No último sábado (13), ocorreu a segunda mesa do Seminário: O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, debatendo o tema da política externa independente e defesa nacional. A série de debates ocorre durante 11 mesas até 17 de julho. O evento virtual para convidados é promovido pela Fundação Maurício Grabois, por meio de sua Cátedra Cláudio Campos.

Entre os painelistas estiveram Nilson Araújo, doutor em Economia pela Universidade Nacional Autônoma do México, em 1980, pós-doutor pela Faculdade de Economia e Adminsitração (FEA-USP) e um dos fundadores da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu. Ele ainda é membro fundador do Partido Pátria Livre (PPL), diretor de Comunicação e Publicações da Fundação Maurício Grabois e membro da Comissão Política Nacional do PCdoB.

Outros que apresentaram intervenções foram Luis Fernandes, graduado em Relações Internacionais pela Georgetown University, pós-graduado em Ciência Politica na Iuperj, presidente da Finep, secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, e também do Ministério do Esporte e professor-adjunto da UFRJ. Ronaldo Carmona é cientista social, doutor em Geografia Humana pela USP, ex-chefe da Assessoria Especial de Planejamento do Ministério da Defesa e professor da Escola Superior de Guerra. O economista Paulo Nogueira Batista Jr foi diretor-executivo do FMI e vice-presidente do Banco dos BRICS.

 

O economista Nilson Araújo abordou a questão da dependência do Brasil e como isso dificulta o desenvolvimento nacional. “A dependência do Brasil como periferia do capitalismo tem uma consequência imediata de transferir valor importante do trabalho brasileiro para os países do capitalismo central”, explicou.

Ele pontuou as várias formas de drenar essa riqueza nacional para esses países: sob a forma de juros pelo endividamento externo; sob a forma de remessa de lucros pela presença de capital estrangeiro no país, tanto pela produção, quanto na especulação; pela remessa de royalties devido à dependência tecnológica; pelo intercâmbio desigual, ao vender produtos abaixo do valor e comprar produtos acima do valor, entre outras.

“Por isso, a superexploração da força de trabalho é uma resposta do capital instalado no país a essa drenagem de valor para o exterior, em que o salário é muito abaixo do necessário para garantir as condições mínimas de vida do trabalhador e sua família”, acrescenta.

A consequência dessa drenagem de riquezas nacionais para o exterior e da superexploração da força de trabalho é o estrangulamento do investimento nacional e do mercado interno. Daí a estagnação gerada pela dependência da economia brasileira a partir do começo dos anos de 1980.

Por que o Brasil não estava estagnado antes, se supostamente já era dependente? Sabemos que de 1930 a 1980, a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo. Araújo explica como, a partir da Revolução de 1930, o país passa a viver um cenário diferente. Antes de 1930, o Brasil exportava basicamente produtos primários e importava industrializados. “A drenagem de recursos era violenta”.

Para ele, o legado de Getúlio foi a industrialização do país e a legislação trabalhista, com a industrialização nacional sob controle nacional. “O Estado passa a ter um papel decisivo no desenvolvimento nacional ao garantir e proteger o investimento nacional e estimular o mercado interno por meio de uma legislação trabalhista que aumentou o poder de compra do trabalhador”. O economista descreve a economia daquele momento, em grande medida, como “independente em processo de construção”. E teria sido esse desenvolvimento independente que deflagrou e manteve o crescimento da economia até 1980.

Para ele, o legado de Getúlio foi a industrialização do país e a legislação trabalhista, com a industrialização nacional sob controle nacional. “O Estado passa a ter um papel decisivo no desenvolvimento nacional ao garantir e proteger o investimento nacional e estimular o mercado interno por meio de uma legislação trabalhista que aumentou o poder de compra do trabalhador”. O economista descreve a economia daquele momento, em grande medida, como “independente em processo de construção”. E teria sido esse desenvolvimento independente que deflagrou e manteve o crescimento da economia até 1980.

“Mas, de modo geral, na ditadura predominaram as forças entreguistas que preferiam o capital internacional”, resume. De 1968 em diante, aumentou muito o endividamento externo e a entrada de capital estrangeiro para se instalar no país, provocando a chamada crise da dívida. De 1978 a 1982, com a elevação das taxas de juros no mercado internacional, puxadas pelos EUA, e a deterioração dos termos de intercâmbio, a dívida externa dobrou em quatro anos.

A resposta do governo foi o arrocho de salários e o corte dos investimentos públicos, deflagrando a chamada década perdida. Além disso, particularmente a partir da década de 1990, aumentou violentamente a entrada de capital estrangeiro, tanto para a aquisição de estatais como de empresas privadas, reforçando a desnacionalização e a dependência da economia. O fluxo de dólares tem sido crescente desde as privatizações de Fernando Henrique, passando pelos governos progressistas, admite.

