Ressaltou, entre outros pontos, que “o financiamento à ciência, tecnologia e inovação permanece como uma das grandes preocupações da comunidade científica e acadêmica. Na agenda deste ano, persiste a ameaça da extinção dos recursos dos royalties do petróleo. A atual redação da lei, que ainda não foi regulamentada, não destina recursos ao CT-Petro, tornando a sua receita nula, o que ocasionaria a extinção deste fundo setorial, com consequências nefastas para as atividades de C,T&I.”.

Nader também comentou a preocupação da comunidade científica quanto ao novo Programa Nacional de Plataformas Científicas (PNPC), lançado recentemente pelo governo federal. “Apesar de reconhecer o esforço do MCTI no sentido de alavancar o setor no país, a SBPC manifestou cautela quanto ao ambicioso programa. Entendemos que antes de iniciar uma nova jornada, é necessário garantir a continuidade dos projetos em andamento e aqueles já discutidos e apontados como fundamentais para o país”, afirmou a presidente da entidade.

A recepção calorosa do povo acreano à realização da 66ª. Reunião Anual também foi lembrada por Nader. Ela disse “que eventos como esse representam uma vitória para a ciência brasileira, e que são essas vitórias que mais importam para o País”.

O discurso na íntegra da presidente da SBPC pode ser lido a seguir:

DISCURSO DE ABERTURA DA 66A. REUNIÃO ANUAL DA SBPC
HELENA NADER – PRESIDENTE
RIO BRANCO, 22 DE JULHO DE 2014
TIÃO VIANA, Governador do Acre
CLÉLIO CAMPOLINA, Ministro de CT&I
MARCUS ALEXANDRE, Prefeito de Rio Branco
JACOB PALIS, Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
JORGE VIANA, Vice-Presidente Senado Federal
SIBÁ MACHADO, Deputado Federal pelo Estado do Acre
MARCELO MIGUELI, Secretário de Estado de CT&I do Acre
MINORU MARTINS KINPARA, Reitor da Universidade Federal do Acre (UFAC) MARGARIDA DE AQUINO CUNHA, Vice-Reitora da UFAC e Coordenadora da Comissão Executiva Local
SERGIO GARGIONI – Presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo a Pesquisa (CONFAP)
PAULO SERGIO LACERDA BEIRÃO, Diretor de Cooperação Institucional – DCOI/PRE do CNPq
JOAQUIM SILVA E LUNA, Secretário de Ensino, Saúde e Pessoal do Ministério da Defesa, neste ato representando o Ministro da Defesa CELSO AMORIM
LUANA BONONE, Presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG)
COLEGAS CIENTISTAS, PROFESSORES E ESTUDANTES, SENHORAS E SENHORES,
É com muita alegria e orgulho que damos início hoje à 66a. Reunião Anual da SBPC, nesta cidade de Rio Branco, nome recebido em homenagem ao Barão de Rio Branco, que com a assinatura do “Tratado de Petrópolis” conquistou a anexação do Acre ao Brasil. A força do povo desta terra já aflorava com os seringueiros brasileiros, que exploravam o látex nesta região ainda pertencente à Bolívia.
E nesta terra que foi protagonista de um dos momentos de maior riqueza da história do Brasil, o Ciclo da Borracha, ocorreu uma miscigenação dos povos, com traços do branco nordestino com índios Kulinaã, e a influência de povos vindos de outras regiões do mundo, como portugueses e libaneses.
Quando olhamos a cidade de Rio Branco em imagens da terra via satélite, o que vemos é uma pequena mancha urbana, que se alastra como uma teia em ocupações na forma de espinha de peixe, até que essas vão sumindo mata adentro, alcançando a imensidão verde da Amazônia. E esse maciço de floresta avança em todas as direções até, aos poucos, encontrar as fronteiras estaduais e internacionais que definem os limites do estado do Acre e de seus vizinhos, o Amazonas e Rondônia, pelo lado brasileiro, e Bolívia e Peru, em terras estrangeiras.
