Uma pasta de imagens do Arquivo Nacional mostra que o Centro de Informações do Exército, principal órgão de repressão à luta armada, identificava o guerrilheiro oficialmente e de forma correta já em janeiro de 1972. Apesar da insistente procura dos parentes, os responsáveis pelos serviços de informações dos governos Médici, Geisel, Figueiredo (militares), Sarney e Collor (civis) não informaram a existência das fotos nem confirmaram sua morte.

A família conseguiu a primeira informação oficial só em 1992, ao ter acesso a dados disponíveis a partir daquele ano pelo antigo Dops de São Paulo. Os arquivos citavam a prisão de Berbert e a possibilidade de o guerrilheiro ter se suicidado na cadeia. A suspeita, porém, é que ele tenha sido assassinado pelo regime. À época, os parentes tiveram de confrontar a informação do Dops com o registro da morte de um certo “João Silvino Lopes” em Natividade, dado divulgado em 1979 por um general da reserva.

Não se sabe onde estão os restos mortais de Berbert. Ele está na lista oficial que computa 475 mortos ou desaparecidos no regime militar (1964-1985). As fotos de Berbert são as primeiras divulgadas, após a redemocratização, de um guerrilheiro morto nas dependências de um órgão do Estado.

De Jales, no interior paulista, Regina, única irmã de Berbert, recebeu com serenidade a notícia da existência das imagens no Arquivo Nacional. “Meu pai, também chamado Ruy, morto há 11 anos, sempre fez questão de divulgar com orgulho a história dele.” O marido de Regina, Moacir Pereira, recebeu fotografias, que, segundo a família, não serão mostradas para a mãe do guerrilheiro, Ottília, com 93 anos.

Berbert integrava o Movimento de Libertação Popular (Molipo), que tinha 28 integrantes – a maioria dos quais foi dizimada nos dias subsequentes à sua morte. Ele nasceu em Regente Feijó, interior paulista, em 1947. Filho do funcionário público Ruy Thales Jaccoud Berbert e da professora de ensino básico Ottília Vieira, logo cedo demonstrou interesse pela escrita. Numa redação, aos 8 anos, mostrou o desejo de se tornar militar. “Olha a ironia da vida”, diz Regina.

Berbert saiu de casa aos 18 anos para cursar Letras na USP e foi um dos presos no Congresso da UNE de Ibiúna, em 1968. Depois da prisão, a irmã e a mãe o reencontraram, pela última vez, na Praça da República, em São Paulo. Em 1969, ele passou a ser procurado sob suspeita de participação no desvio de um avião da Varig para Cuba. Na ilha caribenha, recebeu treinamento de guerrilha.

Ao se integrar ao Molipo, também chamado Grupo Primavera ou Grupo da Ilha – uma dissidência da Ação Libertadora Nacional (ALN) – ele retornou ao Brasil. Andou pelo Maranhão e chegou a Natividade. A curta passagem pela cidade ainda é lembrada por parte dos moradores. Relatos indicam que a prisão foi efetuada por uma equipe da delegacia local. Agentes externos teriam chegado depois. Berbet usava botina e tinha características físicas bem diferentes das da população local.

Com a cidade fora da rota da Rodovia Belém-Brasília, a passagem de viajantes que seguiam para o Maranhão ou Pará tornou-se mais rara. Em Natividade, Berbert foi preso e levado para a cadeia pública, uma construção do período do Brasil Colônia, de frente para a praça central, de alpendre elevado e paredes de quase 1 metro de largura. Uma abertura na cela permitia que ele mantivesse contato com os moradores do município. Ele chegou a ganhar de uma moça uma rede para dormir.

Numa madrugada de janeiro de 1972, moradores viram Berbert pendurado com lençol amarrado a troncos de madeira que sustentavam o teto da cadeia. Testemunhas disseram à família que viram agentes policiais de fora na cidade. Versões recentes de militares indicam que os agentes chegaram a Natividade só após a morte do guerrilheiro. Eles sustentaram a versão do suicídio de “João Silvino Lopes”, maneira como Berbert foi identificado a autoridades locais – seu nome correto, no entanto, foi registrado pelos agentes do governo que fizeram as fotografias agora reveladas pelo Estado.

O advogado da família Berbert, Idibal Pivetta, não sabia da existência das imagens do guerrilheiro morto. “As únicas fotografias que conseguimos dele em Natividade foram imagens feitas pelas moças da cidade. Ruy era um rapaz muito boa pinta, as moças tentavam conversar com ele por meio da abertura na cela da cadeia”, conta o advogado. “Está provado que ele foi morto numa dependência do Estado. O Estado, portanto, é culpado.”

Fonte: O Estado de S. Paulo