Os dois problemas são graves, e o pior é que a solução do segundo agrava o primeiro. O corte de gastos ou o aumento dos impostos deprime ainda mais a atividade e o emprego. Este é o grande dilema.

O que fazer? Um bom começo é não se iludir. Há algum tempo, era popular entre economistas ortodoxos a aposta no oximoro “contração fiscal expansionista”. Um governo com força política, especialmente em início de mandato, deveria tomar medidas drásticas de diminuição de despesas e aumento de receitas. Esse choque fiscal restauraria a confiança, levando à expansão compensatória do consumo e do investimento privados, que neutralizaria o efeito contracionista do ajuste das contas. Se tudo corresse bem, o choque fiscal terminaria sendo expansionista. Não existiria, portanto, o acima referido “grande dilema”.

Foi o caminho que se tentou em 2015, depois da última eleição presidencial. Não funcionou, como se sabe. E não só no Brasil. A experiência internacional desacreditou a “contração expansionista”. O efeito confiança existe, sim, e não deve ser desprezado. O problema é que ele é muito incerto quanto à magnitude e pode demorar a se materializar. Já os efeitos contracionistas do choque fiscal sobre a demanda se fazem sentir imediatamente e com força. Estudos realizados nos anos recentes no FMI mostraram, inclusive, que os multiplicadores associados à contração fiscal costumam ser mais elevados em economias estagnadas ou em recessão.

Economistas heterodoxos também têm suas ilusões, entre elas a de que o crescimento econômico resolve a questão fiscal. A recuperação da economia exigiria, argumenta-se, estímulo fiscal (expansão do gasto ou diminuição de tributos). Mas a expansão fiscal se auto viabilizaria por meio de seus efeitos favoráveis sobre a atividade e o emprego e, indiretamente, sobre as receitas e despesas públicas. Para estes economistas, também não existiria o “grande dilema”.

O argumento é irrealista. Só se sustenta com suposições extravagantes sobre o tamanho dos multiplicadores keynesianos e da elasticidade da receita em relação ao produto. Não leva em conta, além disso, o impacto adverso da expansão fiscal, em condições de fragilidade fiscal, sobre a confiança e as taxas de juro de médio e longo prazos.

Há alguma verdade dos dois lados. Têm razão os heterodoxos quando dizem que sem crescimento econômico é difícil, talvez impossível, equacionar a questão fiscal. E tem razão os ortodoxos quando insistem que é essencial preservar a confiança na política fiscal. Chegamos assim a um preceito aristotélico que eu, quando mais jovem, considerava um tédio total: “A virtude está no meio”.

O que tudo isso significa em termos práticos? Primeiro, a política fiscal não deve ser hostil ao crescimento; deve ao contrário favorecê-lo na medida do possível. Não cabe começar, portanto, com uma política fiscal contracionista em 2019.

Mas deve haver compromisso inequívoco com disciplina fiscal e equilíbrio das contas no médio e longo prazos. Medidas para garantir esse equilíbrio devem ser tomadas logo no início do governo, inclusive na área previdenciária.

Para assegurar a credibilidade de uma política fiscal desse tipo a solução clássica é introduzir regras fiscais críveis, que ancorem as expectativas em relação aos resultados fiscais. As regras existentes (teto do gasto, regra de ouro e meta para o resultado primário) não cumprem esse objetivo e precisariam ser abandonadas ou reformuladas.

E como ficaria a questão do emprego? De onde viria o impulso para reativar a produção? Em condições de fragilidade fiscal, o impulso teria que vir de: a) uma mudança na composição da política fiscal; e b) dos determinantes não fiscais do consumo e do investimento agregados e das exportações líquidas.

Tornar a política fiscal mais amigável ao crescimento não é fácil na prática, mas significa favorecer gastos com multiplicadores elevados sobre atividade e emprego (infraestrutura, construção, transferências para setores de baixa renda) e mudar a composição da tributação para aumentar a renda disponível de setores de baixa renda (com maior propensão marginal a consumir) e diminuir a renda disponível dos setores de renda mais alta.

Com a alavanca fiscal travada, seria preciso recorrer às políticas monetária, cambial e de crédito. O espaço não permite entrar em detalhes. Lembro apenas que, dada a estrutura da dívida pública, a combinação juros moderados/câmbio depreciado, além de ajudar a retomada da economia, favorece o equilíbrio das contas públicas.

Releio o que escrevi. Bela estratégia. Lembrei, porém, do Garrincha: “Já combinou com os russos?”

Paulo Nogueira Batista Jr – É economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

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Twitter: @paulonbjr

Publicado no GGN