“Ciência e Tecnologia em uma Amazônia sem Fronteiras”, o tema central escolhido para o evento, reflete essa realidade geográfica de uma região que integra diversas culturas, países, e a maior biodiversidade do planeta. Uma riqueza natural que transborda as delimitações da geografia política, já que esse acervo do planeta é cada vez mais reconhecido como imprescindível à preservação das espécies vivas. É nesse imenso laboratório natural que se integra o Acre e sua capital Rio Branco, que vamos realizar a 66a. Reunião Anual da SBPC.
A comissão executiva local, coordenada pela vice-reitora professora Margarida de Aquino Cunha, não mediu esforços para garantir o sucesso nacional e internacional do evento. A equipe foi capaz de promover grande mobilização de vários segmentos sociais do Acre na realização da Reunião Anual, desde a comunidade acadêmica, professores, estudantes, até representantes de comunidades locais e a imprensa regional. Foi ainda inestimável o apoio recebido do governo do estado, que instituiu 2014 como o “Ano da Ciência e Tecnologia no Acre”, da Prefeitura de Rio Branco, e demais apoiadores e patrocinadores.
Aliada a uma programação científica que reflete o que de mais avançado acontece atualmente na ciência e tecnologia, o evento inclui a ExpoT&C, Sessão de Pôsteres, Jornada Nacional de Iniciação Científica, SBPC Jovem e Mirim, SBPC Cultural, e as novidades SBPC Extrativista e SBPC Indígena.
Pela primeira vez, acontece o Dia da Família na Ciência com atividades voltadas para interação com a comunidade acreana, mostrando como a ciência está presente no dia a dia das pessoas.
Também pela primeira vez em uma Reunião Anual da SBPC, contamos com a participação das sociedades científicas irmãs da SBPC: American Association for the Advancement of Science (AAAS) dos Estados Unidos e EuroScience que representa todos os países europeus. Esse encontro resulta de um esforço que vem sendo realizado pela SBPC no sentido de propagar a ciência brasileira em nível internacional, e reflete o reconhecimento que a produção científica brasileira vem alcançando nos últimos anos.
Essa miríade de atividades que integram o palco de atrações científicas, educacionais e multiculturais da 66a. Reunião Anual, estão organizadas para a realização do maior evento científico do país, que acontece pela primeira vez em Rio Branco, no campus da Universidade Federal do Acre (UFAC).
Pesquisadores de todo o país discutirão temas relevantes de todas as áreas do conhecimento, das ciências humanas e sociais às tecnológicas, exatas e da terra, biológicas e da saúde.
Esta Reunião Anual acontece graças ao trabalho, empenho e apoio de centenas de pessoas das muitas instituições envolvidas.
Agradeço ao apoio de nossas agências de fomento, Capes, CNPq, FINEP, FAPESP, e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Ministério da Educação. Meu agradecimento especial ao amigo e reitor da Universidade Federal do Acre, professor Minoro Kinpara, em nome de quem agradeço a todos os professores, funcionários e estudantes da UFAC, pela parceria e apoio à SBPC na realização desta nossa Reunião Anual. Nosso reconhecimento à Fundação Conrado Wessel pelo apoio e pela bela mostra de fotografias ganhadoras do Prêmio Conrado Wessel nos últimos 10 anos e que serão exibidas durante a reunião.
Meus agradecimentos ao amigo e irmão Aldo Malavasi, secretário geral da SBPC e coordenador geral desta reunião, pelo comprometimento e dedicação. Aos membros da diretoria e do conselho pelo trabalho conjunto nas pessoas da Fernanda e da Nicinha o meu muito obrigada aos funcionários da SBPC pela dedicação à nossa sociedade e pela oportunidade do trabalho em equipe.
