são os seguintes:

a) demissões coletivas para contratar pessoas com menores salários; b) trabalho temporário, para sempre; c) jornada de trabalho maior, o que diminui o salário; d) meia hora de almoço, em homenagem a Charles Chaplin em Tempos Modernos; e) imposição de uniformes; f) fim de transporte de empregados; g) parcelamento de férias em 3 vezes, segundo o interesse do empregador; h) diluição de seus direitos pela terceirização, a empresa contratante não terá mais responsabilidade; i) demissão para contratar terceirizados sem carteira assinada, sem direitos, com salário menor; j) em caso de grávidas, é o médico da empresa quem define se o local de trabalho é ou não insalubre; k) fim da Comissão de Conciliação Prévia, o que o patrão negociar vale mais que a lei; l) a rescisão será do jeito que o empregador quiser, o sindicato não participa mais; m) a Justiça do Trabalho não será mais gratuita, o trabalhador terá de pagar até honorário de perito. Se não tiver dinheiro, não reclame.

Lobistas de associações empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma Trabalhista. Todos os textos defendem interesses patronais, sem consenso com trabalhadores.
 
The Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. Dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
 
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma na comissão especial formada em fevereiro para discutir a proposta do governo, decidiu incorporar 52,4% dessas emendas, total ou parcialmente, ao projeto substitutivo. As propostas encampadas pelos deputados modificam a CLT e prejudicam os direitos dos trabalhadores. O texto original enviado pelo governo alterava sete artigos das leis. O substitutivo de Rogério Marinho, contando com as emendas, altera 104 artigos, entre modificações, exclusões e adições.
 
No que se refere à proposta de Reforma da Previdência, há três pontos importantes que são sempre ignorados pela mídia, pois comprovam a falsidade da tese do déficit da Previdência:
 
1) O Governo retira 30% da receita da Previdência por meio da DRU para aplicar em outras finalidades, principalmente pagar juros da dívida no mercado financeiro. Essa retirada começou no governo FHC com 20%, e no governo Temer passou para 30%.
 
2) O Governo joga na conta da Previdência despesas que não são da Previdência, como a folha de pagamento dos servidores federais, ativos e inativos.
 
3) O Governo não cobra as dívidas das empresas com a Previdência que se elevam a 426 bilhões, três vezes mais do que o déficit atual. Prefere descarregar a conta nas costas dos trabalhadores.
 
Pela proposta inicial do Governo, ainda em discussão, o contribuinte teria de trabalhar 49 anos para receber aposentadoria integral. Poderia se aposentar aos 65 anos, mas só receberia integral após 49 anos de contribuição, ou seja, teria de começar a trabalhar aos 16 anos. Essa proposta foi negociada no Congresso e a Comissão Especial, em 3/05 passado, aprovou 40 anos em vez de 49.
 
Esse Governo e esse Congresso, contaminados até o pescoço com corrupção, não têm moral nem legitimidade política para fazer reforma alguma e cortar direitos. Como não foram nem serão eleitos, aproveitam o golpe parlamentar para implementar agora o que não puderam antes nem poderão depois.
 
O terceiro elemento da agenda do mercado, encampado pelo Governo e sua quadrilha ministerial, diz respeito à redução do papel do Estado, tendo como carro chefe a privatização de importantes atividades públicas. Em vez de propor uma necessária modernização na gestão pública, o mercado e seus agentes políticos demonizam o Estado e endeusam a atividade privada que querem ver livre de qualquer regulamentação.
 
A “Ponte Para o Futuro” tem nostalgia do passado, saudades do liberalismo clássico e da “mão invisível” do mercado: a PEC 55, bloqueando o investimento público por 20 anos, foi a overdose da tese do Estado mínimo, sem paralelo no resto do mundo. A recessão econômica está se aprofundando: o setor privado não investe e o Estado fica impossibilitado de investir pela PEC 55. Segundo o IBGE, o número de trabalhadores sem emprego atinge recorde de 14,2 milhões e a taxa de desemprego chega a 13,7%, maior valor da série histórica (jornal Valor, 28/04/2017).
 
Além da privatização de atividades produtivas ou de serviços, transformadas em mercadorias, a privatização de serviços públicos avança até mesmo, em alguns casos, com o apoio de setores da esquerda. Por exemplo, a privatização do patrimônio público, quando invadido por sem teto, tem sido apoiada por setores de partidos ou associações ligadas à esquerda. O caso do Jardim Botânico do Rio de Janeiro é exemplar. Militantes  de esquerda apoiam a privatização do patrimônio público em vez de pressionar o Estado para providenciar uma alternativa digna de moradia para os invasores e ocupantes. Há um conflito entre o direito de moradia de alguns e o direito de toda a sociedade de ter acesso ao patrimônio público. A ideia de privatizar o que é público, o que pertence a toda a sociedade, para beneficiar particulares contaminou até alguns setores políticos que lutam pelo socialismo.
 
As manifestações pela greve geral realizadas nas principais capitais do país em 28/04 passado, algumas com forte repressão policial, constituem um marco importante na caminhada pela defesa dos direitos sociais e individuais ameaçados pelo governo Temer. Foi a maior paralisação desde os anos 80. Segundo as centrais sindicais, a greve mobilizou cerca de 35 a 40 milhões de pessoas em todo o país.
 
 Estamos numa fase de transição entre uma democracia garantida pela Constituição de 1988, que está sendo dilacerada, e uma ditadura que não existe, ou pelo menos, ainda não. Mas também não existe mais a democracia consagrada na Constituição de 88.
 
Com o apoio ostensivo da grande mídia, a ideologia do mercado, que embasa as reformas propostas pelo Governo, avança para impor sua agenda. Não há nenhuma proposta sacrificando os mais ricos. Por enquanto, a população assalariada é a grande perdedora. Mas a greve geral de 28 de abril mostrou que o futuro está em aberto.
 
 * Liszt Vieira é Professor da PUC-Rio, Doutor em Sociologia