Luciana Console

Exatos 30 anos após a promulgação da Constituição de 1988, que marcou o processo de superação da ditadura, candidatos ligados à carreira militar voltam a ocupar cargos eletivos por todo o país. Dos 1.636 candidatos, no pleito de 2018, 104 foram eleitos. O índice de sucesso foi de 6% – 4,3 pontos percentuais a mais que nas eleições de 2014.

A representação máxima dessa tendência é a figura do próximo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), capitão reformado do Exército, e seu vice, general Hamilton Mourão. A chapa ficou marcada por uma campanha eleitoral com discursos de ódio contra minorias e forte apelo ao autoritarismo. 

Além da Presidência, o governo do estado de Rondônia elegeu o policial reformado Marcos Rocha. Em Santa Catarina, foi eleito o bombeiro militar Comandante Moisés. Já no Rio de Janeiro, quem venceu as eleições para o governo do estado foi o fuzileiro naval reformado, Wilson Witzel. No Senado, a figura de Major Olímpio ganhou por São Paulo. 

Desde a época da ditadura, o Congresso não tem seus cargos ocupados por tantos militares em uma eleição: foram eleitos 79. Os dados são de um levantamento da EBC (REPRODUZIDO ABAIXO), que também aponta aumento de mais de dez vezes em relação à eleição de 2014. 

Para compreender esse fenômeno, conversamos com o sociólogo especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Robson Sávio Reis de Souza. Ele analisa que as propostas punitivistas, repressivas e violentas, que foram as principais bandeiras dos candidatos militares, aparecem como resposta a certo anseio de “ordem” por parte da população. 

“Nós somos uma cultura que naturaliza, aceita e glamouriza a violência como solução para combater a própria violência. Com mais repressão, mais encarceramento, com leis mais duras. Isso se refletiu muito claramente nessas últimas eleições. Foi justamente a bancada militar, e principalmente do grupo mais conservador, que teve o maior êxito”. 

A intervenção das Forças Armadas nas comunidades do Rio de Janeiro é um exemplo recente de protagonismo militar na Segurança Pública – e deu errado. Iniciada em fevereiro de 2018, com R$ 1,2 bilhão de orçamento federal do governo Michel Temer (MDB), a operação aumentou a violência nos morros, em vez de ajudar a combatê-la. 

O resultado desastroso confirma a hipótese de Souza: utilizar a repressão como principal forma de tratar a violência é um equívoco. O especialista explica que pensar em Segurança Pública é pensar em políticas que combatam os crimes estipulados nos Códigos Penais, mas, principalmente, a violência estrutural da sociedade.

“No Estado brasileiro, nós temos uma lógica muito perversa, e isso é um pouco herança do modelo ditatorial, de trabalhar somente a questão ou de investir muito na repressão policial”. “Por isso que nós, muitas vezes, não conseguimos avançar nas questões daquela violência que se dá nas estatísticas criminais, porque a violência geradora dos crimes, que é essa violência da exclusão, do racismo, da xenofobia, do preconceito, do autoritarismo, misoginia, da LGBTfobia, não é combatida”, analisa.  

Souza critica a falta de reforma policial, da Justiça Criminal e do Sistema Prisional após o fim da ditadura militar, como causas do não enfrentamento da “origem das violências”. Segundo Souza, estes três sistemas ainda operam em lógica seletiva de encarceramento e punição, e são a resposta “fácil” desejada pela classe média conservadora, que se sente protegida por este modelo de Segurança Pública. 

“É uma Segurança Pública que protege o patrimônio dos ricos e dos poderosos, em detrimento de garantir uma segurança isonômica para toda a população”, completa.

Para uma política de Segurança Pública de qualidade, Souza finaliza lembrando que é preciso investir nas políticas de prevenção à violência e criminalidade, com atividades policiais voltadas para a investigação e não somente o combate ao crime. Não é na experiência militar, segundo ele, que se encontrarão as soluções para resolver a violência no Brasil. 

Nos cargos não-eletivos, os militares também assumem cada vez mais preponderância. Há um mês, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nomeou o general da reserva Fernando de Azevedo e Silva como assessor, por sugestão do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. É a primeira vez que ocorre uma nomeação desta natureza dentro da Suprema Corte desde a ditadura.

Resultados regionais

SUDESTE

A Região Sudeste teve o maior número de militares eleitos no primeiro turno. Entre os eleitos para todos os cargos, há 40 nomes confirmados e um que passou para a o segundo turno no Rio de Janeiro: Wilson Witzel (PSC), ex-juiz federal e servidor público com passagens pela Marinha. No primeiro turno, Witzel obteve 41,28% dos votos válidos e Eduardo Paes (DEM, 19,56%.

