Fomos a última nação a aboli-la e o fizemos sem reparação aos milhões de escravizados. Tal realidade legou uma sociedade profundamente desigual, que traz até hoje os traços do que chamamos racismo estrutural, como se pode verificar por qualquer índice de medição da desigualdade social.

O relatório “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, recentemente divulgado pelo IBGE, atesta que, embora pretos e pardos sejam 55,8% da população, representam 64,2% dos desempregados. De acordo com a mesma pesquisa, a renda média dos brancos é 73,9% superior à dos negros. A renda de uma pessoa negra empregada formalmente é mais próxima a de uma branca que esteja na informalidade do que a igualmente registrada. Há um dado ainda mais revelador: entre os brasileiros mais pobres, 75% são negros, ao passo que dos mais ricos 70% são brancos.

O racismo se verifica de maneira ainda mais cruel: a população negra, especialmente os jovens, é vítima de um genocídio cotidiano. O Atlas da Violência de 2019, estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz números consternadores: o Brasil superou a marca de 65 mil homicídios ao ano, sendo que 75% das vítimas são pretos e pardos – a taxa chega a assombrosos 43 assassinatos por 100 mil habitantes.

Na mesma linha seguem as estatísticas sobre o encarceramento. Somos o terceiro país do mundo em população carcerária, já ultrapassando a casa dos 800 mil detentos. O perfil destes, mais uma vez, corrobora a exclusão social: 64% dos presos são negros.

Essa tragédia pode ficar ainda pior, a depender do grupo de extrema-direita que governa o país. Bolsonaro quer distribuir armas para a população e incentiva abertamente a violência como política de segurança. O pacote anticrime de Sérgio Moro e Bolsonaro visa facilitar o encarceramento em massa e legalizar a violência arbitrária empregada por maus policiais em serviço, através da ampliação do excludente de ilicitude. Só em 2019, seis crianças foram mortas em operações policiais no Rio de Janeiro. É o sangue dos pobres da periferia, o sangue dos negros que escorre.

A desigualdade também se reflete na representação política. Sendo 55% da população, os parlamentares negros somos apenas 24% na Câmara Federal. Nesse mês da Consciência Negra, realizamos uma articulação inédita e construímos, em conjunto com a Coalizão Negra por Direitos, um projeto de lei (PL 5885/2019) com medidas para enfrentar o racismo institucional.

Em meio a tantos percalços, tivemos uma notícia alvissareira na última semana: pela primeira vez na história os negros são maioria dos estudantes das universidades públicas, com 50,3% das matrículas. É o resultado concreto da ampliação e democratização das universidades federais que tivemos nos governos anteriores e das políticas afirmativas que começaram a ser implantadas em meados da década passada. Um pequeno passo nessa longa marcha que nos separa de um Brasil mais justo.

Por tudo isso, o 20 de novembro é um dia de celebração e luta, dia do Brasil reencontrar a sua história e tomar medidas para escrever as páginas de um futuro livre do racismo. Viva, Zumbi!

* Orlando Silva é deputado federal (PCdoB-SP)