Apresentação de A. Sérgio Barroso

Os resultados das eleições municipais de 2020 – metaforicamente falando – deram munição a um encarniçado tiroteio, onde até o nosso conhecidíssimo protagonista das piadas, o cego, resolveu declarar-se o vitorioso.

Análises as mais estapafúrdias convergiram, em geral, ou à depressão e à desistência, ou a frequentes ataques furiosos à esquerda. “Fundo do poço”, disseram uns; outros confundiram neofascistas com os mofados e resilientes direitistas, estes ora camuflando-se de “centro”, ora de “centro-direita”.

Até dois elementos centrais que fundamentaram a ascensão do furor de extrema-direita – a campanha farsesca da “anti-política” ou tudo contra o “establishment”; e a desagregação da base política aliada originária (2018) de Bolsonaro – desapareceram do radar desses analistas. E o açodamento de conclusões superficiais e erráticas poderão dinamitar a ponte para 2022.

Ocorre que tática política é coisa para profissional, independentemente das vicissitudes orgânicas ou conjunturais que condicionam a ação das correntes avançadas, em determinado quadro de forças. E a conduta política para as eleições gerais do ano vindouro dependem, preliminarmente, da “análise concreta da situação concreta” (Lênin).

En passant, recordo aqui do mago chinês da arte da guerra Sun Tzu, certos princípios da estratégia, de fortes implicações na tática: “O mais importante é atacar a estratégia do inimigo. Segue-se: fazê-lo romper as alianças. Em terceiro lugar: atacar o inimigo no campo de batalha” (Grande Estratégia Indireta, cap. 3, 2ª parte, “A arte da Guerra).

Em Tempo. A última eleição à presidência da Câmara de deputados é exemplar: o quartel-general do Rodrigo Maia (e do DEM) foi destroçado por ruptura de seu sistema interno de alianças!

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Eleições municipais de 2020 – notas sobre os resultados

Ronald Freitas*

As recém-terminadas eleições municipais se realizaram em meio a uma situação de crise multilateral: política, sanitária, econômica, de avanço do estabelecimento de um Estado de Exceção por parte de círculos jurídico-policiais, e de fortes limitações democráticas à participação dos partidos de feição popular. Abordaremos alguns aspectos das circunstâncias em que se realizaram essas eleições, e que tiveram impacto em seus resultados, objetivando entender o “recado das urnas” e os desafios dele decorrentes para darmos curso ao complexo, longo e inconcluso, processo de construção nacional.

A – Circunstâncias Políticas.

A.1 – O longo período de retrocesso político, no mundo e no país, que perdura desde os fins da década de 90 do século passado, com o fim da ex-URSS, é um fator condicionante fundamental da evolução política, econômica e social de nossa conjuntura e incidiu fortemente no resultado das eleições municipais recém-terminadas. Tecerei algumas considerações sobre esse quadro, tendo presente que, como ele se apresenta hoje, deita suas raízes no passado recente de nossa conturbada vida política.

A.2 – O traço fundamental dessa situação é o ascenso das direitas, desde a direita clássica até a extrema-direita. A primeira, composta por políticos geralmente nomeados de conservadores, os quais, na atualidade, defendem e atuam para impor suas ideias neoliberais, de diminuição do papel do Estado e da predominância sem questionamentos do “mercado” em torno do chamado “consenso de Washington”. A segunda, procura superar a crise estrutural do capitalismo que vivemos com a implementação de regimes autoritários, protofascistas, e que tem se aglutinado em torno das ideias de uma pretensa luta antiglobalista e de um nacionalismo de direita xenófobo e autoritário, buscando frear a roda da história com o retorno aos regimes políticos pré-iluministas.

A.3 – No nosso país, essas tendências, cada uma à sua maneira, adaptaram-se às condições políticas e econômicas, surgidas após o fim da ditadura militar em 1985, e a promulgação da atual Constituição Federal em 1988.

A.4 – A Direita Clássica, além de segmentos e setores sociais que a compõem, como grandes industriais e financistas, agro empresários, militares graduados, alta burocracia estatal etc., tem no MDB, no PSDB e no DEM, na atualidade, seus principais partidos políticos. Por meio desses e de outros partidos, com variada denominação, a partir da promulgação da Constituição de 1988, paulatinamente recuperaram espaços na cena política e na organização do Estado brasileiro. Nesse processo introduziram mudanças importantes em dispositivos constitucionais que estabeleciam avanços na organização do Estado e na vida da sociedade. Alguns exemplos: na economia, com as reformas introduzidas no governo FHC, que mudaram no essencial o capítulo da Ordem Econômica da Constituição, oportunidade em que retiraram do texto constitucional o conceito de Empresa Brasileira de Capital Nacional, e praticaram um agressivo programa de privatizações; na política, com um continuado e persistente processo de regulamentação partidária, que tem prejudicado, de forma crescente, a atuação dos pequenos partidos, e, dentre estes, os de nítida feição programático-ideológica, por meio das sucessivas reformas eleitorais e do continuado e exacerbado controle burocrático das legendas efetuado pelo Tribunal Superior Eleitoral; nos direitos sociais, com o cerceamento das atividades das entidades de massas, por meio de seguidas leis restritivas, sendo emblemático disso o fim do imposto sindical, forma pela qual foram impostas severas restrições à atuação dessas entidades; no que diz respeito ao aparato burocrático jurídico/policial, além do status de poder independente que o MPF adquiriu na Constituição de 1988, foram criadas leis que atribuem a órgãos, como Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público de Contas, dentre outros, poderes excepcionais e, na prática, autonomia plena, e recursos financeiros polpudos. Com isso esses entes públicos foram empoderados, de forma extraordinária e excepcional, permitindo-lhes agir de forma autoritária e abusiva, desrespeitando os poderes constitucionais básicos da organização do Estado Nacional – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – e se comportarem como um verdadeiro poder paralelo na República.

