“O capitalista faz valer seus direitos como comprador quando tenta prolongar o máximo possível a jornada de trabalho e transformar, onde for possível, uma jornada de trabalho em duas. Por outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o trabalhador faz valer seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a uma duração normal determinada. (…). Entre direitos iguais, quem decide é a força. ”[1]

A jornada de trabalho, como bem explicou Marx, será um fator de conflito em todas as formações econômicas que carreguem a velha cisão entre os que comandam a produção e os que se veem obrigados a labutar para garantir seu sustento.

No sistema capitalista, em que a sanha pela acumulação de riqueza geral abstrata – o dinheiro – não encontra limites, a disputa em torno da jornada de trabalho pode assumir contornos dramáticos. A batalha em torno da regulamentação da jornada de trabalho, portanto, não é novidade na história.

Em meio à contestação da ordem liberal, ainda no século XIX, as tensões sociais criaram os elementos necessários para a criação de um novo – e autônomo – ramo do direito. O Direito do Trabalho é forjado sobre o reconhecimento da brutal desigualdade existente entre a relação do capital e o trabalho. A gênese do Direito do Trabalho carrega, deste modo, o princípio de compensar a assimetria de poder concebida no processo de acumulação capitalista.[2]

Cumpre lembrar aos desavisados que as normas do Direito do Trabalho – limite da jornada laboral, proibição do trabalho infantil, férias e descanso semanal remunerados – não foram presentes da Divina Providência, mas sim resultados de árdua luta social: confrontos, greves, manifestações e demonstrações generalizadas de insatisfação. Devemos muito aos que se levantaram contra as péssimas condições laborais e se dispuseram a lutar pela regulação pública do trabalho.

No Brasil, com Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, representou a cristalização de um longo processo de institucionalização de regras de proteção no mercado de trabalho – parte de um projeto de superação do liberalismo[3]. Desde então, ainda que o projeto original tenha sido alvo de inúmeras alterações, os trabalhadores estiveram protegidos por um piso regulatório que lhes deu o mínimo de dignidade em nossa sociedade.

Infelizmente, as conquistas dos trabalhadores, traçadas a ferro e a fogo nas páginas da história, podem ser apagadas. O Estado, espécie de materialização das relações de força presentes na sociedade, poderá legislar: ora contra o capital, impondo obstáculos à sua valorização; ora a favor, retirando os grilhões que o contém.

A reforma trabalhista, em curso no Senado, pode ser sintetizada como um compêndio de alterações na regulação do trabalho com o objetivo de transferir ao trabalhador a responsabilidade pelos azares e flutuações do mercado.

Formas atípicas de contratação, trabalho intermitente e ampliação da terceirização são apenas maneiras diferentes de aliviar a folha de pagamentos, reduzir os custos do trabalho e facilitar a demissão da mão de obra.

Travestida de progresso, a reforma trabalhista falha em esconder seu viés retrógrado. Por baixo do véu, esconde-se a decrépita ideologia liberal: flexibilização do mercado de trabalho, enfraquecimento dos sindicatos e a fragmentação do poder de negociação dos trabalhadores – sem qualquer garantia de geração de empregos.

Elaborada pelos empresários e voltada ao patronato, a reforma trabalhista pouco dialoga com o trabalhador, a parte prejudicada nessa história. Em suma, trata-se de mais uma tentativa escusa de intensificar a jornada de trabalho, pressionar os salários e aumentar o quinhão abocanhado pelo capital.

Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que “a justiça do trabalho não deveria nem existir”. Apesar de trágica, sua lamentável declaração não é mais que a exacerbação do velho conflito já mencionado – entre o capital e o trabalho.

Para os céticos quanto aos argumentos aqui reunidos, Adam Smith talvez lhes pareça autoridade mais competente no tema:

“Tem-se dito que é raro ouvir-se falar de coligações de patrões, enquanto se ouve com frequência falar nas dos operários. Mas quem quer que, com base nesse fato, imagine que os patrões raramente se coligam é tão ignorante do mundo como desse assunto. Os patrões mantêm sempre e por toda a parte uma espécie de acordo tácito, mas constante e uniforme, tendente a que os salários do trabalho se não elevem para além da taxa que vigora no momento. ”[4]

Aos que se fizeram de desentendidos, um lembrete: a luta de classes está na ordem do dia.

Até agora, nada de novo no front.

Tomás Rigoletto Pernías É doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp

Notas:

[1] MARX, K. O Capital. São Paulo/SP. Ed: Boitempo. Volume I. 2013. p. 309

[2] Para encontrar mais informações sobre a gênese do Direito do Trabalho no Brasil, ver BIAVASCHI, M.B. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942: a construção do sujeito de direitos trabalhistas. IE/UNICAMP. 2005 (Tese de Doutorado).

[3] Idem.

[4] SMITH, A. Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Lisboa. Ed: Fundação Calouste Gulbekian. 1989. p. 177.