Ao povo acreano agradecemos a calorosa recepção e empenho para a realização deste evento.
Esperamos que esta reunião estimule ainda mais o trabalho de todos, em
especial da SBPC, em defesa da ciência e da educação de qualidade, articulando as pesquisas com os problemas de interesse geral do país, facilitando a cooperação entre os cientistas e aumentando a compreensão do público em relação à ciência e à tecnologia.
Aproveito o momento para um breve relato sobre os acontecimentos vividos pela SBPC desde Recife.
O financiamento à ciência, tecnologia e inovação permanece como uma das grandes preocupações da comunidade científica e acadêmica. Na agenda deste ano, persiste a ameaça da extinção dos recursos dos royalties do petróleo. A atual redação da lei, que ainda não foi regulamentada, não destina recursos ao CT-Petro, tornando a sua receita nula, o que ocasionaria a extinção deste fundo setorial, com consequências nefastas para as atividades de C,T&I.
Além do MCTI, os cortes e contingenciamentos no orçamento pela primeira vez atingiram também ao Ministério da Educação, e como consequência direta, às universidades federais.
No entanto, temos uma conquista importante a celebrar, que é a proposta da emenda constitucional para instituir o código nacional de ciência, tecnologia e inovação. No entanto, a SBPC manifestou-se contrária à supressão da palavra “pesquisa básica” no que tange ao financiamento do estado à pesquisa. Essa subtração, aparentemente insignificante, levou a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) a posicionarem-se contra a exclusão da palavra, pois no entender das duas entidades a pesquisa básica é o alicerce do desenvolvimento da tecnologia e da inovação. Uma das principais razões para apoiar claramente a pesquisa básica é que os conhecimentos proporcionados por ela, ainda que com aparente desprovimento de uso imediato em tecnologias e serviços para a sociedade, acabam por contribuir de forma incisiva para a melhoria da condição humana em diversas áreas.
Recentemente o governo federal lançou, sem ampla consulta à comunidade científica e acadêmica, o Programa Nacional das Plataformas do Conhecimento (PNPC). Apesar de reconhecer o esforço do MCTI no sentido de alavancar o setor no país, a SBPC manifestou cautela quanto ao ambicioso programa. Entendemos que antes de iniciar uma nova jornada, é necessário garantir a continuidade dos projetos em andamento e aqueles já discutidos e apontados como fundamentais para o país: o reator multipropósito, a linha de luz síncrotron (projeto Sirius), o submarino nuclear, o programa espacial, entre outros. A implantação dos Laboratórios Nacionais em diferentes áreas de conhecimento e regiões do país, são fundamentais e proporcionarão um salto na pesquisa, além de suporte para a inovação.
Convoco a todos para continuarmos lutando pelo aumento do orçamento do CNPq e pelo descontingenciamento dos recursos dos Fundos Setoriais e do FNDCT. Outros fatos preocupantes, provocaram diversas manifestações e intervenções da SBPC. Repudiamos a invasão ao Instituto Royal, construído com financiamento público e o único no gênero no país para testes pré-clínicos que utilizam animais.
Também estamos na luta contra o fechamento da unidade da EMBRAPA Cerrados, em Brasília, palco de pesquisas relevantes para a agricultura brasileira. A proposta de construção de conjunto habitacional popular tem o nosso inteiro apoio, porém não neste local. Consideramos que ocorrências como estas são obscurantistas e ainda permanecem na ordem do dia.
Apesar de todas estas preocupações e lutas, que têm sido constantes em nossa história, temos também alguns fatos para lembrar e outros para comemorar.
Em março a sociedade brasileira relembrou os 50 anos da ditadura militar no Brasil. Durante os 20 anos do regime militar (1964-1984) a SBPC representou um fórum democrático de crítica ao regime. Nesse período, a SBPC cumpriu um papel fundamental de resistência ao governo, sobretudo manifestando-se contra perseguições a professores, pesquisadores e estudantes, e contra a interferência nos sistemas educacional e científico, que pudessem ferir a autonomia das universidades.