A.5 – Dessa forma, a Direita Clássica foi paulatinamente recuperando o espaço que perdeu com o poderoso movimento democrático-popular que derrotou a Ditadura, e retomou o leme de condução do Estado nos termos em que o fez desde a Proclamação da República. Pois, mesmo no breve interregno de 13 anos (2003-2016) em que forças democrático-populares, sob hegemonia do PT, estiveram à frente do Governo Federal – governos Lula e Dilma –, esse processo de retomada do controle do aparato do Estado pela Direita Clássica não foi interrompido, e em certos casos foi fortalecido. É emblemático o apoio, por esses governos, para a aprovação de leis que colocam nas mãos dos citados órgãos – MPF, PF etc. – a justificativa legal para cometerem arbitrariedades e abusos e desrespeitarem a separação dos poderes estruturantes da República etc.

A.6 – Nesse mesmo período, utilizando-se das liberdades existentes, a Extrema- Direita, fundamentalista – em íntima e orgânica ação com seus pares em outros países, principalmente nos EUA, mas não só – atuou de forma discreta, acumulando forças, fazendo intenso e continuado proselitismo de ideias, formando quadros e ativistas, atuando no parlamento, apoiando-se em setores religiosos reacionários e conservadores, como os católicos fundamentalistas e os evangélicos neopentecostais. Na frente ideológica, utilizando de forma eficiente modernos meios de comunicação, efetuou, e efetua, intenso processo de divulgação de suas ideias e promove cursos de formação política, nos quais transmite os ideais direitistas e conservadores. Na mobilização das massas, em torno de seus objetivos, por meios abertos, clandestinos ou semiclandestinos, joga intenso papel, como na atuação desenvolvida nos protestos contra a realização da Copa do Mundo, nas lutas contra a realização das Olimpíadas e nas manifestações de 2013, deflagradas a partir de reivindicações contra o aumento de passagens de ônibus. Trata-se de um conjunto de ações políticas que prepararam o terreno para o impeachment de Dilma em 2016. No parlamento, atuou fortemente por meio de deputados do chamado baixo clero, como Bolsonaro, e de bancadas setoriais e conservadoras, como a bancada da bala, a bancada do boi e a bancada dos evangélicos. Setores esses que paulatinamente cresceram desde a década de 90 do século passados até os dias atuais. Essa direita fundamentalista, tratada até recentemente como folclórica pelas esquerdas e por certos setores progressistas, é, na realidade, uma reserva estratégica da direita conservadora, a ser utilizada quando necessário para desestabilizar governos progressistas como os recentes de Lula e Dilma, no processo político que culminou com o impeachment de Dilma e com a eleição de Bolsonaro à presidência.

A.7 – Com a evolução da crise dos anos 90 do século passado, e aproveitando-se dos erros cometidos pelo PT e pelos governos Lula/Dilma, a Direita Clássica – com entusiasta e eficiente apoio dos meios tradicionais de comunicação, com intenso uso das mídias sociais, e tendo o aparato jurídico/policial acima referido como ponta de lança legal, e desde o início com discreto, mas eficiente, apoio das Forças Armadas, além da ação militante da extrema-direita – levou à frente, por meio do impeachment de Dilma em 2016, o afastamento do governo central da República, do conjunto de forças democráticas, progressistas e de esquerda que o dirigia. Em consequência instalou-se uma forte instabilidade política no país, que teve como resultado a eleição de Bolsonaro para a Presidência. Dessa maneira, a Extrema-Direita, fundamentalista, xenófoba, anticivilizacional, defensora de um governo autoritário, instalou-se no comando do governo e está levando o Estado brasileiro a seguidos impasses, na sua busca de implementar seu retrógrado e autoritário programa.

A.8 – O campo popular, democrático e de esquerda – composto por movimentos sociais progressistas, movimento sindical, intelectualidade e membros da academia, setores artísticos e culturais, ambientalistas, defensores dos direitos humanos difusos e de variadas causas, como a dos direitos indígenas, entre outras, e que tem no PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL seus partidos mais representativos, durante todo esse processo de evolução da crise estrutural que se iniciou nos anos 90 do século passado, e continua – desenvolveu intensa atividade política, conquistou vitórias importantes, como a existência dos governos Lula e Dilma, no plano federal, e de vários governos da mesma natureza nos estados e municípios. Mas faltou a esse campo um projeto de Nação que, ao lado de unificá-lo, fosse capaz de mobilizar as mentes e os corações, das várias camadas de nossa população, e as unificar e as engajar na construção de um Brasil soberano, desenvolvido, democrático, dotado de capacidade de autodefesa que desestimule ambições externas, e socialmente mais justo. Em decorrência disso, atuou de forma dispersa e muitas vezes conflituosa e, com o evoluir da situação socioeconômica, do agravamento da crise política a partir de 2013, e do impeachment de Dilma, em 2016, foi para a defensiva, viveu e vive um forte desgaste político e sofreu a derrota eleitoral e política em 2018.

B – Circunstâncias Econômicas.

B.1 – Embora não seja objetivo deste texto fazer uma análise exaustiva e técnica da conjuntura econômica mundial e brasileira, os comentários a seguir são indicações do quanto a base essencial da sociedade, a economia, no mundo e no Brasil, vive em situação de impasse estratégico. Nunca a humanidade viveu uma época em que a produtividade do trabalho fosse tão alta, e nunca também viveu uma época em que a apropriação dos resultados dessa produtividade, ou seja, a riqueza criada pelo trabalho de todos, ficasse concentrada em tão poucas mãos.

B.2 – Como na política, também na economia, vivemos um longo período de crise, que a partir de 2007/8 vem se desdobrando e agravando as condições de vida dos povos, obstruindo o processo de desenvolvimento de nações emergentes e agravando as assimetrias nas trocas comerciais entre as nações ricas, pobres ou em desenvolvimento. Uma crise estrutural do capitalismo que, em sua fase neoliberal, tem propiciado uma crescente concentração de riqueza, e uma forte desorganização das economias nacionais em favor do controle delas por grupos financeiros-industriais multinacionais. Concomitante a isso, mas com características próprias, vem ocorrendo profundas modificações nas forças produtivas, por meio das revoluções tecnológicas em curso, que aumentaram enormemente a produtividade do trabalho e provocaram, como efeito colateral perverso, uma onda de desemprego em todo o mundo capitalista, e um enorme aumento dos ganhos do capital.

