Será difícil, em nossa história – ou na história de qualquer outro país do mundo –, encontrar um homem e um revolucionário com tantas qualidades.

Sérgio fez parte daqueles jovens que, após o golpe de Estado de 1964, resistiram à ditadura no movimento estudantil, organizando as mobilizações que colocaram a ditadura em xeque, no ano de 1968.

Como secundarista, ele fora já uma liderança destacada no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Nesta época, ele despontava, também, como cineasta – teve dois curtas-metragens premiados no Festival JB, então o evento mais importante do cinema amador no Brasil. É de se destacar a sua concepção de cinema, já nesse início, como uma arte ligada ao povo – e a serviço do povo.

Por toda a vida, Sérgio manteria sua ligação com a cultura nacional e popular, sobretudo na arte cinematográfica.

Entretanto, a ditadura colocou para Sérgio, e sua geração, a alternativa: se submeter ou resistir.

Sérgio optou por resistir ao enxovalho do nosso país e à opressão do nosso povo.

E quando, em dezembro de 1968, a ditadura decretou o AI-5, passando a um regime com base na tortura e no assassinato, Sérgio, diante do fechamento geral – inclusive do Congresso – foi dos que escolheram a luta armada como forma de resistência.

Poderiam ter desistido e abandonado a luta. Mas preferiram ser fiéis ao povo de que eram filhos.

Revelou-se, nessa fase da luta pela liberdade, outra característica de Sérgio, que se tornaria legendária, no melhor sentido desta palavra: sua coragem, disposto a arriscar sua vida por aquilo que acreditava, com espantoso desassombro.

Tornou-se um dos principais dirigentes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8).

Em 1972, quando o MR8 realizou, em Santiago do Chile, o Pleno que analisou as novas condições de luta no Brasil, colocando a luta de massas pelas liberdades democráticas – e não mais a luta armada – como centro de sua política, Sérgio foi o principal dirigente da organização.

Apesar de procurado intensamente pelos órgãos de repressão da ditadura, com seu retrato em cartazes espalhados pelo país, com a clara intenção de assassiná-lo, Sérgio decidiu não ficar no exílio. Voltou ao Brasil na clandestinidade, em situação dificílima, para organizar internamente o MR8.

Outra vez a sua coragem, nos anos em que viveu clandestino, transformou-se em uma legenda.

Com o aprofundamento teórico e prático – tático e estratégico – do MR8 na luta pelas liberdades democráticas, Sérgio Rubens e Cláudio Campos tornaram-se os dirigentes que nuclearam esta organização. Nunca houve alguém a quem Cláudio tivesse em tão alto conceito quanto Sérgio Rubens – e a recíproca é inteiramente verdadeira.

Quando foi fundada a Hora do Povo, ainda como semanário, Sérgio tornou-se logo um de seus principais impulsionadores.

Quanto à segunda e atual fase do nosso jornal, pode-se dizer, rigorosamente, que, se Cláudio foi seu idealizador central, Sérgio foi seu organizador prático – e, após a morte de Cláudio, em 2005, sua bússola ideológica e política.

Sérgio Rubens de Araújo Torres era um homem com um profundo amor à verdade. Mas para ele – e estava certo – a verdade somente era possível a quem se identificasse, também profundamente, com o coletivo, o povo brasileiro e a Humanidade.

Essa identidade com o que é humano determinava nele uma capacidade de estudo e uma inteligência raras, mesmo entre aqueles que se dedicam a transformar o mundo.

Daí o sentido prático que via em todo o conhecimento – todo conhecimento sem sentido prático era, para Sérgio, ausência de conhecimento, mero diletantismo ou pedantismo.

De que vale um conhecimento que não está a serviço de mudar o mundo?

Longe dele desprezar a teoria – isto é, a ciência. Pelo contrário, era um grande teórico. Mas, como o Galileu de seu amado Brecht, Sérgio diria: “Seremos ainda cientistas, se nos desligarmos da multidão? Vocês trabalham para quê? Eu acredito que a única finalidade da ciência está em aliviar o sofrimento da existência humana”.

Sérgio era avesso a visões que acabam em uma “disputa de narrativas”. Para ele, o conflito era entre a verdade e a mentira – pela simples razão de que a verdade existe. Nenhuma “narrativa” pode substituí-la.

Eleito presidente do Partido Pátria Livre (PPL), Sérgio o dirigiu com uma honestidade e integridade impressionantes.

Sua atitude após o aboletamento de Bolsonaro no Planalto foi muito bem descrita por Luciana Santos, presidenta do Partido Comunista do Brasil (PCdoB):

“Diante das graves ameaças advindas da vitória da extrema-direita em 2018, Sérgio Rubens tomou uma decisão histórica ao promover a união de forças entre o PPL e o PCdoB. Decisão que foi construída harmonicamente entre as direções das duas legendas.”
Tornou-se, então, vice-presidente do PCdoB.

Como disse, também, Luciana:
“Foi expoente e liderança de primeira grandeza de uma corrente política patriótica, revolucionária e marxista. Sua atuação como dirigente do PCdoB enriqueceu nossa legenda em sagacidade tática, visão estratégica, cultura patriótica e formação teórica marxista. Seu exemplo de compromisso e dedicação sem limite ao Partido, ao Brasil, ao povo ficará para sempre em nosso coletivo militante. Foi de uma lealdade irretocável, e de uma generosidade que nos alimentava de valores revolucionários elevados.”

Resta dizer algo que o leitor pode já ter percebido: Sérgio, pleno de humanidade, era desprovido de vaidades tolas. Para ele, o que não estivesse com a revolução, tudo aquilo que fosse obstáculo à revolução, só existia para que fosse superado.

Foi esse homem, grande como poucos, que nós perdemos, na noite de domingo, vítima de um traiçoeiro aneurisma.

À sua companheira Júlia, aos seus filhos, Janaína e Bernardo, e aos seus netos, os nossos sentimentos e a nossa solidariedade.