Transformações profundas

Há uma diferença entre o modo como o mundo enfrenta uma crise estrutural na primeira metade do século XX e como enfrenta outro ciclo de crises profundas do capitalismo deflagrado no começo dos anos de 1970. Esta diferença vai definir o lugar da esquerda e do campo progressista em cada período.

De 1914 a 1945, o mundo esteve mergulhado numa profunda crise que se expressou em duas grandes guerras mundiais e uma grande depressão. Mas, acompanhado disso, houve transformações profundas para sair da crise, e, conforme observa Araújo, a industrialização do Brasil fez parte disso. Assim como fizeram a Revolução Soviética, o avanço socialista sobre o Leste Europeu e a Ásia, a descolonização de boa parte da África e Ásia e a industrialização de países da América Latina (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia e México). “Os países centrais tiveram que fazer concessões profundas aos trabalhadores por meio do welfare state, o estado de bem estar social”, acrescenta.

Abre-se nova crise estrutural na década de 1970. Uma crise que se manifesta através do declínio lento dos EUA. Qual a causa. Segundo Araújo, há várias, mas destacou uma: o desenvolvimento desigual. De 1960 a 1976, a produtividade do trabalho do Japão cresceu 250%, da Alemanha 149% e dos Estados Unidos 57%, barateando as mercadorias produzidas no Japão e na Alemanha em relação às produzidas nos EUA. Os baixos preços do Japão e Alemanha garantiram a entrada de seus produtos nos EUA e nos países dominados pelas exportações desse país, relata o economista, além de substituir exportações por importações nos EUA, gerando déficit na balança comercial e dívida externa, até hoje. Assim, os EUA se tornaram um país central com dívida externa, uma situação sui generis. Para tentar responder a crise, a Reaganomics (política econômica do governo Reagan) aumentou os gastos públicos, particularmente os militares, e reduziu os impostos, principalmente os dos ricos, engendrando um segundo déficit, o déficit público, e dívida pública.

“Nesta crise, iniciada na década de 1970, não houve transformações profundas, mas retrocesso com a derrocada da URSS e o predomínio das forças do atraso”, compara ele. Em lugar de prosseguir o desenvolvimento socialista, a nova direção da URSS, sob pressão dos EUA, promoveu retrocessos, culminando com a gestão de Gorbatchev, que realizou um verdadeiro desmonte.

Para Araújo, a segunda oportunidade para aproveitar a crise estrutural e realizar transformações mais profundas no mundo e na América Latina se deu a partir de 1999, com a ascensão de Hugo Chávez, com a possibilidade de transformações mais profundas no continente, “que era considerada o elo débil”. “Na Venezuela, foi criado o Ministério da Indústria de Base, que depois fechou e não fez a industrialização. Maduro se mantém a duras penas, porque não fez as transformações e deu espaço para o aprofundamento da crise”, registrou.

Enquanto isso, para ele, no Brasil, não se tratava de industrializar, mas aprofundar a industrialização com tecnologia de ponta. No entanto, prosseguiu o processo de desindustrialização desde Sarney. De cerca de 30% da participação no PIB (o conjunto da indústria chegou a atingir 44%), a indústria de transformação desabou para 10%. Para agravar a situação, avançou fortemente a desnacionalização da economia.

Mas há um terceiro movimento que pode contribuir para, no bojo da crise estrutural, ocorrer transformações profundas no mundo. Tem a ver com o declínio dos EUA e a ascensão da China. O PIB da China cresceu de 6% do PIB dos EUA em 1990 para 12% em 2000 e 70% em 2018. Isso considerando o critério convencional baseado na transformação em dólar pela taxa de câmbio. Mas, se considerarmos o critério adotado pelo FMI e Banco Mundial, que se baseia na paridade do poder de compra, o gigante asiático superou os estadunidenses desde 2013. Além disso, domina cada vez mais tecnologias de ponta, como o 5G, e acabou com a miséria extrema, revelando uma “ascensão socialista e declínio capitalista, que favorecem a luta no Brasil”.

Araújo considera que a principal variável para promover o desenvolvimento é alavancar o salário para fortalecer o mercado interno. Para alavancar o investimento produtivo, é fundamental o investimento público, para isso devendo superar o rentismo da economia financeirizada e transitar para uma economia produtiva. “Temos que transitar da esfera financeira para a produtiva”.