B.3 – Os reflexos dessa crise estrutural entre nós são significativos, pois, como país economicamente dependente do capital financeiro internacional, em rápido processo de desindustrialização, tendo no agronegócio e no extrativismo mineral o polo dinâmico de sua economia – o que nos caracteriza como exportadores de commodities –, somos fortemente atingidos pelas dificuldades que acometem os países centrais do capitalismo.

B.4 – No Brasil, essa crise se manifesta de múltiplas formas. Estamos com o nosso crescimento estagnado e, no ano de 2020, devemos ter um PIB negativo em cerca de 4,41%, segundo o relatório Focus do Banco Central, de 14-12-2020. O desemprego é alarmante, pois, segundo o IBGE–PNAD, de 27-11-2020, está na faixa de 14,6% e tem crescido com a pandemia. Temos cerca de 15 milhões de desempregados e, se agregarmos a isso o subemprego, a atividade informal etc., a legião de pessoas que não têm um meio regular de sobrevivência é assustadora.

B.5 – Isso tudo teve forte impacto nas eleições de novembro último, facilitando a influência do poder econômico no processo eleitoral e contribuído sem dúvida para a desesperança do eleitorado, além de potenciar as práticas abusivas da compra de votos entre outras.

C – Circunstâncias Sanitárias.

C.1 – A longa e séria pandemia que se abate sobre o mundo e o Brasil foi um dos condicionantes principais do desenrolar do processo eleitoral recém-terminado. Para se eleger um candidato, pela natureza da atividade da busca do voto, é necessário ir à rua, interagir com a população, gastar “sola de sapato”. E as condições sanitárias em que atualmente vivemos não permitiram isso, ou exigiriam uma grande dose de coragem daqueles que se aventuraram a ir pessoalmente atrás do voto, e, por vários relatos ouvidos, não tinha muita gente na rua disposta a interagir. O justo medo de contrair o vírus diminuiu em muito o efeito das atividades de campanha. Assim, a chamada campanha virtual e a televisão assumiram um papel central nessas eleições; o que, para a grande maioria dos candidatos e mesmo eleitores, foi um dificultador da participação.

C.2 – Além desses aspectos, a pandemia foi parte importante da disputa de ideias e de votos durante as eleições. Na realidade, durante toda a campanha, confrontaram-se concepções distintas, e mesmo antagônicas, de como se comportar no enfrentamento da pandemia. De um lado, as forças que faziam parte ou gravitavam em torno do grupo político de Jair Bolsonaro e da direita fundamentalista que, com posturas negacionistas e anticientíficas, subestimavam o vírus e a situação sanitária decorrente de sua ação, e preconizavam o uso de medicamentos não recomendados pela ciência médica para combatê-los. De outro, as forças mais esclarecidas da sociedade, onde se situaram as forças de esquerda, centro-esquerda e outros segmentos democráticos, que defendiam a ciência como o vetor central de enfrentamento do vírus, e a necessidade de se preservar vidas e, em decorrência disso, a necessidade de combater o vírus com as recomendações de sanitaristas e epidemiologistas; o que significa ter cuidados como distanciamento social, não participar nem provocar aglomerações, usar máscara etc. Esse embate permeou toda a campanha e foi um elemento significativo na definição do voto de muita gente.

D – Circunstâncias normativas, burocráticas e operacionais.

D.1 – Esse processo de retomada do controle da direita sobre o aparato de Estado, a partir da promulgação da Constituição de 1988, e que incidiu fortemente no resultado das eleições municipais de novembro, tem múltiplas manifestações sobre os desempenhos partidários nessas disputas, dos quais destaco.

D.1.1 – Na medida em que se regulavam certas conquistas democráticas obtidas na Constituinte de 1988, como tempo de televisão formalmente gratuito para que os partidos divulguem suas propostas e, nas campanhas eleitorais, apresentem seus candidatos. Também na medida que se regulava como seria a distribuição dos valores das quotas a que cada partido teria direito em função, inicialmente, do Fundo Partidário e, posteriormente, do Fundo Eleitoral, foi sendo estabelecido que o acesso de cada partido, ao tempo de televisão e aos Fundos citados, estaria subordinando ao tamanho da bancada de cada um deles, na Câmara Federal. Criando-se com isso uma “reserva de mercado” dos grandes partidos sobre o acesso aos recursos públicos dedicados ao financiamento partidário, e estabelecendo uma disputa desigual de espaço entre eles.

D.1.2 – Um segundo elemento restritivo da atuação dos partidos no Parlamento foi o estabelecimento da Cláusula de Barreira, legalmente chamada de Cláusula de Desempenho. Esse dispositivo, sob o falacioso argumento de evitar a existência de partidos cartoriais, estabelece que um partido – para ter desempenho parlamentar pleno, como lideranças, participação em comissões, acesso aos fundos públicos e aos tempos de televisão legalmente estabelecidos – terá que obter um certo percentual de votos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em certo número de estados, e/ou eleger deputados em um número mínimo de estados da Federação. Essa medida, combinada com a anterior, forma um sistema excludente de participação dos pequenos partidos e, dentre esses, os mais atingidos são aqueles que possuem posições programático-ideológicas definidas.

D.1.3 – Nessas eleições municipais de novembro de 2020, começou a vigorar, conforme aprovado no parlamento, a mais nova norma restritiva quanto às disputas legislativas, que é a proibição da realização de coligações partidárias para as disputas proporcionais, ou seja, para a disputa de uma cadeira nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.

D.1.4 – Em paralelo a essas medidas legislativas, merece destaque o sistema de controle das contas partidárias, e as respectivas prestações de contas, que, paulatinamente, está sendo implantado no, e pelo, TSE. Usando o falso discurso da transparência e da moralidade pública, e sob o comando de uma elite burocrática ali existente, encastelada em órgãos de assessoramento como um de sigla ASEPA (Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias), ano após ano, os partidos políticos, no que diz respeito aos controles das contas partidárias, são cada vez mais tratados como uma “repartição pública”. Isso tem trazido crescentes dificuldades ao funcionamento dos partidos em geral. A continuidade dessa transformação de um partido político em uma “repartição pública”, para efeitos de controle por parte do TSE, trará graves consequências para o funcionamento político desses entes. E é objetivamente uma ameaça à democracia.