O Rio, que elegeu para o Senado o atual deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), filho de Jair Bolsonaro, traz para a Câmara Federal o Subtenente Hélio Fernando Barbosa Lopes (PSL), que obteve 345,2 mil votos, e mais três militares filiados ao partido. Na Assembleia Legislativa, cinco militares foram eleitos. O mais votado, com 140 mil votos, foi Rodrigo Amorim (PSL), que ficou conhecido ao ser acusado de quebrar uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março.

Outro filho de Bolsonaro que também já foi policial, Eduardo Bolsonaro, foi eleito deputado federal por São Paulo, junto com mais cinco militares. Os paulistas também escolheram Major Olimpo (PSL) para o Senado, com mais de 9 milhões de votos. No Legislativo estadual, pelo menos 10 das 94 cadeiras serão ocupadas por candidatos que se declararam militares.

Pelo menos um cabo, um subtenente e um delegado representarão Minas Gerais na Câmara dos Deputados. Na Assembleia Legislativa, há cinco nomes, entre sargentos, delegados e coronéis que garantiram assento entre os 77 parlamentares estaduais.

No Espírito Santo, quatro deputados estaduais eleitos têm patentes militares.

SUL

Na Região Sul, o governo de Santa Catarina será definido em segundo turno pelo Comandante Moisés (PSL) e o civil Gelson Merísio (PSD). Os catarinenses elegeram pelo menos três militares do partido de Bolsonaro: um para deputado federal – Coronel Armando – e dois para a Assembleia Legislativa – Coronel Mocellin e Sargento Lima.

Os candidatos com patentes nos registros eleitorais eleitos pelos gaúchos também são do PSL: Tenente Coronel Zucco e Capitão Macedo Professor, ambos deputados estaduais.

CENTRO-OESTE

Sete militares foram eleitos deputados nos quatro estados da Região Centro-Oeste e no Distrito Federal (DF). Cinco são nomes ligados ao PSL e pelo menos dois eleitos que têm patentes no nome vão ocupar uma cadeira no Congresso Nacional, ambos representando Goiás: o campeão de votos, Delegado Waldir (PSL), com 274,4 mil e o menos votado, Major Vitor Hugo (PSL), com 31,1 mil votos.

Mato Grosso elegeu o Delegado Claudinei (PSL), com quase 30 mil votos, como um dos  24 estaduais. Em Mato Grosso do Sul, os dois estaduais mais votados são do PSL: Capitão Contar, que teve 78,3 mil votos, seguido pelo Coronel Davi, com 45,9 mil votos. Na lista, ainda figura o Cabo Almi (PT), que obteve 21,2 mil votos. Como distrital, o Delegado Fernando Fernandes (Pros) conquistou uma vaga, com 29,4 mil votos.

NORTE

O Coronel Marcos Rocha (PSL) disputará, em segundo turno, o governo de Rondônia com Expedito Júnior (PSDB). Os eleitores do estado confirmaram, entre os oito deputados federais que os representarão no Congresso, outro coronel. Chritóstomo (PSL) teve o apoio de 28,3 rondonienses, passando na lista como o últimoeleito. Entre os 24 estaduais, estão Cabo Jhony Paixão (PRB) e outro peesselista, Sargento Eyder Brasil.

Duas patentes aparecem entre os oito deputados federais eleitos no Amazonas. Delegado Pablo, do PSL, foi o segundo mais votado no estado (151,6 mil). Capitão Alberto Neto (PRB) também conseguiu um assento no Congresso. Entre os dois militares confirmados entre 24 deputados estaduais, o pesselista Delegado Péricles concentrou o maior número de votos (30,5 mil).

O Pará também terá, entre os 17 federais eleitos, um militar no Congresso Nacional, o Delegado Éder Mauro (PSD), que garantiu a vaga com 145,6 mil votos. E três delegados foram eleitos para a Assembleia Legislativa.

Roraima tem dois militares na lista de deputados estaduais confirmados. E, no Acre, apenas o Sargento Cadmiel Bomfim foi eleito entre os candidatos com patentes militares no nome. Cadmiel, do PSDB, conseguiu mais de 3,6 mil votos (0,86%). Na relação de eleitos do Amapá, não há nomes de candidatos que usaram patentes militares no registro, bem como na do Tocantins .

NORDESTE

Sergipe e Rio Grande do Norte elegeram, cada estado, um nome com patente militar para ocupar assentos no Senado. O mais votado pelos sergipanos foi o Delegado Alessandro Vieira (Rede). Também da Rede, o Capitão Styvenson ficou no topo da lista no Rio Grande do Norte, com 7456,8 mil votos. Os dois estados também escolheram militares para as respectivas Assembleias Legislativas, um em cada.

No Piauí, Capitão Fábio Abreu (PR) é o único deputado federal com patente entre os eleitos. Entre os estaduais com esse perfil, há ainda nomes no Ceará (dois), Piauí (um), Bahia (dois), Paraíba (um), Pernambuco (dois) e Alagoas (um). Apenas o Maranhão não elegeu candidatos declarados militares.