O jornal Tribuna da Luta Operária foi um dos principais instrumentos organizadores do Partido Comunista do Brasil entre 1979 e 1985. Através dele, centenas – ou até mesmo milhares – de pessoas foram filiadas e organizadas no interior daquela organização política revolucionária. Nesse processo destacou-se o recrutamento de operários e jovens, especialmente secundaristas.

Quando o jornal foi lançado, em novembro de 1979, estudava na Escola Estadual Carlos Gomes. Um tradicional estabelecimento de ensino da cidade de Campinas, interior de São Paulo. Na época eu era da “área de influência” do PCdoB. Devo dizer que, na primeira vez que vi a Tribuna, não gostei muito da cara dela. Achei feia e as matérias pouco desenvolvidas. Alguém já disse que “narciso acha feio o que não é espelho”.

Considerava-me um quase intelectual socialista, embora só tivesse lido algumas poucas obras de divulgação marxista. Estava acostumado com jornais Movimento e Convergência Socialista. Estes eram mais massudos – com muitas páginas e cadernos especiais que traziam matérias mais longas com análises políticas e teóricas. Para mim tamanho era documento. Na verdade, não entendia qual era o objetivo daquele jornal que nascia. 

Mas, logo descobri e mudei de idéia. Se fosse um pouco mais esperto teria percebido que no próprio título da publicação já estava a resposta que procurava. Aquele era um jornal de massas no verdadeiro sentido da palavra. Fora feito, especialmente, para atingir os corações e mentes dos operários fabris e não apenas os de sua vanguarda esclarecida. 

O jornal deveria ser vendido para os trabalhadores simples nos bairros e nas portas das fábricas. Para isso, precisava ter uma forma e uma linguagem que eles pudessem entender e se reconhecer nelas. Não era sem motivo o grande espaço dedicado às cartas dos leitores. Nesse espaço, o povo da periferia contava os seus problemas cotidianos. Lembramos que naqueles anos vivíamos o ascenso da luta dos operários fabris. Eles, como classe, iam se constituindo como vanguarda da luta contra a ditadura militar.

A aceitação do jornal foi imediata entre os trabalhadores manuais e, estranhamente, entre os estudantes. No meu colégio chegávamos a vender mais de cem tribunas semanalmente. Entre os tribuneiros estavam os membros da célula comunista – cerca de sete pessoas – e alguns simpatizantes. Diria mesmo que virou moda ser vendedor de Tribuna naquela escola. Era um sinal que a pessoa tinha consciência política e social. Ser tribuneiro fazia a diferença.

Lembro de um fato que revela um pouco o meu sectarismo. Certo dia, uma garota da minha classe pediu para vender o jornal. Acabei sendo muito duro com ela. Perguntei-lhe se sabia o que ele representava e quais eram suas idéias para o país e o mundo. Em outras palavras, se ela entendia alguma coisa de socialismo. Então, pedi que procurasse conhecer melhor a proposta do jornal antes de se propor àquela tarefa. Um ato arrogante da minha parte. Afinal, ela estava começando a participar do movimento estudantil na escola. A diferença de apenas dois anos na militância política parecia uma eternidade. O problema foi resolvido e ela virou mais uma tribuneira, sem precisar se tornar uma teórica marxista.

Visando divulgar as idéias comunistas entre os trabalhadores, cada célula partidária deveria adotar uma fábrica para vender a Tribuna Operária. A nossa filha adotiva era uma indústria metalúrgica chamada Bendix. Ali já existia algum trabalho partidário. A situação dos comunistas no interior das empresas era completamente diferente do que ocorria dentro dos colégios e universidades. Os operários comunistas deveriam trabalhar na mais restrita clandestinidade ou perdiam seus empregos. Os materiais partidários eram distribuídos escondidos. Na maioria das vezes eram deixados nos banheiros.

A ação externa daqueles jovens ajudava no desenvolvimento do trabalho no interior das fábricas. Muitos operários foram recrutados graças a esse trabalho. Os patrões logo se deram conta do perigo que isso representava e passaram permitir que os ônibus fretados e carros dos empregados entrassem dentro da empresa e estes não passassem mais caminhando pelo corredor polonês de tribuneiros.

Também era sagrada a nossa participação nas praças públicas todos os sábados de manhã. No nosso caso, o ponto de venda era na Treze de Maio, calçadão ao lado da Catedral Metropolitana. Uma rua de grande movimento. Geralmente algum de nós fazia um discurso – sempre contra o regime militar – e o restante vendia o jornal. Entre aqueles que se destacam pelos seus discursos radicais estava Célio Turino, atual secretário do Ministério da Cultura.

Na praça não estávamos sós. Ao nosso lado, disputando o espaço, estava o pessoal do jornal Hora do Povo, ligado ao MR-8, e da Convergência Socialista (trotskista). Havia sempre um interessante e divertido confronto de palavras de ordem. Quanto à venda, devo dizer, a TLO batia todos os demais concorrentes, embora o Hora do Povo fosse mais sensacionalista e tivesse uma boa aceitação. Nos domingos íamos vender o jornal nas feiras populares, que já começavam a perder espaço para os supermercados. A feira que os secundaristas adotavam era a da Vila Presidente Costa e Silva. Bairro operário no qual o Partido tinha um bom trabalho e até dirigia a associação de moradores.

O fim da ditadura em 1985, a criação de outros mecanismos de comunicação e a ilusão da liberdade de imprensa, fez com que esses jornais alternativos perdessem força. Houve uma gradual redução nas vendas tanto em banca quanto por militantes. Falar duramente contra o governo militar deixou de ser exclusividade da esquerda revolucionária e socialista.

Quando foram criadas as sucursais do jornal nas cidades funcionavam como sedes informais do Partido Comunista do Brasil, que ainda estava na ilegalidade. Através delas, ele promovia debates e organizava o seu movimento social. Havia reuniões de tribuneiros que eram fachadas legais para encontros partidários. Eram os representantes da Tribuna Operária, por exemplo, que falavam pelos comunistas nos atos e os representavam nos comitês de Anistia, de Defesa da Amazônia, Contra a Carestia etc. A partir de 1984 – durante os últimos dias do regime militar – esse papel passou a ser desempenhado pelas comissões pela legalidade que se formaram por todo o país. O Brasil entrava numa nova fase e a Tribuna da Luta Operária começava a fazer parte da gloriosa história de luta do povo brasileiro pela liberdade.

Augusto César Buonicore, historiador, membro do Comitê Central do PCdoB e secretário geral da Fundação Maurício Grabóis. Depoimento publicado no blog do projeto em 15 de dezembro de 2009