E – Decorrências.

E.1 – Esse é o pano de fundo mais geral do ambiente em que se realizaram as eleições municipais de novembro último, que sem dúvida influenciou fortemente no seu resultado. Mas ele não nos exime de buscar aspectos outros, sejam diretamente ligados às campanhas, sejam decorrentes dos resultados nelas obtidos.

E.2 – As condições estruturais internas e externas acima expostas, a atuação das forças conservadoras de vários matizes, que após o fim da ditadura, paulatina e metodicamente, retomaram as rédeas de controle do Estado, as limitações impostas pela pandemia, os altos custos das campanhas, a prática da compra de votos, as limitações de recursos financeiros para certos partidos, a ação do crime organizado, cuja participação cresce paulatinamente nas disputas eleitorais, formam parte do conjunto de variáveis que interferiram de forma significativa no processo eleitoral e no resultado das urnas recém-terminados.

E.3 – Mas o problema é mais complexo e amplo, não se resume a uma avaliação da incidência desses fatores nas eleições municipais de 2020. Esse conjunto de fatores, que vão de circunstâncias políticas, econômicas, sociais, até o sistema jurídico regulador, que tem seu vértice no TSE, cria um ambiente para a disputa político-eleitoral, que privilegia os grandes e já estabelecidos partidos existentes, destacadamente os de perfil direitista, inibe o crescimento de partidos programáticos e ideologicamente definidos e tem como objetivo final estabelecer, no Brasil, um sistema político em que existam, poucos partidos, com predominância dos direitistas conservadores, como tentou o general Golbery no fim da Ditadura, ao tentar restringir o número de partidos, no máximo a cinco. Nessas circunstâncias, a participação nas disputas eleitorais se tornará paulatinamente mais difícil e excludente para os partidos que não fazem parte do sistema dominante, e particularmente para os de natureza democrática, popular, progressista e de esquerda.

E.4 – Não deixa de ser irônico. A existência do tempo de TV gratuito, do Fundo Partidário e do Fundo para o Financiamento Público de Campanhas – que foram defendidos e conquistados com intensa participação das esquerdas e de setores democráticos, a partir de sua regulamentação, que privilegia o tamanho da bancada de cada partido na Câmara Federal, para a participação do tempo de TV, e na distribuição dos valores, a serem atribuídos aos partidos, provenientes dos fundos citados – tornou-se um empecilho ao desempenho dos pequenos partidos, particularmente os de esquerda, que recebem quotas pequenas, e com isso não conseguem competir em iguais condições com as grandes legendas, tendo em vista que estas recebem vultosos recursos.

F – A realidade do voto.

F.1 – Nessas eleições municipais, participaram, de uma maneira ou de outra, 33 partidos representantes dos mais variados interesses econômicos e sociais. Pode-se afirmar sem dúvida que neles está representada a totalidade do espectro ideológico que compõe a sociedade. Vai da extrema-direita à extrema-esquerda. Mas o nome que assumem não nos permite avaliar o conteúdo político-ideológico da absoluta maioria deles, e são uma fonte constante de confusão, quando se procura analisar seus desempenhos eleitorais. Nesse sentido, na busca de analisar da forma mais objetiva possível o resultado das últimas eleições, um importante problema a ser enfrentado é o de se estabelecer uma tipificação desses 33 partidos que participaram do processo eleitoral. Tarefa dificílima, reconheço, mas irrecusável, pois, sem essa tipificação, faremos análises fragmentadas dos resultados, perdendo a noção do todo político, ou seja, como as várias classes sociais estão representadas na cena política, como se articulam e se agregam para defenderem seus interesses.

F.2 – Considerando os vários partidos hoje atuantes no país, e com base em seus programas, sua prática e suas alianças nessas eleições, os agruparei para efeitos dessa análise, em dois grandes Blocos. Um de partidos de Direita, e outro de partidos de Esquerda. Essa divisão em dois grandes blocos parte da constatação de que a parte orgânica e ativa da sociedade, atuante na política nacional, agrupa-se, em termos gerais, entre aqueles que querem manter o status quo, bloco da Direita, e aqueles que querem mudá-lo, bloco da Esquerda; existindo expressiva parcela da sociedade que tem atitude amorfa diante das disputas políticas realizadas por partidos e outras instituições sociais. Mas, como esses blocos não são monolíticos e o grau de participação política da sociedade é muito desigual, diverso e complexo, surgem entre eles intersecções, configurando o que se convencionou classificar como centro político. Mas esse centro é constituído por forças tanto a favor da manutenção do status quo, quanto a favor de sua mudança, sendo assim um espaço político de alta fluidez de posicionamentos, que o faz atuar ora com a Direita, ora com a Esquerda, conforme as conveniências e as circunstâncias do momento.

F.3 – Mas esses dois grandes blocos, Direita e Esquerda, não são, como já dissemos, monolíticos. Por representarem amplos setores da sociedade, comportam subdivisões dentro deles e, assim, neste estudo cada um deles será subdividido em três, perfazendo a rigor seis blocos partidários. Registro, com destaque, que essa classificação, além de ser muito difícil de ser feita, não tem a pretensão de ser definitiva e esgotar o assunto. Ela é feita por imperativos metodológicos e didáticos, para tentar entender mais a fundo os resultados dessas eleições.

F.4 – Assim os 33 partidos que disputaram as Eleições municipais serão agrupados da seguinte forma:

Bloco dos partidos de Esquerda

  • Esquerda tradicional: PT, PCdoB, PSOL.
  • Extrema-esquerda: PSTU, PCB, UP, PCO.
  • Centro-esquerda: PDT, PSB, REDE, PV.

Bloco dos partidos de Direita

  • Direita Clássica/liberal: MDB, PSDB, DEM, PSD, CIDADANIA, NOVO.
  • Extrema-Direita: Republicanos, PSL, PSC, Patriotas, PRTB.
  • Direita Pragmática/CENTRÃO: PP, PL, PTB, SD, PROS, Avante, DC, PTC, PMN, PMB, Podemos.

G – A realidade do voto em números e o seu significado.