É motivo de orgulho a participação da SBPC na organização do Fórum Mundial de Ciências, junto com a ABC, Unesco, o Conselho Internacional de Ciência (ICSU), Academia Mundial de Ciências para os Países em Desenvolvimento (TWAS), e AAAS dos Estados Unidos. O Fórum foi coordenado pela ABC e pela Academia de Ciências da Hungria, e aconteceu no Rio de Janeiro em novembro de 2013.
Em relação a nossa atuação no Congresso Nacional destacamos:
• O Plano Nacional de Educação – que após muitos anos foi votado e transformado em norma jurídica pela lei n° 13005/2014
• O Marco Civil da Internet – também foi votado e transformado em norma jurídica PLC 21/2014
•  O programa de atração e fixação de doutores na Amazônia, elaborado pela regional norte do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop).
•  A alteração do projeto do Senado que permitia a revalidação automática de diplomas estrangeiros.
Ainda, recentemente o governo encaminhou em caráter de urgência um projeto de lei sobre biodiversidade e conhecimentos tradicionais. A SBPC reconhece que o projeto traz importantes avanços, porém existem muitos itens a serem melhor discutidos, tanto que o mesmo já conta com mais de 100 emendas. Portanto solicitamos que seja retirado o caráter de urgência.
Caros amigos, nestes últimos dias o Brasil ficou mais pobre. Morreu o escritor e ocupante da cadeira número 34 da Academia Brasileira de Letras, João Ubaldo Ribeiro, que tão bem retratava a nossa realidade com justiça social.
Morreu também o filósofo e educador Rubem Alves. Um dos intelectuais mais respeitados do Brasil.
Homenageamos a eles e todos que nos deixaram neste ano com o texto de sua autoria:
“Ensinar
É um exercício
De imortalidade.
De alguma forma
Continuamos a viver
Naqueles cujos olhos
Aprenderam a ver o mundo
Pela magia da nossa palavra.
O professor, assim, não morre
Jamais…”
Homenageamos o povo acreano lembrando alguns de seus filhos conhecidos de todos nós:
•  Adib Domingos Jatene, médico, professor universitário, inventor e cientista conhecido e respeitado internacionalmente.
•  Armando Nogueira um dos mais conceituados cronistas esportivos e pioneiro do telejornalismo.
•  João Donato de Oliveira Neto, músico, arranjador, cantor e compositor. Esta 66a Reunião Anual da SBPC é também uma homenagem a Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, nascido no dia 15 de dezembro de 1944 em Xapuri, seringueiro, sindicalista e ativista ambiental conhecido mundialmente pela sua luta pelos direitos dos extrativistas, defensor incansável dos interesses dos seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, e população ribeirinha em geral.
Chico Mendes foi eleito um dos “100 maiores brasileiros de todos os tempos” em concurso realizado pelo SBT com a BBC de Londres em julho de 2012.
Ao encerrar minhas palavras, peço licença a J.G. de Araújo Jorge, poeta acreano do povo, que com seu romantismo conquistou e ilustrou os amores de muitos brasileiros de minha geração. Além de poeta, J.G. de Araújo Jorge era um pensador libertário, o que bem transmitiu em um artigo intitulado “O Poeta Fala”, publicado em 1956, de onde recupero o trecho que segue e que ainda é tão atual:
“Estou cada vez mais convencido de que a liberdade tem sido uma palavra há milênios desfraldada sobre a miséria da maioria, e há três séculos manejada pela burguesia em seu proveito. Por isso acho que ser livre é não ter fome, não ter medo da vida, não viver ao desamparo, ter direito à terra, à educação, à saúde, ao trabalho, a viver com o mínimo necessário para que não seja apenas um animal explorado pelo dinheiro. E o resto é silêncio.
Muito obrigada.