A esquerda tem debatido sobre qual o melhor caminho no combate à Bolsonaro. Alguns acham que o caminho é construir uma frente ampla. Outros consideram que é construção de uma frente democrático popular.

Sou de opinião de que essas duas visões podem não ser contraditórias. Explico melhor. A primeira é uma frente tática, de caráter democrático. Ela se organizada em torno de objetivos mais limitados e assim com capacidade envolver setores mais amplos da sociedade. A segunda, visa transformações mais profundas e, na atual conjuntura, incorpora setores mais politizados, de esquerda. Elas podem não ser contraditórias se os integrantes da frente democrático popular estiverem incorporados à frente democrática. Ou seja, se tiverem a mesma visão sobre os objetivos táticos da luta política atual.

Na luta política o objetivo que nos levará à vitória se relaciona com a capacidade de ampliar nossas forças e debilitar as do adversário. E a ampliação de nossas forças se dá não pelo que queremos, mas pelo que as massas estão dispostas a assumir. Pelos objetivos políticos que a realidade impõe à toda sociedade.

Numa conjuntura em que o autoritarismo de Bolsonaro tenta avançar na imposição de um estado policial neofascista o centro da luta, o que torna possível incorporar amplas massas, é a luta contra o autoritarismo. No passado foi a luta contra a ditadura, com as Diretas Já. Assim, nas atuais circunstâncias, é fundamental organizar amplas forças contra o autoritarismo, em torno da defesa dos direitos individuais, do estado democrático de direito e da Constituição.

As condições para esse tipo de frente vão sendo forjadas. Exemplo disso foi iniciativa de mais de 70 parlamentares, de 12 partidos, junto ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, defendendo a suspensão da transferência do ex-presidente Lula para o presídio comum de Tremenbé, SP. Tal transferência foi uma decisão que colocava em risco sua vida. Fruto dessa atuação o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, suspender a transferência. Tal acontecimento foi uma importante demonstração de que crescem as vozes contrárias ao arbítrio implantando no País.

O fato é que, nos dias atuais, o autoritarismo de Bolsonaro tem gerado uma oposição crescente. Entre os defensores do neoliberalismo há uma clara unidade na defesa da política econômica do governo Bolsonaro. Mas uma divisão no que diz respeito ao autoritarismo, à defesa dos direitos individuais, do estado democrático de direito e da Constituição.

Tal circunstância explica o surgimento do movimento Direitos Já, que reuniu lideranças de diversos partidos, entidades sociais e religiosas. O manifesto lançado deixa claro seus objetivos ao afirmar que “em nome de valores morais submissores e de um desenvolvimento econômico excludente, estão sob ataque os direitos humanos e trabalhistas, a pluralidade de pensamentos, liberdade de imprensa, de cátedra e de crença, o conhecimento cientifico, o meio ambiente e até mesmo a tradição diplomática. Os efeitos serão diretamente sentidos pelos segmentos mais vulneráveis e, em alguns casos, com efeitos nocivos que durarão gerações”.

Tal iniciativa é bastante positiva e surge no sentido da construção de uma frente democrática. Se vai evoluir para isso só os fatos posteriores e as iniciativas a serem tomadas poderão esclarecer. Algo que poderá contribuir nesse sentido é que entidades como a OAB, CNBB e ABI possam vir a ter um papel de destaque na condução de suas atividades.

A iniciativa tem sido alvo de críticas de alguns setores de esquerda alegando que o apoio a ela significaria relativizar o combate à política econômica de Bolsonaro e à campanha pela libertação de Lula. É evidente que querer uma frente ampla em torno do programa da esquerda é impraticável. É um erro político crasso não aproveitar as contradições entre setores que se colocaram contra a esquerda nas eleições passadas.

Participando da frente ampla a esquerda não pode abrir mão se seu programa estratégico, do combate ao neoliberalismo e por transformações estruturais de caráter democrático na sociedade brasileira, da defesa do Lula Livre. Porém querer colocar tais questões como condição da frente tática é torná-la impraticável.

*Aldo Arantes é advogado, coordenador nacional da ADJC – Movimento de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania. Membro do Comitê Central do PCdoB. E foi deputado Constituinte.