G.1 – Em grandes números, essas eleições mostraram uma força da direita, em suas várias manifestações, que deve nos chamar a atenção. Nas eleições para prefeito, os votos obtidos pela direita, no seu conjunto (ver Anexos 1 e 2), englobando Direita Clássica, Direita Pragmática/Centrão e Extrema-Direita, foram 78.286.486, que correspondem a 78,3%, e elegeram 4.609 prefeitos, ou seja, 84,4% do total. Já o Bloco das forças de esquerda, considerando esse campo constituído pela Esquerda Clássica, a Extrema-esquerda e a Centro-esquerda, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 617 prefeitos, ou seja, 15,6% do total. Para vereadores o fenômeno se repete (ver Anexos 3 e 4). O bloco da direita obteve 77.531.520 votos, ou 78,2% do total, e elegeu 46.720 vereadores, ou seja, 81,3% do total. E o bloco da Esquerda, 21.658.644 votos, correspondentes a 21,8% do total, elegendo 10.754, ou seja, 18,7% do total. Esse comparativo nos mostra que a absoluta maioria da população votou em partidos, e elegeu candidatos de direita, que representam, de uma forma ou de outra, valores conservadores, reacionários mesmo.

G.2 – Porém, a direita não forma um bloco coeso, mas se subdivide em grupos e frações, com atuação parlamentar e extraparlamentar, e, do ponto de vista político-ideológico, abriga no seu seio desde conservadores tradicionais, de natureza liberal clássica; fundamentalistas de extrema-direita, de natureza nazifascista; milicianos e políticos pragmáticos que se alinham com qualquer governo conforme seus interesses. E a esquerda também tem divisões, que vão além de questões políticas eleitorais, e têm raízes históricas, algumas delas de difícil superação. Assim temos uma Esquerda que, ao mesmo tempo que define mudanças revolucionárias na sociedade, busca atingir esse objetivo por meio de complexos processos de acumulação de forças, atuando na cena política de acordo com a realidade objetiva imposta, e tendo nas disputas eleitorais um importante, mas não exclusivo, componente de sua prática, onde incluo o PCdoB. Tem a Esquerda, que não se propõe a mudar as estruturas do Estado como tal, mas que se indigna com as brutais condições de desigualdade geradas pelo capitalismo, é imbuída de sentimento de solidariedade para com os explorados por esse sistema econômico e propõe reformas que mitiguem essa exploração e criem um ambiente de convivência harmoniosa entre capital e trabalho, onde incluo as forças que hegemonizam o PT. E tem um segmento na Esquerda que, embora propugne mudanças revolucionárias, não consegue traduzir esse desejo em políticas capazes de viabilizar esses objetivos, tornando-se um corpo apartado do embate político concreto que se trava no tempo e no espaço da sociedade, onde situo o PSOL, certas correntes petistas, e os partidos da extrema-esquerda.

G.3 – Tendo esses conceitos e essa tipificação como pano de fundo, procuraremos realizar uma análise dos resultados das recentes eleições municipais, com o fito de dimensionar seus impactos na nossa ação política concreta.

G.3.1 – DIREITA CLÁSSICA.

Composta pelos conservadores tradicionais, agentes políticos que atuam desde sempre na política nacional, a Direita Clássica constitui a espinha dorsal das elites dominantes de nosso país, assumindo posições ora conservadoras, ora liberais, na economia e no que respeita às regras do jogo democrático, chegando em alguns momentos a assumir posições levemente progressistas no que diz respeito à defesa de interesses nacionais. Na atualidade se encontra principalmente em partidos como MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania e NOVO[1]. Esse conjunto de partidos, que chamo de Direita Clássica, teve importante desempenho nessas eleições. Na disputa das prefeituras, obtiveram 42.369.616 votos, correspondentes a 42,4%, e elegeram 2.562 prefeitos, ou seja, 46,82% do total. Na disputa de vagas nas Câmaras Municipais, obtiveram 32.963.146 votos, correspondentes a 33,2%, e elegeram 23.119 vereadores, ou seja, 40,21% dos eleitos (Ver Anexos 1, 2, 3 e 4).

G.3.2 – EXTREMA-DIREITA.

Essa direita de natureza fundamentalista, que existe de forma latente há décadas – lembremos de Plínio Salgado –, voltou a ter uma atividade política intensa, como apoiadora e estimuladora, de um certo tipo de luta contra a corrupção materializada na chamada “operação lava-jato”, como ‘tropa de choque’ dos golpistas que afastaram Dilma, participando com destaque nas eleições gerais de 2018, quando foi o principal suporte da vitória de Jair Bolsonaro a Presidência, e tem um importante papel em seu governo. Constitui-se de setores imbuídos de um falso moralismo das classes médias, e de setores marginais, que medram nos porões da sociedade desigual que é o Brasil. Eles são a matéria-prima para as manipulações políticas e ideológicas de setores da elite, que diante dos impasses que a evolução econômica do capitalismo, na sua fase neoliberal, impõe as regras da democracia liberal clássica, procura controlar o Estado por meio de governos autoritários, ditatoriais. Assim, essas elites econômicas e políticas, defensoras em última instância do capital financeiro, investem pesado na formação de grupos de atuação política, de natureza fascista; das milícias derivadas de aparatos do sistema de segurança; de correntes religiosas fundamentalistas católicas e neopentecostais; e de segmentos militares. Para isso, agem explorando sentimentos religiosos difusos e primários, frustações econômicas – fruto da exploração de classe -, baixa escolaridade e primarismo cultural, existentes nesses segmentos.

Essa é a base da extrema-direita que hoje atua no Brasil, e tem no bolsonarismo seu desaguadouro político, e que Bolsonaro tenta aglutinar em um partido político único, o ALIANÇA BRASIL, que até agora não conseguiu preencher os requisitos legais para tal. Em função disso, estão espalhados, e em certos casos diluídos, em vários partidos, dentre os quais, os principais são PSL, PSC, Patriotas, PRTB e Republicanos. Esses partidos em conjunto obtiveram, na votação para prefeito, 12.676.502, que correspondem 12,7% dos votos, e elegeram 471, ou seja, 8,69% dos prefeitos eleitos. Para vereador obtiveram 14.877.760 votos, que correspondem a 15,0% do total, e elegeram 6.187 vereadores, ou seja, 10,8% dos eleitos. Ver Anexos (1, 2, 3 e 4).