Destacou que o fortalecimento da nacionalização da economia e a reindustrialização com tecnologia de ponta são fatores decisivos para retomar o desenvolvimento. O que se vê, no entanto, é um estado voltado para o estímulo ao rentismo. Para ele, a gigantesca renda da terra gerada no agronegócio, de altíssima produtividade, é apropriada pelo conúbio transnacionais-bancos-proprietários de terra e é capturada pelo rentismo financeiro. “Parte da renda da terra também precisa ser apropriada pelo estado”, não apenas a renda agrícola, mas também a renda petroleira, concluiu.

Debate

Araújo contesta a crítica simplista de que desenvolvimentismo se reduz a crescimento, quando são coisas diferentes. Para ele, o desenvolvimento econômico pressupõe melhoria social, enquanto crescimento está ligado apenas ao PIB, sem considerar redução de desigualdade social. Foi o que ocorreu durante o “milagre econômico”, na ditadura militar, em que a economia cresceu com acirramento da desigualdade social. “O desenvolvimento social não existe sem desenvolvimento econômico. A Venezuela é isso. Um estrangulamento econômico por falta de indústria nacional e forte dependência de importações”.

Sobre a atualização do programa partidário, ele registra que o documento considera que o rumo é o socialismo e o caminho é o fortalecimento da Nação, mas, segundo ele, o aspecto principal, no momento atual, tem que se concentrar nas tarefas nacionais. Para ele, é preciso completar a construção da nação brasileira com reformas de base como foco central.

Ele defende que o crescimento da economia brasileira no período de 1930 a 1980 se deu, fundamentalmente, graças ao processo de construção de uma economia independente inaugurado por Getúlio Vargas, na medida em que se dava sem participação do capital estrangeiro. “Durante a ditadura, houve crescimento, apesar da ampliação do capital estrangeiro e, por conseguinte, da dependência. Isso foi possível devido à forte permanência dos elementos nacionais, tais como empresas estatais nas áreas estratégicas e empresas nacionais privadas na indústria de consumo de massa. Mas, quando o capital estrangeiro e, por conseguinte, a dependência passou a predominar, explodiu a crise, inaugurando um longo período de estagnação da economia”.

Araújo também acredita que, mesmo com dependência econômica, é possível ter política externa independente, em algum nível, durante determinado tempo. “Mas tem que aproveitar a política externa independente para favorecer a independência econômica. Quando isso não ocorre, a dependência cobra seu preço e termina enquadrando a política externa. O que vemos hoje é que o governo segue desnacionalizando a economia”.

Ele considera que a China pode ser uma parceria preferencial, mas é contra um alinhamento automático. “O Brasil não tem que complementar a economia da China, mas fazer parceria, dentro das nossas próprias opções, com quem nos interessar”.

Em sua opinião, quando se decidiu abrir o país para a indústria automobilística estrangeira a partir da segunda metade da década de 1950, havia o caminho de construir uma indústria automobilística nacional, em vez de complementar a dinâmica imperialista da época. O Brasil, com a Fábrica Nacional de Motores, criada por Getúlio Vargas, já assentara as bases para uma indústria automobilística nacional. Se a Coreia, um país bem mais atrasado que o Brasil, conseguiu posteriormente montar sua indústria automobilística, por que o Brasil não poderia?

Ele também é contra reduzir as Forças Armadas a um adversário do campo progressista, pela participação que tem tido no governo Bolsonaro. “Temos que contribuir para que as Forças Armadas reforcem o compromisso com a Nação, e isso é possível. Bolsonaro favorece esse movimento ao desmoralizar e humilhar os militares de seu governo e também o conjunto da Forças Armadas”, acredita ele. O modo como Bolsonaro defende a liberação de armamentos para a população, melhor dizendo, para as milícias, também incomoda a tradição das Forças Armadas.

Com a derrocada do campo soviético, havia uma expectativa, por parte do núcleo dirigente dos EUA e de intelectuais orgânicos desse sistema, de ascensão unipolar e de um pensamento único neoliberal. No entanto, essa transição nunca se completou plenamente. “No momento atual, a transição mais completa não é só meramente em direção à multipolaridade, mas uma transição em que a China socialista vai se consolidando como polo geopolítico”.

Mas ele concorda que a entrega da hegemonia estadunidense não será tranquila. “As tensões vão aumentar. Não era apenas Trump que pressionava a China. Biden e os Clintons também são muito ruins para a China. Não tenha dúvida de que vão para cima. Aliás, Biden já começou suas ameaças”, prevê. A China prefere a manutenção da paz para seguir seu desenvolvimento, mas a oligarquia bélico-financeira dos EUA é agressiva por natureza.