Morreu ontem (8) D. Pedro Casaldáliga, insigne brasileiro, destacado combatente da luta contra a ditadura, intrépido defensor dos posseiros e dos índios na região amazônica. O bispo do chapéu de palha dedicou sua vida — há mais de cinco décadas — inteiramente à defesa dos despossuídos e violentados naquela região. Ao mesmo tempo, nesta sexta-feira, o Brasil de luto supera 100 mil mortos pelo vírus e a epidemia que segue fora de controle em muitas localidades. Nestes mais de dois meses seguidos a média diária no Brasil tem sido de mais de mil mortos pela pandemia. Quanto tempo mais iremos viver — como se fosse uma situação irreversível — as cenas do Inferno de Dante em nosso tempo de assombro e desencanto que se tornou o novo normal?

A coincidência desses dois acontecimentos antípodas, no dia 8, revela a distância na qual a visão iluminista, civilizatória, libertária, professada e defendida nos séculos 20 e 21, rivaliza em nosso país com a pré-história, o obscurantismo, o despotismo, a normalização de uma crise humanitária, desencadeada desde o poder central, do palácio do planalto.

Eu me pergunto diante do enorme universo, mas em que paragem da história nós estancamos? O presidente da República Federativa do Brasil em face da tragédia que atingiu em cheio o povo brasileiro, responde ao ser indagado: “A vida que segue”, simplesmente, na sua aparência onipotente como se a vida fosse assim. Ele, com sua sua indiferença, se parece imaginar defronte a uma grande arena, em “que os mais fracos devem morrer, é uma lei natural” e “os que não morrem, me saúdam juntos com todos os brasileiros e brasileiras”. Essa apostasia à civilização, renúncia ao bem comum, abandono dos que sofrem, ódio que renuncia à solidariedade, identifica no presidente da República uma forma de pensar e agir.  

Jair Bolsonaro se demitiu — como presidente da República — de conduzir a crise no âmbito nacional. Ele seguiu à risca a linha negacionista, agindo em sentido contrário, negando a emergência da situação, promovendo com desdém as normas básicas da saúde pública, promovendo com soberba as aglomerações, rebaixando a gravidade da nova patologia, vestindo-se de terapeuta, divulgado uma poção mágica para cura da doença, vendendo ostensivamente ilusão num momento de emergência da defesa da vida e da saúde do povo brasileiro. Esta é uma demonstração eloquente dos seus verdadeiros paradigmas, decerto uma aventura monstruosa; o que podemos então imaginar, aterrorizados, qual seria o verdadeiro projeto que o presidente almeja conduzir a Nação brasileira e o seu povo, aonde nos estancamos?  

Não há fake news que encubra, o maior responsável pela tragédia é o presidente da República, conhecido entre tantos como “mito”, registrado no cartório como Jair Messias Bolsonaro. Dos que receberam o auxílio emergência, uma grande parcela exulta Bolsonaro como o “pai dos pobres”, que em verdade não estava nem aí para a miséria popular, quanto muito daria 200 reais para a vasta plebe de despossuídos indesejada por eles. E muitos dizem secamente: “Quem paga é que recebe os louros”.

A doutrina econômica acolhida e seguida pelo presidente da República — sua aplicação sem dó — é a do austericídio, que ainda vale no Brasil, demonstrando realmente a quem serve. O repertório do Ministro Paulo Guedes não tem nenhum lugar na realidade de múltiplas e agudas crises, no mundo e no Brasil, na dimensão de uma grande crise sistêmica como a de 1929, com componentes históricos mais agravados. Para ele, o mercado é maior, resolve tudo, a vanguarda econômica sempre será o mercado, o mesmo que as grandes corporações monopolistas financeiras e empresariais, que detêm a força da decisão e do veto.

Apesar da gravidade da crise atual no Brasil, de forma esdrúxula, os dogmas neoliberais são inabaláveis, é a outra marca a que comprova a quem serve o governo Bolsonaro. “Não há recurso para financiar as medidas emergenciais”. Tranca os próprios recursos aprovados no Congresso Nacional.  Por isso, para eles, não se pode manter o distanciamento social, assim recorre à prédica da dicotomia entre defender a vida e defender a economia.

Mas, mesmo parcela significativa da ortodoxia econômica discrepa disso, é heterodoxa. Na presente situação, só o Estado pode alavancar a saída. É impossível a retomada econômica diante da depressão, da grande capacidade ociosa, do elevado desemprego estrutural, sem expansão monetária, sem emissão monetária. Em tal situação não provoca inflação, mas refaz a demanda recuperar o crescimento econômico. É o meio para custear as medidas sanitárias a fim de vencer a pandemia e abrir o caminho para a normalização econômica. Não há fronteira entre defender a vida e defender a economia, mas sim a inteira sintonia é a solução.

Os acontecimentos de ontem nos sacodem, grita qual é distância abissal entre Dom Pedro Casaldáliga e Jair Messias Bolsonaro. Essa analogia expressa a dramaticidade viva pela qual passa nosso país, em função daquele que assumiu a presidência da República, na dialética das léguas do retrocesso histórico havido, aonde nos estancamos?

Sob a liderança de Bolsonaro torna-se impossível sair de uma conjunção de grandes crises, sanitária, econômica, social, humanitária.

 O tempo já tarda para que todas as forças defensoras da vida, da democracia e da retomada do crescimento econômico e do emprego se unam para superar a crise. Como acentua o nosso eminente governador do Maranhão, Flavio Dino: “O papel da oposição é contribuir para o Brasil sair dessa crise de vasta dimensão, já que Bolsonaro não tem esta agenda”.

Cresce e se amplia a consciência democrática de que, para superar esse estancamento histórico, apesar dos imensos obstáculos, dispersão de caminhos, só uma ampla unidade de forças políticas e sociais será capaz de afastar o presidente Bolsonaro.

Com a normalização política democrática, defesa da Constituição cada tronco político pode defender e expor sua alternativa de desenvolvimento e emancipação nacional e social para o Brasil. É nesse embate democrático de ideias e posições que se pode descortinar o caminho pós-pandemia, e o destino progressista e civilizatório da nossa grande Nação e da imensa maioria do povo.