Como os números acima mostram, a extrema-direita não teve uma performance eleitoral em linha com o desempenho que teve quando da eleição de Bolsonaro, em 2018, e mesmo com a expectativa de vários analistas e círculos políticos em relação a essas eleições. Mas, mesmo que os resultados não apontem uma vitória eleitoral da direita radical, e que Bolsonaro e seu núcleo duro tenham saído enfraquecidos, eles não estão mortos, como os números comprovam. Sua sobrevivência se baseia no conservadorismo nos costumes, em atitudes negacionistas diante de evidências científicas comprovadas, no atraso na política, num anticomunismo primário e difuso. Tudo isso é latente na sociedade, embrutecida pela pobreza, pelo desemprego e por religiões mistificadoras, que a torna alvo fácil de manipuladores. Embora a extrema-direita não tenha eleito nenhum prefeito em grandes cidades e capitais, tendo sido derrotada no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Macapá, ela conseguiu eleger adeptos e seguidores em várias cidades importantes. Cidades como Rio Branco (AC), São Luís (MA), Teresina (PI), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Parnaíba (PI), Anápolis (GO), Vitória (ES), Caucaia (CE), Ipatinga (MG), Joinville (SC) etc, elegeram políticos que, em maior ou menor grau, foram apoiados por Bolsonaro, ou por seus seguidores nas respectivas cidades. Mesmo onde foram derrotados, como em Fortaleza no segundo turno e em São Paulo no primeiro turno, tiveram um bom desempenho eleitoral. Em Fortaleza o obteve 48,31% dos votos e, em São Paulo, o bloco obteve 20,34% dos votos. Na disputa para vereadores, essa extrema-direita teve desempenho significativo, em importantes câmaras municipais.

G.3.3 – DIREITA PRAGMÁTICA /CENTRÃO.

Um terceiro bloco de forças do espectro político da direita são as forças de centro-direita, pragmáticas, que se convencionou chamar de Centrão, que tem como elemento definidor de sua atuação o usufruto das benesses do poder, e, nesse sentido, alinha-se com o poder de ocasião, desde que seus espaços na máquina do Estado estejam garantidos. Desse modo, na sua maioria essas forças já apoiaram Lula/Dilma, apoiaram o impeachment de Dilma, apoiaram o governo Temer e atualmente dão suporte a Bolsonaro, e é possível que venham a ser parceiras deste em uma aventura autoritária qualquer. Fazem parte desse bloco: PP, PL, PTB, SD, PROS, AVANTE, DC, PTC, PMN, PMB, PODEMOS. Esses partidos, juntos, obtiveram, para prefeito, 23.240.368 votos, que correspondem a 23,2% do total, e elegeram 1.576 candidatos, ou seja, 28,9% dos prefeitos eleitos. Para vereador, obtiveram 29.690.614 votos, correspondendo a 29,9% do total, e elegeram 17.414 candidatos, ou seja, 30,3% dos vereadores eleitos (Anexos 1, 2, 3 e 4). Embora seja um desempenho significativo, bem superior ao do bloco de esquerda, não é um desempenho extraordinário. Ficou inferior ao da Direita Clássica.

G.4 – CAMPO DA ESQUERDA.

De um ponto de vista amplo, a esquerda se constitui de: forças políticas e segmentos sociais que defendem a justiça e solidariedade social, a democracia, um Estado Nacional Soberano, Autônomo e Laico, a autodeterminação dos povos e nações, a Paz; e movimentos que defendem causas de importantes segmentos sociais, como das mulheres, dos negros, dos homossexuais etc., propugnam um modelo de organização econômico e social que não tenha no lucro seu ponto focal, e se opõem à agenda conservadora, antidemocrática, antinacional e antipopular dos setores reacionários e de direita. Como já explicitado anteriormente, a esquerda, nessa visão ampliada, é composta, em nossa constelação político-partidária, dos seguintes partidos: PCdoB, PT, PSOL, PSB, PDT, REDE, PV, PSTU, PCO, PCB, UP. Esse conjunto de partidos, como já registrado, não forma uma força coesa; ao contrário, existem entre eles várias divergências, de natureza ideológica e política, e algumas dessas divergências são históricas e têm se mostrado inconciliáveis. Esses partidos atuaram nessas eleições, no fundamental, defendendo posições democráticas, de eficiência administrativa, de luta contra a corrupção e de atenção aos setores periféricos mais pobres e socialmente discriminados. A maioria deles, nas cidades onde concorreram, lançou candidaturas próprias a prefeito e, por imposição legal, chapas próprias de vereadores.

Esse conjunto de partidos, na disputa de prefeituras, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 851 prefeitos, ou seja, 15,69% dos candidatos. Na eleição para as Câmaras de vereadores, tiveram, juntos, 21.658.644 votos, que correspondem a 21,8% do total, e elegeram 10.754 candidatos, ou seja, 18,7%, dos vereadores eleitos (Anexos 1, 2, 3 e 4).

Mas esses partidos não formam um bloco coeso. Assim, aplicando critérios político-ideológicos estabelecidos anteriormente, será usada, para o estudo desses resultados, a classificação desses partidos em três sub-blocos: Esquerda tradicional, composto por PCdoB, PT, PSOL; Extrema-esquerda, composto por PSTU, UP, PCO, PCB; e Centro-Esquerda, composto por PDT, PSB, PV e REDE. Nesse sentido os seus resultados eleitorais nos mostram:

G.4.1 – Esquerda tradicional: para prefeito, obteve 10.291.346 votos, que correspondem a 10,3% do total, e elegeu 234 candidatos, ou seja, 4,3% dos eleitos. Para vereador, 8.830.740 votos, correspondentes a 8,9% do total, e elegeu 3.442 candidatos, ou seja, 6% dos eleitos.

G.4.2 – Extrema-esquerda: obteve 70.368, votos para vereador, que correspondem a 0,1%, e 53.887 para prefeito, ou seja, 0,06% do total de votos. Não elegendo nenhum prefeito ou vereador.

G.4.3 – Centro-Esquerda: na disputa para prefeito, obteve 11.408.580, que correspondem a 11,62% dos votos, e elegeu 618, ou seja, 11,4% dos eleitos. Para vereador, obteve 12.757.536 de votos, que correspondem a 12,83% do total, e elegeu 7.332, ou seja, 12,79%, dos eleitos (Anexos 1, 2, 3 e 4).

H – Algumas observações sobre esses resultados.

H.1 – Esses números nos indicam que, do ponto de vista eleitoral, as forças de Direita em seu conjunto são amplamente majoritárias na sociedade brasileira. Elas obtiveram mais do triplo de votos para prefeito que as forças de Esquerda, 78,3% e 21,7%, respectivamente, e elegeram 4.609 e 851 prefeitos, respectivamente. Assim, a Direita elegeu 5,4 vezes mais prefeitos que a Esquerda. O mesmo ocorrendo no que respeita à disputa para Vereador. A Direita obteve 78,2% e a Esquerda 21,8% dos votos, ou seja, 46.720 vereadores eleitos pela Direita e 10.754 pela Esquerda. A Direita elegeu 4,3 mais vereadores que a Esquerda. Se considerarmos que o bloco de Direita elegeu 21 prefeitos de capitais, e o bloco da Esquerda elegeu 5, e a Direita predominou nas grandes cidades, os resultados são ainda mais significativos[2].

H.2 – Na Direita, o bloco que teve o melhor desempenho foi a Direita Clássica. Elegeu 46,9% dos prefeitos e 40,2% dos vereadores. Enquanto a Esquerda Tradicional elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Esses números mostram uma enorme disparidade de forças entre os dois segmentos que condensam perspectivas de projetos para o país, um conservador e outro revolucionário/reformista.

H.3 – O desempenho conjunto da Direita Clássica e da Direita Pragmática/Centrão revela a força do setor conservador não fascistizante da sociedade. Juntos, elegeram 75,8% dos prefeitos e 63,1% dos vereadores. Na realidade, esse é o núcleo político que comanda o país. Para onde ele pende, o poder vai.

H.4 – Já a Extrema-Direita teve um desempenho fraco. Elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos vereadores. Mas, como já registramos, isso não significa todo o seu potencial. Muitos políticos que esposam ideias desse segmento se elegeram por distintas legendas desse campo.

H.5 – Mas, mesmo sendo o segmento mais fraco da Direita, a Extrema-Direita teve um desempenho melhor que o da Esquerda Clássica, que elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Registre-se que, nesse desempenho, estão incluídos os votos do PT.

H.6 – Do ponto de vista do desempenho de Bolsonaro, como apoiador de candidatos a prefeito, ele foi um fracasso. Perdeu em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Fortaleza, Macapá, para ficarmos nas capitais. Isso é um forte indicador de que seu prestígio eleitoral já não é o mesmo de 2018, quando à sua sombra foram eleitos inúmeros políticos desconhecidos.

H.7 – O fato de a Direita Clássica ter sido o segmento da Direita mais votado, que mais elegeu prefeitos e vereadores – combinado com o fraco desempenho do bloco de extrema-direita, e o fraco desempenho de Bolsonaro –, é um forte indicador de que a onda antipolítica perdeu força e de que as forças que tradicionalmente governam o país há décadas voltaram ao comando do processo político.

H.8 – Mas isso não pode criar a ilusão de que está posta a retomada de espaços significativos no campo político, pelas forças de Esquerda e Centro-Esquerda, e que, em 2022, teremos a volta ao governo, de um bloco de forças de esquerda, democráticas e progressistas.

I – Observações Finais.

I.1 – Os números acima apresentados, dos resultados das eleições municipais de 2020, encerram muitas lições que necessitamos procurar compreender e apreender.

I.2 – Fica claro que o grande vitorioso dessas eleições foi o campo político constituído pela Direita Clássica e a Direita Pragmática/CENTRÃO. Juntos elegeram 78,8% dos Prefeitos e 63,1% dos vereadores. Isso tem um importante significado político, pois esses votos não devem ser vistos como frutos de uma realidade limitada a disputa dessas eleições. Eles, na realidade, representam os votos de setores políticos que os obtêm, há tempos, em várias eleições. Variam as siglas partidárias, mas esse campo tem uma relação política com o conjunto da sociedade, para o bem ou para o mal, que os coloca como o depositário das manifestações eleitorais da maioria da sociedade.

I.3 – Registre-se que a Extrema-Direita (PSC, PSL, Patriotas, Republicanos, PRTB), que foi vitoriosa em 2018 elegendo Bolsonaro, disputa pela segunda vez com fisionomia própria, por meio de vários partidos, e candidatos e candidatas emblemáticos dessa corrente, como Joice Hasselman, pelo PSL em São Paulo, Cap. Wagner, pelo PROS, em Fortaleza, entre outros. E se não teve um desempenho como o conseguido em 2018, teve um desempenho que a mantem no cenário político-eleitoral com fisionomia orgânica própria, e lideranças assumidas. Isso é uma nova realidade, no tabuleiro das disputas político-eleitorais no país. Do ponto de vista da votação obtida, o número de votos foi maior do que o da Esquerda Tradicional. A Extrema-Direita elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos vereadores, enquanto a Esquerda Tradicional, elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Ou seja, de agora em diante, a Extrema-Direita será uma força política atuante nas eleições e será necessário que as forças democrático-populares e de esquerda tenham isso em mente em suas estratégias eleitorais.

I.4 – Mesmo sendo a Direita Clássica, (MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania, NOVO) o bloco de forças que obteve o melhor desempenho nas urnas – 42,4% de votos para prefeito, e 33,25% para vereador –, ela representa uma elite tradicional que vive um processo de desgaste e decadência, ao longo dos últimos anos, que não conta com lideranças de destaque para dar continuidade ao seu poder como o tem exercido até agora. Indicação disso foi a ascensão da Extrema-Direita, que vem ocupando um espaço próprio, disputando com a Direita Clássica bandeiras e votos. Ou seja, se essas eleições indicam que o ‘controle da política’, voltou para a mão dos ‘profissionais da política’, como afirmam renomados analistas da grande mídia, é necessário ter presente que a manutenção desse posto está diretamente proporcional a capacidade de as forças conservadoras tradicionais enfrentarem os ímpetos e objetivos autoritários e fascistas da Extrema-Direita; o que a vida, salvo exceções, não tem demonstrado até agora.

I.5 – O campo democrático-popular e de esquerda – que se aglutina nos partidos PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB, PV, REDE, PSTU, PCB, PCO, UP – demonstrou resiliência e disputou com garra espaços políticos nessas eleições, mas os resultados obtidos não foram bons. Perderam substância eleitoral. Em 2016 tiveram em conjunto 27,96% para prefeito e 24,29% para vereadores e, em 2020, 21,7% dos votos para prefeito, e 21,8% para vereadores[3]. Isso é um importante sinal de alerta para essas forças no sentido de se empenharem a fundo no estudo desses resultados, com o objetivo de localizar debilidades, e traçar estratégias e táticas para superá-las.

I.6 – Os dilemas eleitorais futuros que esse campo político enfrentará extrapolam em muito a mera participação em eleições. Na realidade essas forças conseguem bom desempenho eleitoral, quando são capazes de se apresentarem aos eleitores como proponentes de saídas para as dificuldades que eles enfrentam em vários campos. E essas dificuldades hoje são de natureza econômica e política muito complexas, que para serem resolvidas necessitam de mudanças estruturais na sociedade que exigirão a formação de um movimento nacional por mudanças, por reformas estruturais que atinjam a base econômica e a estrutura organizativa do Estado. Essas reformas deverão propugnar por uma retomada do processo de industrialização do país, de desenvolvimento tecnológico, de fortalecimento da defesa nacional de forma soberana e autônoma, de forte redistribuição de riqueza, com inclusão social das massas deserdadas, de estabelecimento de regras democráticas e igualitárias entre os vários partidos nas disputas eleitorais. Regras eleitorais essas que significam reformular a legislação eleitoral no que diz respeito a distribuição de quotas de Fundo Partidário e Eleitoral, dos tempos de TV e rádio, do direito aos Partidos de estabelecerem coligações nas disputas proporcionais, da existência de Cláusula de Desempenho[4] etc. Enfim, de retomada de um Projeto de Construção Nacional que unifique e mobilize os brasileiros, na busca de concretizá-lo.

I.7 – E hoje existe, nesse campo político, um abandono dessa perspectiva, que foi muito forte em nosso país, nos anos 50 e parte dos 60 do século 20. Ocorre que paulatinamente, em função de derrotas sofridas por esse campo progressista – como com a implantação da Ditadura Militar de 1964/85, ou mesmo a derrota sofrida com o desmoronamento da ex-URSS (1989/1991) -, iniciou-se uma revisão teórico-conceitual, na qual a submissão de legítimos interesses setoriais e de causas predominou sobre interesses mais gerais e coletivos. Isso levou a uma dispersão no campo popular progressista e de esquerda, que rebaixou sua atividade política às lutas de reivindicações imediatas e setoriais. Lutas essas geralmente desconectadas de um projeto nacional estruturante, que estabelece metas e prioridades a serem conseguidas por meio da disputa política. Em resumo, falta a esse campo popular, democrático, progressista e de esquerda, um Projeto de Construção de um Brasil soberano, desenvolvido, pacífico, socialmente justo, sem o qual os candidatos dos partidos desse campo – ao se apresentarem aos eleitores nas disputas vindouras – irão disputar, em desvantagem, o voto com os políticos da Direita Clássica e Extrema-Direita, pois estes controlam a máquina político/burocrática que gerencia a distribuição de quotas de fundo eleitoral, tempo de televisão, estabelece regras para cada eleição e principalmente promete vantagens materiais.

I.8 – Em realidade, nas condições hoje existentes, as eleições são uma importante trincheira – e sem dúvida a mais destacada – de luta política que as forças democráticas e progressistas dispõem. Mas para que essas forças obtenham vitórias, nesse terreno, é necessário atuar com destaque em duas frentes. No plano das ideias, serem capazes de construir uma proposta de Plano Nacional de Desenvolvimento, que despertem corações e mentes, razão e emoção, do povo e o mobilize em torno dele. E concomitante a isso, desenvolverem um intenso trabalho de vinculação orgânica com a população como um todo. Principalmente com suas camadas de trabalhadores, e das massas despossuídas e excluídas. Para que, assim, seja possível enfrentar, e vencer, a máquina de poder e dinheiro, que os segmentos de direita e extrema direita hoje controlam e lhe dão a hegemonia política na sociedade, como mostraram as urnas.

Notas

[1] O Cidadania é o último estágio de desagregação do antigo PCB, que renegou o marxismo; num primeiro momento, sob a legenda PPS, continuou falando em marxismo e socialismo e, na sequência, ao assumir o nome CIDADANIA, passou a defender as teses liberais e mesmo neoliberais. O NOVO, embora tenha sido criado recentemente, define-se como liberal, anti-Estadoe pró-mercado de forma explícita e radical.

[2] ADireita Clássica elegeu 16 prefeitos,a Direita Pragmática 4, a Extrema Direita 1,a Centro-Esquerda 4, e a Esquerda Tradicional 1.

[3] Fonte: Estatísticas Eleitorais –Tribunal Superior Eleitoral –TSE.

[4] A título de exemplo: Se nas eleições para vereadores estivesse valendo a Cláusula de Barreira de 2%, apenas 18 partidos teriam atingido esse índice. São eles: MDB, PSD, PSDB, DEM, Cidadania, PP, PL, PTB, Podemos, Solidariedade, Avante, Republicanos, PSC, PSL, Patriotas, PT, PDT, PSB.(15 do Bloco da Direita e 3 do Bloco de Esquerda).

*Ronald Freitas é advogado, membro do Comitê Central do PCdoB

ANEXO 1

 

Anexo 1 – Número de Prefeitos Eleitos

 

Descrição dos Grupos

ANEXO 2

 

Número de votos para prefeito

 

ANEXO 3

 

Anexo 3

 

ANEXO 4

 

Anexo 4